Curso Online de Filosofia
Olavo de Carvalho
Aula Nº 168
18 de agosto de 2012
Então, boa noite a todos, sejam bem-vindos.
Hoje tenho vários assuntos na minha pauta, eu não sei se será possível abordar todos eles no espaço dessa aula. São vários tópicos isolados, mas para os quais gostaria de chamar a sua atenção porque são coisas importantes no método, uma concernente ao método filosófico, outro, concernente a análise do atual estado de coisas na cultura do ocidente, do Brasil em particular. Mas eu acho que o primeiro, que diz respeito ao método, é mais importante, de aplicação constante para todas as análises que vocês venham a fazer de qualquer coisa.
É o seguinte: é um consenso universal que um dos itens mais importantes do método científico é a soberania dos "fatos", o respeito aos "fatos" acima de qualquer teoria, suposição, hipótese, preferência etc. Então, os "fatos" são, em ciência, os juízes soberanos; então, importa muito saber o que é um "fato" e, lamentavelmente, eu não abordei esse assunto até agora, simplesmente esqueci, mas já devia ter abordado isso há muito tempo.
Então, a palavra "fato" vem do latim factum, que quer dizer "aquilo que foi feito"; portanto, que já está feito e não pode mais ser desfeito de algum modo. Pode ser alterado em seguida, mas não pode ser desfeito. Então, é evidente que a palavra subentende imediatamente uma referência a espaço e tempo; "fato" é algo que transcorre no tempo. Porém, no Tratactus Logico-Philosophicus, Wittgenstein define "fato" como "a alteração, a mudança de um estado de coisas", mas a definição é evidentemente muito limitada, a alteração de um estado de coisas não poderia ser um "fato" se o próprio estado de coisas já não o fosse, ou seja, se o estado de coisas já não é algo que vem se prolongando no tempo, vamos dizer, inalteradamente, por algum período determinado, período considerável, então não se pode falar de alteração. Não é possível um estado de coisas que apareça e já seja instantaneamente alterado.
Então, podemos entender, podemos definir o "fato" como um estado de coisas ou como a sua alteração. Por exemplo, o "fato" de que uma montanha está no mesmo lugar a milênios, ela é um "fato" em si mesma, assim como seria um "fato" se ela fosse deslocada dali por um terremoto, por uma explosão atômica, ou por qualquer outro fator, por uma catástrofe de proporções cósmicas etc. Tanto a mudança quanto a ausência da mudança, a permanência, são "fatos".
É importantíssimo entender que tanto permanência quanto mudança se referem a tempo; se nós saímos fora da escala de tempo, se pensamos em termos de eternidade, então tanto o conceito de permanência quanto o conceito de mudança cessam de fazer todo sentido. Isso é muito importante porque a imaginação popular e, às vezes, até intelectos supostamente privilegiados, como o do físico David Bohm, confundem eternidade com permanência. Ele diz que muitos conceitos ocidentais foram feitos numa escala de eternidade, portanto de permanência, mas que, na descrição do mundo real nós precisamos levar em conta a mudança --- esse é um raciocínio meio bergsoniano --- e que, portanto nós deveríamos usar, por exemplo, em vez do "ser" deveríamos usar o gerúndio "sendo" e assim por diante. Tudo isso é um besteirol fora do comum, porque os conceitos dos entes, eles não são estáticos e nem dinâmicos.
Um conceito se refere a uma essência abstrata que, em si mesma, nem permanece nem muda. Só aquilo que existe no tempo pode permanecer ou mudar. Então, eu digo, por exemplo, o Himalaia está lá no mesmo lugar há milênios, porque ele existe no tempo. Agora, o conceito do Himalaia, o conceito de montanha, ele nem permanece nem muda, quer dizer, não há referência a tempo. Permanência e mudança são ambos conceitos temporais, então você dizer que um conceito abstrato se refere a permanência, isto é uma bobagem fora do comum. O conceito de um ente é extratemporal e não permanente. Inclusive, o meu amigo João Brito, que nasceu na Índia, disse "olha, na língua sânscrita, a palavra vaca quer dizer animal que se move lentamente". Como seria este "mover-se lentamente" sem movimento? Se fosse um conceito estático, como que a vaca poderia mover-se lentamente? E assim por diante. Há uma série de conceitos que já tem implícito a noção de movimento.
