Curso Online de Filosofia
Olavo de Carvalho
Aula 176
08 de setembro de 2012
Boa noite a todos. Sejam bem-vindos.
Hoje quero expor aqui um tema que eu talvez já devesse ter abordado há muito tempo, para o que não apareceu a oportunidade. Acontece que alguns dos problemas mais interessantes e mais sérios da filosofia dos últimos dois séculos surgiram dentro de um debate interno da Igreja Católica: o debate do chamado movimento modernista, que começa com Lamennais e Alfred Loisy, por volta de metade do século XIX, mais ou menos. Esse movimento é inspirado no progresso recente da ciência histórica e filológica e desperta em vários círculos o desejo de compreender o texto bíblico à luz das investigações filológicas.
Não é preciso dizer que a imensidão da produção literária que se seguiu a este respeito até hoje não parou: todo mês saem de dez a vinte obras a respeito, com novas interpretações prometendo revelações extraordinárias de sentidos jamais suspeitados do evangelho ou contestando determinados pontos da doutrina católica com base nas interpretações filológicas; a coisa não pára mais, virou um oceano.
Em função dessas investigações e descobertas --- algumas verdadeiras e outras falsas (em geral falsas) --- desenvolveram-se também algumas conseqüências de ordem filosófica mais geral, que nos interessam mais particularmente. A primeira delas foi a idéia de que, já que as línguas têm uma história, assim como a semântica, o sentido das palavras iria mudando conforme os contextos históricos culturais diferentes e não seria possível enunciar uma doutrina em termos universais válidos para todos os tempos e lugares. Então, é evidente que, de imediato, a doutrina da Igreja Católica se diluiria em milhões de interpretações diferentes e praticamente se tornaria possível até inverter o sentido dessa doutrina em alguns pontos, de modo que muitos autores que são nominalmente católicos, e que até desfrutam de uma posição importante dentro da Igreja, começaram a enunciar doutrinas que eram exatamente o inverso da doutrina da católica tradicional.
A situação seguiu de crise em crise até o papa Leão XIII proferir a encíclica Aeternis Patris, no fim do século XIX, exatamente para tentar colocar um basta nesses movimentos e desautorizar os clérigos que estivessem se entregando a esse tipo de especulação. Durante algum tempo acreditou-se ingenuamente que com isso o movimento modernista tinha morrido, tinha acabado; mas, na verdade, ele continuou se desenvolvendo, e, durante o pontificado de Pio XII, aconteceu uma coisa que parecia paradoxal. Por um lado, a Igreja Católica estava num dos seus grandes momentos, inclusive politicamente: vários países da Europa eram governados pela democracia cristã, como por exemplo a Alemanha e a Itália, que eram partidos surgidos diretamente de uma inspiração católica; quando chega ao jubileu, em 1950, o sucesso e autoridade da Igreja Católica havia alcançado uma dimensão como talvez nunca antes na história tivesse; também, durante a primeira metade do século XX houve um florescimento enorme da vida intelectual católica, inspirado sobretudo pelo apelo de Leão XIII a um retorno às fontes escolásticas, especialmente S. Tomás de Aquino, resultando no movimento neo-escolástico, que foi de uma riqueza extraordinária; além disso, a imprensa católica estava no auge, as editoras católicas estavam num sucesso enorme. Ser por um lado estava tudo bem, por outro a coisa estava por dentro toda corroída pelas idéias modernistas, que, então com o nome de progressistas, continuavam agora circulando ali dentro.
Quando se convocou o Concílio Vaticano II, em 1959, a idéia inicial foi que, ao invés de o Papa formular o temário a ser discutido, pedisse-se aos bispos que dessem sugestões de tópicos que achassem importantes para uma reforma da Igreja. Este episódio não deixou de evocar um antecedente importante que foram os cadernos de queixas, que o próprio rei da França solicitou a todas as autoridades regionais da França por ocasião da convocação dos Estados Gerais, e não faltou quem aí dissesse: "Esses são os Estados Gerais da Igreja, isso vai resultar numa revolução." Como o Concílio Vaticano I, realizado no começo do século, havia deixado alguns tópicos em aberto, durante todo o pontificado de Pio XII e também de alguns de seus antecessores houve a discussão quanto a se dever convocar novamente aquele concílio, fazer uma espécie de prosseguimento dele, uma continuação. Alguns achavam que sim, que era muito importante justamente para conseguir definições doutrinais claras que terminassem com a agitação modernista, outros também achavam importante, mas justamente porque queriam fomentar essa agitação, e alguns, muito poucos, na verdade, tiveram a lucidez para antever o que iria acontecer. Um deles foi o cardeal francês Louis Billot, que disse que um concílio só iria servir para os inimigos da Igreja, que tudo o que era anti-católico iria explodir ali dentro e que então não era hora de convocá-lo.
Observem que concílios são extremamente raros na história da Igreja e geralmente só se convocam quando há alguma dúvida doutrinal séria. Quando se convocou o Concílio Vaticano II, a idéia inicial foi a de não tocar em assuntos de matéria doutrinal: seria um concílio pastoral --- pastoral é a atividade direta do clero perante os leigos: a atividade dos pastores, por assim dizer. Essa atividade pastoral deveria, no pensamento de João XXIII, sofrer uma reforma/renovação muito grande e criar novos meios de contato, uma nova linguagem mais apta a atingir círculos mais amplos da população. Então seria basicamente um concílio sobre técnicas pastorais: só sobre a comunicação da Igreja com o povo e não um concílio de ordem doutrinal.
Acontece que isso é uma espécie de contradição em termos. Concílios, por definição, são para discutir questões doutrinais, reunir coletivamente o dogma. Embora o encarregado da definição final do dogma seja sempre o Papa, a finalidade dos concílios é levantar os problemas, discuti-los, equacioná-los e entregar-lhes para que ele dê uma solução final.
[0:10] As dimensões da agitação modernista na Igreja na primeira metade do século XX são avassaladoras. Praticamente todo mundo foi contaminado. E é incrível que, ao mesmo tempo em que aquele pessoal que circundava o Papa acreditava, ao menos oficialmente, que o modernismo já não era mais problema, que já tinha sido impugnado e derrotado, a coisa expandia-se a olhos vistos; e aconteceu ali exatamente como aconteceu com o comunismo nos anos 90: como todo mundo acreditou que o bicho estava morto, ninguém fez mais nenhum esforço para matá-lo ou reprimi-lo, então a coisa cresceu impunemente.