Por exemplo, se você pegar a palavra "velocidade" sem referência a mudança no tempo. Então, eternidade é uma coisa, permanência é outra. Tanto aquilo que é permanente quanto aquilo que é mutável pode ser "fato", desde que observado no espaço e no tempo. A referência a espaço e tempo é absolutamente indispensável quando falamos de "fato". Não vamos discutir o que é a questão da eternidade agora, mas guardem isso na cabeça; eternidade não é permanência, eternidade é uma espécie de supratempo. Na definição de Boécio: "é a posse plena e permanente de todos os seus momentos", momentos transcorridos, momentos por transcorrer e momentos meramente possíveis. Portanto a eternidade não é propriamente um não-tempo, é um supratempo, algo que abrange o tempo na sua totalidade. Mas esse não é o nosso foco de atenção agora.
O que acabo de dizer, "fato" é ou um estado de coisas ou a sua alteração, isto é, o que um "fato" é objetivamente; porém, no uso corrente, às vezes se usa o "fato" definido não pela sua estrutura objetiva, que é a de um estado de coisas ou da mudança de um estado de coisas no espaço-tempo, mas é definido pelo modo de conhecê-lo, definido subjetivamente. Assim, por exemplo, nós encontramos no Dicionário de Filosofia do Nicola Abbagnano, que é um homem de altíssima competência, não podemos negar, ele diz o seguinte: "o "fato" é uma possibilidade objetiva de verificação, constatação, ou averiguação, portanto, de descrição ou previsão". Nesse sentido, o "fato" se distingue daquilo que é mera hipótese, conjectura, pensamento, impressão etc. O "fato", segundo ele, é o que pode ser verificado. Ora, essa definição não se refere ao que o "fato" é, mas ao modo de conhecê-lo.
Ou seja, é aceito como "fato" aquilo que é conhecido de uma certa maneira, independentemente do que ele seja em si mesmo. Isso não é propriamente uma definição, é um critério de reconhecimento. Ou seja, admite-se como "fato", na linguagem corrente, seja na linguagem jornalística, científica etc., aquilo que pode ser verificado, que pode ser confirmado, portanto se distinguindo daquilo que é meramente pensado, fantasiado, imaginado, sentido etc. Mais ainda, ele esclarece que ele está dando esta definição no sentido de que sua verificação e descrição podem ser feitas por todos. Ou seja, "fato" passa a ser definido como aquilo que pode ser verificado por todos nas condições adequadas, não por toda humanidade simultaneamente, mas por aquele conjunto de pessoas que estão expostas ao "fato". Isso não é uma definição, mas é um critério de reconhecimento. Reconhece-se que algo é um "fato" quando pode ser verificado, diz Abbagnano, por todos, nas condições adequadas.
Portanto, o Abbagnano está usando a palavra objetivo, quer dizer, o "fato" objetivo, mas não está descrevendo [0:10] o "fato" pelas suas características objetivas. O que ele denomina como objetivo é mais propriamente designado tecnicamente como intersubjetivo; quer dizer, são várias subjetividades, vários observadores, que confirmam uns aos outros, as suas observações que coincidem. Portanto, na descrição do "fato" que, justamente por essa coincidência dos vários testemunhos, se distingue daquilo que é meramente subjetivo.
Ora, acontece que isto nos coloca um problema terrível. Se, partindo da definição objetiva de "fato", que é a que dei no começo --- um estado de coisas ou a alteração de um estado de coisas, no espaço e no tempo --- então é evidente que tudo que acontece ou tudo que permanece como está é "fato". Então o universo inteiro se compõe de "fatos". Desde logo, o universo e o que exista para além do universo, da eternidade, também se compõe de "fatos", neste sentido. Porém, o fato é que só uma fração ínfima desses "fatos" chegam ao nosso conhecimento. Por exemplo, uma pessoa que você convive todos os dias, dentro do corpo dela está sucedendo "fatos" de ordem fisiológica o tempo todo, e você não vê nenhum. Você não viu a respiração, não viu a digestão, não viu as batidas cardíacas, nada. Isso é uma pessoa que você conviveu a vida inteira, só se um dia for um médico e ele mostrar um raios-X, então você pode talvez observar uma parte, um fragmento, uma fatia pequena daqueles processos fisiológicos.