Nesse ínterim, pouquíssimas autoridades ou pensadores católicos fizeram alguma coisa para combater o modernismo. Eu não li tudo isso, mas, sobretudo, alguns autores importantes foram o Garrigou-Lagrange, que é um grande teólogo da Igreja; no Brasil, o nosso Plínio Correia de Oliveira com o livro A Revolução e a Contra-Revolução; cinco ou seis autores espalhados pelo mundo. Eu notava que --- para ter certeza do que eu vou dizer agora eu precisaria ter lido tudo; não li todo o material, mas li bastante --- o que estes autores tradicionalistas faziam era opor-se ao modernismo desde fora. Eles se colocavam dentro do ponto de vista da doutrina tradicional da Igreja e assinalavam os pontos em que as idéias modernistas iam contra aquilo, e com isso já consideravam o negócio impugnado. Eu não vi em parte alguma a tentativa de se discutir internamente as idéias modernistas, o que é na verdade uma coisa muito difícil de fazer porque essas idéias são muito variadas --- havia ali correntes nietzschianas, marxistas, e, atualmente, descontrucionistas. O que eu vi foi que essa reação tradicionalista foi sempre de ordem externa, não entrava na discussão das doutrinas modernistas em si mesmas, apenas confrontava-as com a doutrina tradicional da Igreja e as impugnava; na verdade, denunciava-as. Nietzsche dizia, muito corretamente: "Você só derrota aquilo que você substitui"; se não se coloca nada no lugar, a própria ausência preenche uma lacuna; até a falta de algo ocupa um lugar. Eu não acredito que tenha havido até hoje um exame em profundidade das doutrinas modernistas, embora tenha havido, fora do contexto da Igreja Católica, um conjunto interessante de exames das fontes filosóficas, com Ernest Renan, o próprio Nietzsche ou Karl Marx. Esses autores ou filósofos foram examinados, mas fora da discussão católica. A situação é que as teses modernistas foram rejeitadas pela Igreja, mas não foram destruídas desde dentro; e esta é a situação que ainda existe hoje.
Não existe nenhuma maneira de examinar criticamente uma doutrina sem que você explique para si mesmo o porquê de ela ter vindo a existir --- de onde surgiu e a que necessidade real ou imaginária atende, ou seja, a que tipo de clamor está respondendo --- porque uma coisa que é absolutamente desnecessária dificilmente surge ou prospera. Se aparece uma corrente de idéias e ela faz algum sucesso, é porque responde a alguma expectativa que existia antes dela. Então, primeiro, [cumpre questionar] por que surgem as doutrinas modernistas e a que necessidades elas atendem; segundo, como se poderia atender a essas necessidades de uma maneira maior, que as transcendesse, engolisse e, portanto, neutralizasse?
Eu tenho a impressão de que nada disso foi feito até agora. Uma coisa que confirma a minha suposição é o livro recente do historiador italiano Roberto de Mattei, Il Concílio Vaticano II, una historia mai scritta (O Concílio Vaticano II, uma história jamais escrita). Este livro é absolutamente notável, fantástico. Tem tudo nele, ele conseguiu pegar tudo. E sobretudo, ele é uma história cultural do Concílio Vaticano II que rastreia as correntes de idéia que foram aparecer lá dentro. É o livro mais atualizado que existe a respeito. Mas procurando nele vocês não vão encontrar nenhum ponto onde as idéias modernistas tenham sido examinadas em si mesmas, ou seja, não a partir da doutrina tradicional da Igreja, mas com base num exame puramente filosófico da sua consistência interna, dos seus objetivos, do modo que elas se desenvolvem e das respostas que elas oferecem.
O exame filosófico crítico não foi feito. E não foi feito sobretudo porque havia este triunfalismo ingênuo de se acreditar que aquilo não era mais problema. Ao mesmo tempo em que viam a agitação modernista crescendo dentro da Igreja, não a levavam a sério porque diziam: "Não, o Papa já proibiu tudo isso, já mandou-os calar a boca.", aí confundindo um juízo de valor com um juízo de fato. Não é porque uma coisa não presta que ela não exista ou que ela não esteja crescendo. Também, por outro lado, eu não vejo que ninguém da ala mais tradicionalista da Igreja tenha respondido eficazmente às necessidades às quais essas correntes modernistas respondiam. E a incapacidade da autoridade dos tradicionalistas para lidar com esse problema foi justamente o que explodiu no Concílio Vaticano II, onde a ala progressista teve uma vitória arrasadora: tapou a boca de todo mundo, passou por cima de todos como um trator e impôs as suas teses.
Hoje, decorridos sessenta anos, mais de meio século, nós sabemos que essas mudanças introduzidas no Concílio Vaticano II foram desastrosas: provocaram a fuga generalizada dos fiéis, a perda da autoridade da Igreja, que culmina hoje numa campanha anti-católica mundial de uma violência como jamais se viu. Houve campanhas anti-católicas anteriormente, mas localizadas: uma na França, outra no México, às vezes de uma violência comparável à que nós vemos hoje, mas sempre em escala local. Hoje é um negócio mundial. Aparentemente a mídia inteira, o movimento editorial inteiro e inclusive manifestando uma total falta de respeito; até dez anos atrás não se falava do Papa ou da Igreja tão livremente quanto se fala hoje. Hoje se fala do Papa como se fosse um Zé Mané. Isso que era um hábito exclusivo de certos círculos esquerdistas, generalizou-se e tomou de assalto a grande mídia.
É o que disse outro grande historiador, Michael Davies, que escreveu A Revolução Litúrgica, em três volumes, que é também uma obra-prima, e depois escreveu outro livro chamado O Cavalo de Tróia na Igreja, onde ele mostra que, independentemente da posição, os fatos são os fatos; e os fatos demonstram que o Concílio Vaticano II praticamente destruiu a Igreja, algo que não temos como negar. [0:20] É claro que, quando isso acontece, é natural que os grupos tradicionalistas, que são apegados à doutrina tradicional da Igreja, fechem-se numa espécie de resistência rancorosa. A gente observa que todos os círculos católicos tradicionais sentem-se traídos, sentem que a Igreja foi aviltada, e ainda estão, por assim dizer, com a emoção do escândalo. Mas o escândalo não é a atitude intelectual mais propícia a entender o que aconteceu e muito menos a libertá-lo do problema. A experiência me diz que enquanto está doendo não se consegue livrar-se do problema. Tem-se primeiro primeiro de dessensibilizar-se, criar uma distância suficiente para que se possa tratar do assunto com a frieza de um combatente profissional que não odeia, nem teme a seu inimigo e nem está revoltado com ele, mas decide: "Vamos tomar uma providência e acabar logo com essa brincadeira." O que me parece urgente é o exame destas idéias modernistas internamente.
E notem bem que atitudes que foram inauguradas por esse movimento modernista no século XIX disseminaram-se de tal modo no meio universitário e no meio intelectual de modo geral, que hoje são tidas como verdades incontestáveis. Quando lê-se o livro de David Bohm, A Totalidade e a Ordem, a idéia de uma "concepção dinâmica" do universo e da realidade como um todo é apresentada como se fosse uma necessidade óbvia e inquestionável ao ponto de que a própria idéia de ser, segundo o autor, tenha de ser substituída pela idéia de "sendo". Ou seja, não há mais o ser eterno e imutável, mas apenas o ser no seu desenvolvimento temporal. A dimensão temporal é elevada à condição de uma espécie de cúpula abrangente na qual entra toda a realidade. A própria idéia de Deus: Deus aparece aí sob uma figura mais ou menos hegeliana, o espírito que se encarna e se realiza na história e que, de fato, não tem outra existência a não ser a da sua existência histórico-temporal.
Diz Hegel --- esta é para mim a frase central, o coração da doutrina de Hegel: --- que o ser na sua generalidade abstrata é totalmente vazio, ele não é nada. Conclusão: ele só adquirirá alguma consistência mediante a sua auto-realização no tempo. Isso é o mesmo que dizer que um deus eterno é apenas um conceito abstrato, ele não existe em si mesmo, ele só adquire existência no seu desenvolvimento temporal. Eu creio que escrevi algo a respeito no Jardim das Aflições, onde eu mostro que Hegel está confundindo a perspectiva gnosiológica com a perspectiva ontológica. O conceito de ser é, logicamente falando, o mais geral e, portanto, o mais vazio, porque não tem caracteres definidores, caracteres que o distingam. Mas isso é do ponto de vista lógico, o que não quer dizer que considerado ontologicamente o ser não seja nada, porque aquilo que aquilo que fosse um nada não poderia realizar-se na história. Portanto a frase de Hegel é absolutamente auto-contraditória. É um nada que no curso da história se transforma em alguma coisa. Isso é um completo nonsense. A filosofia de Hegel é muito interessante, muito rica, e revela um gênio filosófico extraordinário, mas ela toda funda-se naquela frase, e aquela frase é auto-contraditória, é absurda.
Quando dizemos que o conceito do ser é o mais genérico, e portanto o mais vazio, isso quer dizer que nós não podemos atribuir ao ser nenhum traço definidor específico pelo qual possamos reconhecê-lo, porque tudo é ser e, portanto, ele não se distingue por isso ou por aquilo. E, consequentemente, de certo modo o conceito de ser torna-se para nós impensável; quer dizer, o conceito de ser torna-se vazio na nossa mente. Ora, mas aquilo que contém tudo não pode ser vazio em si mesmo. Digamos que o conceito de ser seja o mesmo que o conceito de tudo. Tudo que existe é um ser, portanto eu não posso dizer que um ser é especificamente isso ou aquilo, então o conceito de ser torna-se, em minha mente, vazio, precisamente porque, do ponto de vista ontológico --- do ponto de vista de sua consistência objetiva ---, ele é tudo. Portanto, justamente por ser tudo ele não pode ser pensado logicamente; na dimensão lógica, ou até na dimensão gnosiológica, ele torna-se para nós um nada.
Ora, se vocês examinarem direitinho, vocês verão que essa característica do ser é compartilhada com qualquer ente individual pertencente à espécie humana. Um ser humano pode ser pensado? Não, ele só pode ser pensado sob partes ou aspectos, assim como o ser. Se eu estou pensando numa montanha, ou no Estado brasileiro, eles são aspectos do ser, mas são apenas aspectos parcelares; eles não são o ser. Procurem se lembrar de alguma pessoa que vocês conheçam bem, da qual vocês gostem, e tentem defini-la. Vocês só conseguirão lembrar-se de aspectos parciais. Vocês não conseguem pensar na pessoa como um todo, nunca; no entanto vocês conhecem a pessoa. A simples experiência da convivência humana nos ensina que existem entes que são cognoscíveis mas não são pensáveis, porque se fossem pensáveis eles se reduziriam a conteúdos da nossa consciência.
Tome-se como exemplo o conceito de uma figura geométrica, que é constituída de traços perfeitamente definidos e que, na verdade, só existe no pensamento: o conceito de quadrado ou de triângulo, digamos. O quadrado geométrico é pensado como um todo porque ele não contém nada mais além da sua definição geométrica. Para esta definição é indiferente a matéria de que vai se constituir o quadrado ou o triângulo: se é de papel, de madeira, de cartolina, etc., não interessa. Isso quer dizer que a figura geométrica pode ser pensada como um todo, porque tudo que existe nela está contido na sua definição e mais nada.
Porém, qualquer ente real --- eu dou o exemplo da espécie humana, mas isso pode ser aplicado a outros entes também --- pode ser conhecido individualmente, mas ele só pode ser pensado ou como espécie (por exemplo, você sabe que a pessoa é um ser humano) ou individualmente. Se tentarem pensar-lhe individualmente, vocês só vão pensar em aspectos. Por exemplo, façam uma imagem da pessoa: na imagem que aparece na sua memória a pessoa estará com alguma idade, geralmente a idade que ela tem agora. Ou, se é uma pessoa morta, a última idade com que vocês a viram. Mas ela só teve esta idade? Todo mundo nasceu bebê, depois virou adulto, depois ficou velho e depois morreu. Vocês não podem pensar numa pessoa com todas as idades que a compõem. Isso demonstra que vocês a conhecem imperfeitamente. Tanto é assim que que vocês reconhecem-na de novo e de novo cada vez que a vêem ou cada vez que pensam nela; então vocês não podem dizer que se trata de uma desconhecida, e, no entanto, esta pessoa é [0:30] impensável. Vocês só podem pensar-lhe com aspectos abstrativos. Por exemplo, se vocês separam uma idade das outras idades e lembram-se da pessoa com essa idade. Toda vez que vocês se lembrarem dessa pessoa ela estará numa determinada posição do espaço: de pé, sentada, deitada, falando, quieta; mas ela não pode estar fazendo tudo isso ao mesmo tempo. E, no entanto, ao longo de sua vida ela fez tudo isso. E, se não tivesse feito tudo isso, não existiria realmente; existiria só como conceito abstrato.
O ser de modo geral não é mais vazio do que o conceito que temos de qualquer pessoa que conhecemos. Isso quer dizer que o ser pode ser conhecido e reconhecido mas não pode ser pensado. Quando se tenta pensá-lo, o conceito se torna vazio. Isto é uma realidade do ponto de vista gnosiológico, mas isto se passa na nossa mente. Isto diz respeito ao nosso modo de conhecê-lo e não à sua consistência objetiva. Não é isso? Então, se nós acabamos de dizer que o ser é tudo, mas, ao pensá-lo, nós só conseguimos pensá-lo como um nada, evidentemente isso não é uma deficiência de substância do próprio ser, mas uma dificuldade de pensamento que nós temos. É uma dificuldade inerente ao nosso modo de conhecê-lo. O que Hegel faz é tomar o nosso modo de conhecer o ser como se fosse algo que diz respeito à própria substância objetiva do ser. É uma confusão do ponto de vista gnosiológico e ontológico. É um erro tão, tão, tão primário que a gente fica besta de ver como um filosofo hábil como Hegel caiu nessa. E a única resposta possível é a do Eric Voegelin, que afirma que o objetivo de Hegel não era criar uma filosofia, mas criar um imenso sistema de bruxaria. Ele queria enfeitiçar o leitor num conjunto de impressões altamente verossímeis e altamente persuasivas que o forçassem a aceitar a concepção hegeliana da história, mesmo a contragosto e mesmo contrariando o seu próprio instinto lógico.