Você pode negar que esses processos fisiológicos estavam se desenrolando, estavam acontecendo dentro dessa pessoa o tempo todo? Não, pois se eles parassem a pessoa morreria. E estou falando de alguém que está a seu alcance. Imagine agora todos os objetos que tem na sua casa, uma mesa, uma poltrona, um muro. Esses objetos se constituem somente da sua superfície visível? Evidentemente, não. Eles têm uma profundidade, uma espessura, e dentro da espessura tem um conteúdo. Você viu todo o conteúdo de todas as coisas, você destruiu todas as poltronas pra ver se a madeira ocupava todo espaço aparente dela ou se ela estava oca? Não, você nunca fez isso. Mais ainda, você, como todos nós, tem alguns livros que ainda não leu. Você tem certeza que há alguma coisa escrita neles? Nem isto você tem certeza. Você verificou página por página? Pega um livro que você comprou semana passada, que você não leu ainda, você acredita que ele está cheio de palavras, mas você não tem certeza. Então, isso só para dar uma ideia para você de como é diminuto, como é ínfimo, o universo de "fatos" que chegam ao nosso conhecimento em comparação com a totalidade dos "fatos" que compõem o universo.
O universo inteiro são "fatos", desde a escala subatômica até a escala de muitas galáxias, tudo isso são "fatos" - quanto disso nós presenciamos? Quase nada. Mesmo se tomarmos a humanidade como um todo, a espécie humana inteira, quantos "fatos" daquilo que compõe a totalidade do universo a humanidade observou - uma fração mínima. Mesmo porque as pessoas só podem observar as coisas enquanto elas estão vivas. Você conhece alguém que observou algo que se passou antes dela nascer, ou depois dela morrer? Não. Então, mesmo tomando a coisa na escala da humanidade inteira, a fração de "fatos" que chegam ao nosso conhecimento é mínima e, no entanto, sabemos que o universo inteiro está preenchido por estados de coisas e alterações de estados de coisas. Ora, se definimos, no entanto, o "fato" no sentido intersubjetivo, que é o sentido usado nas ciências, nós restringimos ainda esse universo de "fatos" de uma maneira brutal. Então dizemos assim: "quantos "fatos" puderam ser observados por um conjunto de pessoas, nas condições adequadas, de modo a que fossem confirmados?" Você vê que é uma fração infinitesimal, é um quase nada. E, no entanto, toda a nossa concepção "científica" do universo se compõe de conclusões que foram tiradas destes "fatos".
Mas ainda há um problema mais grave. Para que um "fato" seja confirmado por várias pessoas, é necessário que as descrições que essas pessoas oferecem do "fato" coincidam em alguns pontos. Portanto, nenhuma dessas descrições pode abranger o "fato" inteiro, porque só interessa a parte da descrição feita pelo cidadão que vai coincidir com a parte feita por outro cidadão, e por outro cidadão, e por outro cidadão, de maneira que há uma progressiva redução do "fato". E o "fato", submetido a este tipo de observação, ele se reduz a que? Ele se reduz a seu conceito genérico. Ou seja, qualquer "fato" científico não é um "fato", é um esquema de coincidências entre várias observações que pegam apenas determinados aspectos desse "fato", e agrupam esses vários aspectos num conceito genérico.
Então, isso é a mesma coisa que dizer que observações científicas jamais versam sobre "fatos", mas apenas sobre conceitos genéricos. Ora, um conceito genérico é apenas um pensamento. Por exemplo, nós estamos acostumados a ideia de que a verificação por um grupo de observadores tem o dom de corrigir a distorção subjetiva. Agora imagine que você é testemunha de um crime, e você é a única testemunha, você viu um sujeito matando o outro. Não havia mais ninguém alí, a arma do crime desapareceu, não há impressões digitais, não há indícios circunstanciais, não há mais nada. Então você está num caso onde você tem certeza absoluta, dificilmente haveria uma certeza mais firme do que esta, da observação direta e do testemunho direto. Mas este testemunho só vale para você. Agora, e se houvesse várias testemunhas? Ah, bom, muito bem, agora está melhor, porque a convergência das testemunhas confirma o "fato".