Isso tudo porque a premissa fundamental está, por assim dizer, escondida. E esta premissa fundamental é: "o ser é o nada". Ele só se transforma em alguma coisa no tempo. Portanto a noção de ser eterno desaparece. Mas se o ser eterno é o nada, como é que o nada poderia criar algo no tempo? Do nada, nada provém. No entanto, havendo essa confusão dos dois planos --- do plano gnosiológico e do ontológico ---, de fato fica parecendo que o nada gerou alguma coisa. E, depois que se entrou nessa dialética do nada que está gerando alguma coisa, o negócio torna-se tão rico e tão encantador que parece que é realmente assim. Acontece que essa noção hegeliana --- que, por assim dizer, diviniza o tempo --- espalhou-se de tal modo no século XIX (e continua se espalhando até hoje), que as pessoas aceitam isso como uma espécie de premissa não discutida. Se vocês pegam essa premissa do fundo e mostram que ela está ali e que tudo depende dela, perecebe-se que o edifício inteiro é um sistema de enganos, um sistema de erros; mas, como em geral o interesse, a atenção, vai para o edifício em si e não para as suas premissas fundantes, a premissa absurda fica lá escondida e bem protegida por baixo e por trás de toda a riqueza e complexidade do sistema.
Isso acontece em Hegel, mas acontece numa infinidade de correntes de pensamento que, justamente por isto, são as que mais atraem a atenção das pessoas e que mais tem poder hipnótico sobre as pessoas, porque, por um lado, os detalhes de construção do sistema --- como, por exemplo, no próprio descontrucionismo, estruturalismo, ou historicismo etc. --- são enormemente ricos e coincidem com os detalhes da experiência em numeráveis pontos; e, por outro lado, existe sempre, para o individuo que não percebeu qual é a premissa fundante, o fascínio do mistério. O indivíduo sabe que há um mistério ali, só não sabe qual é; e, já que está fascinado com o mistério, continua interessado naquilo e continua absorvendo novos capítulos do sistema até o ponto em que está totalmente envolvido nele e é incapaz de pensar fora dele. Mas a sensação de mistério continua. Qual é o mistério? É a premissa auto-contraditória que está lá no fundo. O indivíduo está sentido que há algo errado ali, mas esse algo errado não lhe aparece como um erro, aparece como um mistério apenas.
Isso acontece notoriamente no marxismo. O marxismo deriva da premissa absurda de Hegel um certo modo absurdo de pensar na formulação das suas demais premissas, como a famosa doutrina do valor. Quando Marx tenta determinar o valor de uma mercadoria pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-lo, ele faz uma confusão similar à de Hegel, confundindo dois planos de abordagem. O valor de uma mercadoria é o valor que ela efetivamente tem no mercado num certo momento; quer dizer, o valor que as pessoas estão dispostas a pagar por ele. A dificuldade maior ou menor de produzi-lo é outra coisa completamente diferente. Marx mistura os dois planos. Tem coisa que não deram trabalho nenhum para produzir. Por exemplo, um sujeito faz um buraco na terra e encontra um diamante. Ele não teve trabalho nenhum para produzir aquilo e, no entanto, aquilo tem um valor extraordinário. Sem contar quando a Madonna fez um leilão de sua calcinha, que foi vendida por U$200.000,00. Qual foi a quantidade de trabalho socialmente necessário para produzir a calcinha da Madonna? Nada, é um elemento puramente psicológico e imaginário. Ela teve muito trabalho para usar a calcinha? O processo de criação do valor da mercadoria não tem nada a haver com o processo de produção da mercadoria. Quando Marx junta as duas coisas, ele está fazendo a mesma coisa que o Hegel faz quando confunde o aspecto gnosiológico com o aspecto ontológico. Ele está confundindo o ponto de vista objetivo com o ponto de vista subjetivo. O valor da mercadoria é evidentemente subjetivo: é quanto as pessoas estão dispostas a pagar por aquilo. O que fará com que as pessoas queiram pagar algo por uma mercadoria é absolutamente imprevisível. Depende de tantos fatores diferentes que não há possibilidade de reduzi-los a uma teoria.
Uma teoria do valor não pode existir. Por que as pessoas querem o que querem? A resposta é: "porque elas querem", e é totalmente subjetiva, ao passo que o processo de produção é estritamente objetivo e mensurável. Vocês sabe que tipo de trabalho precisam para produzir aquilo, quantas horas de trabalho precisam, quanto aquilo vai custar, qual é o valor da matéria prima: tudo isso é perfeitamente quantificável. Agora, depois que vocês sabe perfeitamente quanto lhes custou a mercadoria, vocês não sabe quanto as pessoas vão querer pagar por ela. Freqüentemente não querem pagar nada. Por exemplo, o carro elétrico que estão fazendo aqui: deu um trabalho miserável, custou anos de pesquisa, foi um investimento monstro. Quanto as pessoas querem pagar? Nada. Ninguém quer carro elétrico. Aí você vê que uma coisa não pode ter relação nenhuma com a outra. Se existisse esta relação, se o valor da mercadoria fosse objetivamente correspondente à quantidade de trabalho para produzi-lo, simplesmente não haveria mercado. [0:40] As coisas teriam um preço fixo dependente do seu valor de produção. O que significa também que o preço das coisas não poderia variar de acordo com o tempo. Por exemplo, se vocês compram um carro que acabou de sair da fábrica, vocêm estão disposto a pagar x; mas se vocês querem comprar um carro que tenha vinte anos de idade, vocês não vão pagar tudo aquilo; no entanto o valor investido na produção é o mesmo: a produção custou tanto em 1980 e custaria mais ou menos a mesma coisa agora. O tempo decorrido no uso da mercadoria é um dos fatores fundamentais para a criação do seu valor, porque uns objetos perdem valor e outros ganham. Um automóvel perde, mas uma garrafa de vinho ganha. Canetas de colecionador, das quais eu sou comprador tarado, quanto mais velhas, mais caras --- às vezes eu compro um negócio aqui que está caindo aos pedaços e digo quanto paguei e as pessoas acham que eu estou louco; não, só o colecionador sabe quanto aquilo vale. Esta avaliação seria impossível se a teoria do valor de Karl Marx estivesse certa.
Assim como essas, existem muitas outras confusões do mesmo gênero. A confusão que faz David Bohm no livro A Totalidade e a Ordem Integrada é do mesmo tipo, como quando ele diz que todos os objetos mudam no tempo --- que não pode haver um conceito estático destes seres ---, ele esquece que o conceito de um ser não é nem estático, nem dinâmico. Estático e dinâmico são dois conceitos que se referem ao tempo. No tempo as coisas podem ser estáticas ou dinâmicas; consideradas fora do tempo, elas não são nem estáticas, nem dinâmicas. Ela nem fica como está e nem muda; isso porque o conceito abstrato é independente da permanência ou mudança dos seus caracteres. Por exemplo, o conceito de vaca é estático ou dinâmico? A vaca pode ser estática ou dinâmica, ela pode estar parada ou andando; ou pode-se encará-la num momento estático, por exemplo, numa foto, ou podem-se considerar todas as suas transformações desde que ela nasceu, cresceu e morreu: variações que só fazem sentido no tempo. Mas o conceito de vaca permanece o mesmo nos dois casos: seja a vaca estática ou dinâmica, o seu conceito é o mesmo. Ou seja, Bohm está confundindo a dimensão dos conceitos puros com a dimensão temporal de estático e dinâmico. É um erro do mesmo tipo do de Karl Marx, com a teoria com o valor, e do de Hegel, quando diz que o ser é o nada quando considerado fora do tempo.