Porém, uma vez foi feito, em um congresso de psicologia, o seguinte teste: os sujeitos estão reunidos em um auditório, de repente entra um camarada dando tiro. São tiros de festim, evidentemente, ninguém sai ferido (não é como aconteceu no Family Research Council, ou naquele colégio lá, no cinema). E daí pede-se que aqueles duzentos ou trezentos psicólogos habilitados que estão ali descrevam o "fato". As descrições não coincidem, cada um viu um pouquinho diferente. Isto quer dizer que a zona de concordância é uma pequena zona de interseção entre depoimentos discordantes. Ora, essa zona de interseção foi o que aconteceu? Evidentemente, não, ela é apenas um esquema abstrato e genérico do que aconteceu, ela é um conceito do que aconteceu, e não o "fato" concreto.
Isso que dizer que a observação científica, primeiro, reduz o universo de "fatos" acessíveis ao ser humano, que por si já ínfimo, a uma fração ínfima do ínfimo; segundo, reduz esses "fatos" à sua esquemática genérica, e, portanto a conceitos, onde eles deixam de ser "fatos". Eles não são mais a alteração material efetiva de um estado de coisas, mas apenas a interseção entre várias observações. Então, nós temos dois conceitos [0:20] de "fato": nós temos o conceito objetivo de "fato", e nós temos o conceito intersubjetivo, ou científico, de "fato", e esses dois conceitos se contradizem um ao outro. Objetivamente considerado, o "fato" é um estado de coisas ou a sua alteração e, portanto, nós entendemos que o campo inteiro daquilo que nós chamamos de realidade, ou de universo, ou como queiram chamar, se constitui de "fatos". Onde não há "fatos", não há absolutamente nada.
Mas pode haver o quê, pode haver um conteúdo mental, um conceito, uma hipótese etc., o qual considerado do ponto de vista psicológico será também um "fato", quer dizer, se eu pensei tal ou tal coisa isso é um "fato", psicologicamente. Mas logicamente aquilo não é um "fato". Então, isso quer dizer que entre o "fato" como tal, o "fato" considerado ontologicamente, e o "fato" científico, ou seja, o "fato" tal como descrito na metodologia, você tem um abismo de diferença. Isso quer dizer que o conjunto das ciências se constitui de conclusões tiradas de observações convergentes sobre um conceito.
Ora, esse problema já tinha aparecido na antiguidade. O primeiro abismo entre o "fato" e seu conhecimento apareceu com Parmênides, quando ele disse que o ser é e o não-ser não é. Ora, ele disse que todo o fluxo de acontecimentos que se desenrolam diante de nós, constituído, portanto de aspectos permanentes e aspectos mutáveis, os permanentes também são mutáveis, porque a coisa permanecer no tempo é um processo também, é uma mudança também. Veja a resistência à mudança é uma mudança.
Então, nós podemos dizer que tudo que acontece à nossa volta se constitui de mudança, apenas com diferenças de ritmo. Há mudanças mais lentas, e outras mais rápidas. Quando você anda você vai para frente e o chão fica no lugar, mas isso não quer dizer que ele não sofre mudança alguma. Existe algum atrito entre o seu sapato e o chão e aí o chão muda um pouquinho. Quando você foi para frente e ele foi para trás, ele já está alterado em relação a você. Então, diz Parmênides, tudo que se passa diante de nós é impermanente, e, portanto, não tem uma substância firme, permanente, confiável. Só pode ser confiável, do ponto de vista cognitivo, aquilo que é eterno e imutável. Mas, aí nós temos um problema, aquilo que é eterno e imutável não aparece em parte alguma, não é visível, não é acessível, e não é cognoscível. De certo modo é pensável, mas não cognoscível.