Esse tipo de erro fundamental está presente em todas as correntes relativistas, historicistas, marxistas, descontrucionistas, estruturalistas, etc.; todas elas. Isso reflete uma deficiência da inteligência humana, uma deficiência grave, a perda da dimensão daquilo que Edmund Husserl chamava de lógica pura, e reflete uma contaminação geral por aquilo que ele chamava de psicologismo. Eu dediquei um ano inteiro de curso à explicação de alguns capítulos d'As Investigações Lógicas, escritas mais ou menos em 1910, em que Husserl fazia a crítica do psicologismo, que estava no auge. Que é o psicologismo? É a doutrina que explica as relações lógicas como sendo leis da mente humana, leis do pensamento humano, e, portanto, reduzindo as relações lógicas a operações da mente, reduzindo-as, portanto, a fatos de ordem psicológica. Isso acontece notadamente na lógica de John Stuart Mill que fez um sucesso enorme na segunda metade do século passado. Mas está presente um pouco em toda parte. Eu acho que não havia nenhum autor da época, entre a segunda metade do século XIX e a época em que Husserl escreveu As Investigações Lógicas que não estivesse contaminado com um pouco mais ou um pouco menos de psicologismo. Talvez a gente dedique de novo neste curso umas aulas para dar abreviadamente as explicações que eu dei sobre As Investigações Lógicas de Edmund Husserl em 1994, porque elas merecem. Se vocês querem aprender como se contesta uma teoria filosófica, vocês têm de ler a introdução d'As Investigações Lógicas de Husserl. É uma leitura desesperadoramente difícil, porque Husserl usa em tudo um vocabulário técnico, que é específico dele, mas eu a considero a melhor contestação que alguém já fez de alguma coisa, porque, quando você pensa: "Pode parar, porque você já demonstrou que isso é impossível", ele diz: "Não, ainda há outro aspecto possível" e vai esmiuçando, até que chega uma hora em que você fala: "Não, você demonstrou a impossibilidade absoluta do psicologismo". As relações lógicas de ordem psicológica, não são fatos que se dão na nossa mente. O fato de que dois mais dois dê quatro não tem nada a ver com a operação na nossa mente. Se não existisse a nossa mente, seria do mesmo jeito. Ele dizia que as pessoas perderam a noção do que é a lógica em si mesmo, o que ele chamava a lógica pura, que estão confundindo a lógica, as relações internas entre conceitos, com o nosso modo mental de manipulá-los.
Nunca houve uma teoria que fosse tão bem contestada quanto o psicologismo, e, no entanto, o psicologismo está presente até hoje. Eu acho que um dos motivos disso foi o próprio sucesso da escola fenomenológica, porque Edmund Husserl escreveu as suas investigações lógicas --- um trabalho estritamente metodológico e técnico --- antes de criar a fenomenologia. Quando ele cria a fenomenologia, aquilo imediatamente desperta mil correntes filosóficas novas que se desenvolvem a partir de uma inspiração inicial que pegaram em Husserl, mas que tomam direções completamente diferentes de tudo o que Husserl pudesse pretender. Husserl se queixou disso até o fim da vida, de que os seus discípulos estavam fazendo outra coisa usando o nome dele. Isso quer dizer que a crítica de Husserl ao psicologismo ficou soterrada debaixo de todo o sucesso da escola fenomenológica. Embora esse livro tenha sido traduzido no mundo inteiro, eu acho que ninguém se lembrou de examinar essas investigações lógicas independentemente do que Husserl tenha vindo a fazer depois. Suponhamos que Husserl tivesse morrido depois de colocar o ponto final n'As Investigações Lógicas. O livro conserva todo o seu valor e importância em si mesmo e ainda é o grande instrumento de análise crítica de todas essas correntes que se desenvolveram desde então, e sobretudo daquelas que mais influenciaram o modernismo católico.
A minha idéia é exatamente empreender um exame destas doutrinas, tanto no seu aspecto filosófico quanto nas suas possíveis conseqüências teológicas --- que eu não posso aprofundar porque não é da minha área ---, à luz dessa crítica de Husserl ao psicologismo. E quando você vai ver, não sobra pedra sobre pedra. [0:50] Por exemplo, no próprio Jardim da Aflições eu dei outro exemplo de psicologismo, sem dizer que era psicologismo, no caso de Jean Piaget. Ele dá aquele exemplo em que se dá cinco pedrinhas e pede para uma criança contar. Ela diz que são cinco. Ao separar as pedrinhas mais distantes, a criança diz que são seis ou sete. Ela tem idéia de que a coisa aumenta conforme aumentou o espaço ocupado, de onde Jean Piaget conclui que a criança não tem senso de identidade; mas se ela não tivesse senso de identidade ela não poderia cometer esse erro, porque a própria noção de contagem aparece aí sob duas versões: a contagem de unidades discretas aparece confundida a medição de uma distância contínua. O numero de pedrinhas separadas --- uma, duas, três, quatro, cinco --- é uma coisa; a distância que elas ocupam no espaço é outra coisa completamente diferente. Então a criança fez uma confusão. Mas toda a confusão se baseia na unidade do objeto subentendido. Em ambos os casos ela está falando de pedrinhas. Então como ela não tem a noção de identidade? Se ela não a tivesse, ela não poderia identificar a continuidade das pedrinhas conforme elas se coloquem juntas ou separadas. Ela sabe que ainda são as mesmas pedrinhas; só aumentou o seu número. Piaget está confundido o subjetivo como objetivo. Ele está confundindo um erro que a criança comete com a noção de identidade que está subentendida nos dois casos --- leiam no Jardim da Aflições, onde isso está explicado de maneira mais detalhada.
Erros desse tipo existem em toda parte, e refletem, como eu disse, uma deficiência da inteligência humana; uma espécie de confusão permanente a que todos nós estamos sujeitos, que é a confusão da substância de um ser e a sua forma de apresentação para nós, ou, como diria Aristóteles, a confusão entre a ordem do ser e a ordem do conhecer. Se vocês pegarem direitinho isto aqui, vocês exorcizarão de uma só penada milhares de erros possíveis que circulam na nossa cultura e nunca mais estarão sujeitos a cometer estes erros.
Um erro do mesmo tipo é o da chamada estética da recepção, que diz que um texto, uma obra de arte literária, nada significa em si mesma, porque o seu significado é construído pela recepção que ela teve, ou seja, pelo modo como os leitores a leram. Cada um entendeu de um jeito, então esta variedade de acepções ou significados é o único significado constante. Mas se não existisse um significado nuclear sob estas variações, elas seriam variações do quê? Isso quer dizer que se a obra não tem nenhum significado em si mesmo, então não poderia ter nenhum significado para os outros, ainda que o significado em si mesmo seja inapreensível como tal, porque com ele acontece a mesma coisa que acontece com o ser, ou as pessoas que você conhece: são cognoscíveis, mas não são pensáveis. Na hora que o indivíduo tem acesso a esse significado nuclear e constante, ele o apreende como um todo, mas só na experiência; na hora em que se vai pensar naquilo é que introduz-se uma variação, porque destaca-se um aspecto ou outro, ou outro, etc. Se vocês pensarem bem, todo objeto de experiência, na verdade, se existe na experiência, é em si mesmo cognoscível, mas só é pensável abstrativamente, e portanto pensável sob certos aspectos que não o resumem de maneira alguma. Isso é fundamental, em tudo o que eu estou ensinando há anos isto é absolutamente fundamental: a experiência real e direta do mundo predomina sobre qualquer elaboração intelectual posterior. Ela predomina sobre a linguagem, sobre filosofia, sobre as artes, sobre a própria religião; ou seja, a realidade que se oferece a nós na experiência real tem o primado acima de tudo. Agora, tão logo um certo corpo de conhecimento sobre um assunto adquira certa consistência, começa-se a prestar atenção nesse corpo de conhecimento e não na realidade na qual ele se originou. E raramente retorna-se àquela realidade de experiência, à qual só se tem acesso na vivência direta e que em si mesma não pode ser pensada. É natural do ser humano a tendência de só lembrar-se do que é pensável, portanto daquilo que imagina dominar com o seu intelecto, ao passo que a realidade como tal não dominada jamais pelo intelecto, e é nela que estamos. Outro erro do mesmo tipo.
Esta deficiência da confusão do objetivo e do subjetivo, da ordem do ser e da ordem do conhecer, se tornou epidêmica. Por exemplo, quando a lingüística moderna considera as línguas como se fossem sistemas. Ora, uma língua só pode ser sistema a partir do momento em que se tenha sistematizado-a. Ou seja, tendo-se formulado as regras que estão por baixo do uso daquela língua, ali ela parece um sistema, mas no seu uso real nenhuma língua é sistema, toda língua está sempre em aberto, porque introduzem-se palavras de outras línguas e se introduz a referência permanente a objetos que não são palavras, que não são signos. Se retirar-se o mundo, não existe língua. Ou seja, uma língua nunca pode ser um sistema em si mesmo, ela pode tender a constituir-se em sistema sem jamais chegar a sê-lo. Ela tende a se organizar e a se fechar, mas continuamente vêm aportes novos da realidade ilimitada em torno que a dissolvem e a modificam. Fernand de Saussure e outros fundadores da lingüística moderna estão confundindo a realidade da língua na experiência com o nosso modo de conhecê-la. Nós a conhecemos como sistema, na nossa mente ela se torna um sistema. Mas e no seu uso? É possível conceber um uso real da língua o tempo todo sem referência a objetos que não são signos daquela língua? Objetos que existem num mundo físico, num mundo imaginário etc.? Não é possível. Se você suprimir os objetos, a língua some. Considerado linguisticamente, na acepção de Saussure, o significado de uma palavra é apenas a diferença entre ela e todas as outras, mas uma língua assim concebida pode funcionar na realidade? O indivíduo entra numa mercearia e pede uma salsicha, e o sujeito, ao invés de lhe dar uma salsicha, simplesmente dá a diferença entre a salsicha e todos os objetos ali presentes. O indivíduo embrulha a diferença, leva-a para casa e a come. Isto é possível? É claro que não. Isso quer dizer que o significado de uma palavra só pode ser resumido à diferença entre ela e todas as outras na perspectiva da língua como sistema, ou seja, da língua abstrata criada pelos gramáticos e lingüísticos, não da língua como é usada no dia a dia. É claro que, depois que você sistematizou a língua, é lindo você observar ali propriedades estruturais etc., só que tudo isso só existe porque existe algo que não é língua: existe algo chamado mundo.
Era a este primado da realidade que Husserl se referia com a expressão lebenswelt, mundo da vida, que é o mundo da experiência pré-conceitual, ou anteconceitual, em cima do qual se erige o mundo dos conceitos. [1:00] Acontece que o próprio mundo dos conceitos faz parte do mundo da vida também. Ou seja, a troca que nós fazemos de conceitos é uma coisa que se dá no puro mundo das abstrações ou no mundo real? Por exemplo, numa discussão filosófica, eu falando, digamos, com o Sr. Júlio Lemos: nós estamos usando conceitos filosóficos, mas onde o fazemos? Estamos em lugares efetivos do espaço: eu estou aqui, ele está em São Paulo; temos uma existência biológica, se não tivéssemos não poderíamos estar discutindo. Isso significa que essa troca de conceitos dá-se dentro de um contexto que não é conceito, que é o mundo da experiência. Quando São Tomás de Aquino dizia: "Nós falamos com palavras, mas Deus fala com palavras e coisas", é isso que ele queria dizer: que o mundo da realidade é o discurso divino dentro do qual se desenrola o discurso humano.
Mais ainda, este é um ponto que todos estes exames filológicos dos textos da Bíblia esquecem: o próprio texto da Bíblia não é uma totalidade fechada, mas ele se reporta a coisas do mundo real. Ele fala de carneiro, ele fala de pão, ele fala de vinho, ele fala de montanha, ele fala de jumento, ele fala do imperador etc.. Mais ainda: ele fala das relações reais entre o homem e Deus e essas relações reais não teriam como ser resumidas dentro de um texto, mesmo que seja o texto da Bíblia. Mesmo o texto divino não pode conter tudo. Deus poderia fazer um texto em que Ele dissesse tudo? Ele talvez pudesse, mas Ele teria apenas um leitor que seria Ele mesmo. Nós não poderíamos ler este texto. Se você pensar bem, o texto divino que diz todas as coisas é o Logos divino, a inteligência divina. Todas as coisas estão escritas, definidas, explicadas, contadas pesadas e medidas no Logos divino. E que é o Logos divino? É Jesus Cristo. Isso quer dizer que nós temos acesso ao Logos divino ou pela sua presença física, ou por sua ação efetiva ou por algumas de suas palavras selecionadas, palavras que somadas não dão vinte páginas; e o próprio texto diz que Jesus Cristo falou tantas outras coisas que seria preciso escrever textos infinitos para dizê-las. Nós só temos acesso ao Logos divino por esses três meios. Isso quer dizer que o texto do evangelho surge da experiência real, que foi vivida pelos apóstolos e pelos outros seguidores de Jesus Cristo nos quarenta anos que decorreram desde o início dos ensinamentos de Jesus até a redação dos evangelhos, ou seja, este é um tecido de experiências reais humanas. Deste tecido de experiências reais surge um pedacinho escrito, que é o evangelho. Esses quarenta anos decorridos são a história da Igreja, e o evangelho surge como um capítulo da história da Igreja. Isto quer dizer que este texto só faz sentido dentro da história, da recordação e da memória das experiências reais transcorridas entre seres humanos de geração em geração, incluindo comunicações extremamente difíceis de pessoa a pessoa e da pessoa com Deus.
Agora, se depois de tudo isso o indivíduo pega só o texto para examiná-lo filologicamente e ver no que dá, o texto que está examinando só existirá abstratamente falando, porque se está considerando o texto como texto; mas esse texto não existe fora da história da Igreja, e, portanto, fora da interpretação tradicional. A idéia de impugnar a interpretação tradicional através do exame do texto é auto-contraditória. Em primeiro lugar: esse texto nasceu da interpretação tradicional. A interpretação tradicional já existia antes dele, e ele aparece como uma expressão parcial e imperfeita desta experiência já vivida por duas gerações de cristãos desde o início do ensinamento de Cristo até a redação do evangelho. Portanto esse texto não tem esta autonomia que os filólogos e modernistas imaginaram enxergar. E ele não tem independência em relação a esta interpretação tradicional, porque a interpretação tradicional é experiência humana acumulada; e mesmo a expressão falada e escrita desta interpretação tradicional é também imperfeita; ela tem de continuar, ela não é completa e não vai ser completa nunca porque a única realidade em tudo isso e a experiência viva da vida cristã ao longo dos tempos. Que é o texto no meio disso? É um nada, é um pequeno detalhe no conjunto da história. Portanto, se eu quero entender aquele texto, eu tenho não de examiná-lo em si mesmo, como objeto filológico, mas de participar da experiência cristã tradicional, absorvê-la e daí entender o texto à luz dela; e não ao contrário. Este foi o problema de todos esses movimentos modernistas que continuam aí. É claro que o movimento modernista começou com um erro de alto porte, como esse de que estou falando, mas ao longo do tempo foi se e caindo até chegar no nível do Leonardo Boff e do Frei Betto.
A presunção humana de substituir o mundo dos conceitos à realidade da experiência --- e, portanto, apresentar uma filosofia, uma teoria, uma doutrina abrangente capaz de aprisionar as pessoas ali dentro --- é a mais velha tentação demoníaca que existe, e é, também, uma deficiência permanente do ser humano. Examinar esta questão pode preservar vocês deste engano e lembrar-lhes de sempre e sempre retornar ao mundo da experiência real --- mundo que jamais se abarca intelectualmente: são vocês que estão dentro do mundo e não o mundo que está dentro de vocês. A ordem do mundo real os contém, e estar na verdade é adaptar-se à ordem do mundo real, não expressar linguisticamente uma doutrina acabada e abrangente. Não há uma doutrina acabada e abrangente. A única coisa acabada e abrangente é o universo como tal e o Logos divino. Completo, só Deus completou; o resto é tudo fragmento. E nós não precisamos da ordem total, porque nós estamos dentro dela e não podemos abarcá-la em hipótese alguma. Vamos supor que se chegue à teoria de tudo: uma teoria de tudo será apenas uma teoria e a relação entre a teoria e o seu objeto é sempre ambígua e problemática. Mesmo a teoria geral e definitiva de tudo não seria nem geral, nem definitiva e nem de tudo.
Vamos parar por aqui e daqui a pouco a gente volta.
[Intervalo]
O Tauã Monteiro manda uma mensagem muito longa para ser lida inteira, mas eu vou selecionar só um parágrafo aqui em que ele dá mais um símbolo da miséria brasileira atual. A notícia é sobre uma carreta de papel higiênico que tombou na estrada. Enquanto o motorista passava mal e outro sujeito envolvido no acidente estava com ferimentos que mereciam cuidados, as demais pessoas que passavam pela estrada simplesmente ignoravam o dois cidadãos que precisavam de ajuda e paravam os seus carros para roubar papel higiênico. [1:10] Essa é a mesma história do bolo quilométrico --- vocês devem ter visto no Youtube, onde passa a celebração desse bolo, que é feito em vários países, não sei a propósito de que é ---, em todo lugar as pessoas vão com o seu pratinho, pegam educadamente um pedacinho; mas no Brasil, não: cada um pega uma braçada inteira para colocar dentro de uma bacia e levar para casa, roubando o bolo. É o que diz o Tauã aqui:
Aluno: A impressão que tenho é que o brasileiro esqueceu o que é a vida humana. Nós não conseguimos expressar o homem nem no seu sentido mais genérico, agimos como animais a partir dos seus interesses mais baixos e imediatos. Só usamos a nossa inteligência para aquilo que não é sério, para aquilo que não exige de nós algum comprometimento. Digo isso porque uma primeira missão intelectual é introduzir no campo de imaginação do povo brasileiro algo do que é um mínimo que um ser humano pode fazer enquanto tal. Penso que, antes do Brasil de querer ter santos, deveria querer ter gente com um mínimo de sanidade.
Olavo: Mas isso é o óbvio, Tauã. Você tem toda a razão. Eu acho que isso desse pessoal ficar aí esperando perfeições evangélicas das pessoas é um negócio tão utópico e tão fora da realidade... Você tem de introduzir alguns sentimentos elementares mínimos que já foram totalmente perdidos.
Quando se fala em crise da cultura não se refere somente à alta cultura. Quando desaparece a alta cultura, desaparece também o senso de medida e isto vai refletir na vida diária das pessoas mais incultas e simples que existem; estas vão se desumanizar completamente. Não existe um instinto humano que proteja as pessoas contra este tipo de deformidade. Se não há alta cultura, nada protege; ou há a alta cultura, ou a barbárie. Não adianta ter aquela concepção idealizada de que as pessoas simples sempre irão pela normalidade. Não, elas não têm isso aí. Elas têm a capacidade para receber, ecoar de longe, os valores que a alta cultura lhes transmite. Mas se desaparecer a alta cultura, o pessoal de baixo vai barbarizar necessariamente. Isso que as pessoas imaginam que é uma espécie de instinto popular da normalidade, que se conserva ao longo dos tempos, isso foi obra da Igreja Católica nos primeiros séculos da formação da Europa e a coisa repercutiu aqui. E no Brasil isso é resultado da formação jesuíta dada aos índios. Se isso pára, acaba tudo.
No último programa True Outspeak eu comentei aquele negócio do nome dos candidatos. Houve até um sujeito que escreveu uma matéria aqui: "Olha, no Brasil existe um candidato chamado Batman, outro chamado Barack Obama, outro chamado Wolverine". Eles não entendem isso, essa deformação auto-caricatural do Brasil. Eles nunca viram isso. Essa é uma coisa exótica e engraçada quando aparece um nome aqui outro ali; mas quando são milhares, isso expressa realmente uma perda da medida humana. Daqui a pouco todos os crimes serão permitidos e ninguém vai perceber mais nada. Você perde realmente o rosto humano.
Isso está acontecendo no Brasil e isso é responsabilidade exclusiva desta turma que nos governa há trinta anos. Desde a década de 80 há a hegemonia esquerdista. Esta geração, que é a minha geração, é toda constituída de pessoas revoltadas contra todos os valores, contra todos os critérios, contra todas as obrigações. Cada um deles era assim: "Minha vontade é lei!" Eram todos assim e era bonito ser assim. Por que era bonito? Porque na época era uma reação compreensível contra uma situação geral opressiva e autoritária. Enquanto reação exagerada, ela é perfeitamente compreensível. Na hora em que, numa situação exagerada, um aspecto puramente reativo se torna o princípio dominante, ele é muito pior que qualquer opressão totalitária, porque ele é autoritário e opressivo na base --- é opressão generalizada. Esta confusão entre aquilo que é valido como mera reação subjetiva e aquilo que pode ser imposto e repassado a toda a sociedade como princípio dominante é geral no Brasil.
O movimento gaysista, por exemplo. Gaysismo é uma reação inteiramente natural a uma situação de extremo desconforto; só que enquanto reação, é legítimo, mas na hora em que ele pretende se tornar o princípio dominante, então aquele grupo que era "oprimido" --- no Brasil nunca foi muito --- torna-se opressor de todos os outros e não se contenta com isso, porque, evidentemente, já que os chamados direitos que eles alegam ter têm um elemento auto-contraditório, confuso em si mesmo, de modo que, ainda que sejam aplicados, não podem satisfazer, porque não significam nada, é tudo um absurdo. Que é que o casamento gay, por exemplo, pode representar? Eu me lembro daqueles caras que iam num cinema gay em São Paulo, tinha um cinema ali perto do Largo do Arouche, era aquela fila de homens, tudo em volta do quarteirão. Ninguém sabia que filme que estava passando ali; apagavam a luz e sabe-se lá o que acontecia lá dentro. Agora que eles têm direito ao casamento gay, isso vai satisfazê-los? Se menos de quarenta homens por dia não lhes resolviam o problema, agora vai ter um só. São reivindicações inteiramente pueris, auto-contraditórias e que não terminam mais. É uma coisa que enquanto exceção, enquanto reação, é humanamente compreensível; mas na hora em que o mero sintoma se torna ele próprio o princípio ordenador, salve-se quem puder!
Aluno: O senhor poderia fazer alguma consideração sobre a obra do Pe. Stanislav Ladusãns, Os Rumos da Filosofia Atual no Brasil*, e em que medida isso seria impossível nos dias atuais?*
Você mesmo já disse. Hoje em dia não há filósofos em número suficiente para se organizar uma antologia como aquela. Veja que o Pe. Ladusãns nasceu na Estônia e foi mandado para o Brasil pelo próprio Papa João Paulo II, que era amigo de infância dele, com objetivo de introduzir algum catolicismo numa universidade católica --- o que é impossível. Como viu que não dava para fazer, ele fundou outro departamento de filosofia, oficialmente pertencente à PUC, mas fisicamente localizado fora da PUC, em outro edifício. Ali ele realizou um belo trabalho em favor da filosofia no Brasil, entre os quais esta antologia que ninguém tinha feito antes: uma antologia de filósofos brasileiros, cada um apresentando os seus projetos de trabalho, os seus temas fundamentais etc.; foi este homem, que nasceu na Estônia, o primeiro que fez isso no Brasil. Há ali trinta ou mais filósofos, e você vê que entre eles ainda era possível um diálogo; no Brasil hoje já não há. Eu não conheço um autor no Brasil que você possa dizer que é um filosofo no pleno exercício do seu ofício. Têm-se alguns professores de filosofia regularmente competentes, mas nos quais você não vê um esforço filosófico de resposta a uma situação existencial geral. Não, são trabalhos limitados de ordem estritamente profissional.
Aluno: Professor, o senhor acha que a história da ciência é um tema urgente por agora?
Olavo: É urgentíssimo. A discussão de qual é o verdadeiro estatuto epistemológico das ciências dentro do conjunto da cultura em geral é a coisa mais urgente, porque, por um lado, você vê que, cada vez mais, todas as ciências, inclusive as mais avançadas, estão numa crise interna: elas mesmas não sabem qual é o seu estatuto epistemológico correto; por outro lado, você observa, num outro domínio da realidade, a reivindicação de uma autoridade cada vez maior para a classe científica. Quanto menos os caras têm certeza daquilo que estão dizendo, mais eles querem impor aquilo como se fosse verdade absoluta para todo mundo. E um terceiro fator ainda é uma epidemia de fraudes científicas que se tornaram coisa comum hoje em dia. Isso coloca para humanidade problemas que nunca houve antes, totalmente desconhecidos. Uma nova casta profissional que de certo modo camufla a sua incerteza, a sua confusão, por baixo de uma reivindicação de autoridade; se bem que os camaradas que reconhecem e especulam sobre a crise das ciências não são os mesmos que reivindicam autoridade, são pessoas diferentes, mas, como classe, é tudo a mesma coisa. [1:20]
Aluno: Faz algum tempo escolhi como tema de trabalho elucidar as razões pela qual não se inova no Brasil; inovação aqui do ponto de vista técnico ou tecnológico.
Olavo: Bom, faça um experimento: vá aos registros nacionais de patentes e veja lá milhares de equipamentos interessantes que foram patenteados há trinta, quarenta ou cinqüenta anos atrás e que nunca foram consultados. Aqui nos EUA a disputa por novos inventos é briga de foice no escuro: todo mundo quer chegar primeiro; aí no Brasil ninguém quer nem saber. Se um negócio chamado conhecimento não é um valor na vida diária, porque que a inovação vai ser? Mesmo que haja algum interesse comercial na coisa, o sujeito vai atender-lhe pela maneira mais fácil: copiando alguma coisa do exterior. Para que ele vai se preocupar com inovação tecnológica?
Uma sociedade que é contra o conhecimento, é contra o progresso. Ela quer ganhar dinheiro, mas ela imagina que dinheiro é uma força em si, uma espécie de coisa em si: o dinheiro que produz dinheiro, que produz dinheiro etc., quando na verdade a coisa não é assim. O brasileiro tem uma visão dinheirista, uma visão fetichista do dinheiro, não uma visão real do conhecimento e da riqueza como há em qualquer país do mundo. Este desamor ao conhecimento, que, a partir da eleição do Lula, virou ódio ao conhecimento. Embora exista o ódio ao conhecimento, existe por outro lado um amor e um culto aos signos exteriores do conhecimento, que são valorizáveis comercialmente. Não querem o conhecimento, mas querem o diploma, querem um posto de professor ou doutor não sei das quantas. Isso é uma coisa horrível porque é a mesma coisa do pessoal disputando o bolo. É aquele negócio material imediato e mais grosseiro possível. Qual é a diferença entre o sujeito não que não quer conhecimento, mas quer o título de professor ou doutor, e o ladrão de papel higiênico na estrada? É a mesmíssima coisa. E é no meio disso que vocês estão vivendo. Sempre houve esta tendência no Brasil. Ela já está documentada desde o século XIX; pelo menos no começo do século XX, nas obras do Lima Barreto; a coisa já está altamente documentada, só que a coisa se agravou ao ponto da desumanização. Ou esta geração vai parar isso e dizer: "Parou aqui!", ou então você pode contar com a total desumanização da população brasileira que virará um anti-exemplo para o restante da humanidade. Ela já é um anti-exemplo sob muitos aspectos e o Brasil vai ser então, para o restante da humanidade. Um amigo meu que morava aqui nos EUA, quando ia para o Brasil, dizia: "O Brasil é um exemplo de tudo que não se deve fazer." É este que vai ser o papel histórico do Brasil perante a humanidade. Você vai viver dentro de uma caricatura, só que o personagem da piada vai ser você mesmo.
Aluno: Durante as aulas do Curso de Auto-Educação, o senhor disse que no final do curso daria uma pequena lista bibliográfica de obras indicadas mencionadas no curso...
Olavo: Eu de fato não dei. Agüente mais um pouco que eu vou dá-la. Eu estou aqui atrasado em tudo, meu filho. Nós aqui trabalhamos num regime inumano. A escassez de mão de obra aqui é catastrófica.
Aqui tem perguntas mais longas. Eu vou ter de ler e pensar. Eu acho que por hoje nós vamos parar por aqui mesmo. Até semana que vem em muito obrigado.
Transcrição: Eduardo Afonso de Aguiar.
Revisão: Lucas Félix de Oliveira Santana.