Então, o real não é verdadeiro e o verdadeiro não é real. Parmênides tinha deixado as coisas neste ponto, dizendo o seguinte, que tudo que chega aos nossos sentidos é apenas uma impressão, portanto vocês não podem saber a verdadeira realidade, a verdadeira realidade é só aquilo que é eterno e imutável. Mas o imutável não está ao nosso alcance. Aquilo que chega pelos sentidos é real, mas não é verdadeiro, e aquilo que nos chega pela razão é verdadeiro, mas não é real. Então é evidente que ele não resolveu nenhum problema, mas criou um.
Esse problema foi resolvido, em seguida, pelo sofista Protágoras, da seguinte maneira: quando eu vejo uma coisa de determinada maneira aquilo é verdadeiro para mim e quando você vê da sua maneira aquilo é verdadeiro para você. Portanto, toda a verdade que chega até nós são impressões; portanto, este abismo que você está vendo entre o real e o verdadeiro não existe. O real coincide com o verdadeiro e o real consiste apenas de impressões sensíveis. Se essas impressões sensíveis são diferentes para cada um, isso significa que a verdade é diferente para cada um e não há nada que possamos fazer para resolver esse problema. E Protágoras tinha deixado a coisa no seguinte pé e nós podemos entender que com isso ele também não resolveu nenhum problema, mas criou um outro.
Quando entra Sócrates na jogada, e diz o seguinte: "o que você está chamando de impressão é um negócio que só existem verdades nas impressões e, portanto nos sentidos. Isto está equivocado por que não há nenhuma impressão dos sentidos na qual não entre um elemento de elaboração racional". Por exemplo, se eu digo que uma coisa é quadrada, é porque eu comparo-a com a redonda e sei a diferença. Então, quando tudo que eu sei a respeito de qualquer objeto que eu olho, por exemplo, se eu olho este guardanapo, eu vejo que ele é branco, eu vejo que ele é quadrado, e várias outras coisas, mas vamos ficar com essas duas qualidades: é branco e é quadrado. Ora, branco e quadrado não são impressões sensíveis, são conceitos classificatórios. Isso quer dizer que este pedaço de papel, ele pertence à várias classes, ele pertence à classe dos objetos brancos e dos objetos quadrados, e uma série de outras classes, por exemplo, utensílios de cozinha, e assim por diante. Tudo o que sei do objeto que vejo se reduz aos conceitos ou classes nas quais eu classifico.
Note bem, esta observação é de uma profundidade terrível. Isso quer dizer, observar é classificar. Tudo o que você afirma de um objeto, ou seja, todo predicado que você atribui a ele é um conceito de classe no qual você o classifica. Se eu digo, por exemplo, "isto é um elefante", eu o classifiquei dentro da ordem dos animais. Eu digo "ele é grande", eu o classifiquei na ordem do tamanho. Eu digo "ele é feroz", ou "ele é manso" ou qualquer coisa. Tudo, tudo o que eu sei do objeto consiste nos predicados que eu lhe atribuo, e esses predicados não são coisas, são classes, ou conceitos gerais. E se eu pergunto o que seria o objeto em si mesmo considerado fora desses predicados? Eu não sei nada a respeito dele.
Por exemplo, se eu olho o guardanapo e não sei que ele é branco, que ele é quadrado, que ele é um guardanapo e assim por diante eu não sei nada dele. Dito de outro modo, tudo o que eu sei dos objetos aparentemente pelos sentidos na verdade vem da minha razão. Existe algum substrato por baixo de todas essas classes? Aparentemente não. Então um objeto dos sentidos não é nada mais que um cruzamento de vários conceitos ou classes aos quais aquele objeto pertence. Daí é que vem a conclusão de Platão de que a realidade não está nos objetos dos sentidos, mas nos conceitos gerais, que ele chamava formas ou idéias. A realidade de um objeto consiste em pertencer a muitas classes [0:30] simultaneamente --- de modo que, olhando o objeto, eu possa identificar essas várias classes.
Se eu não puder atribuir ao objeto nenhum predicado, ou seja, catalogá-lo em nenhuma classe, então eu nada sei a respeito dele e quando eu não souber nada, [se] eu mostro para você um objeto absolutamente estrambótico, incognoscível --- eu pergunto: "Que é isso?" e você responde: "Isso é alguma coisa." --- você acaba de classificá-lo neste mesmo momento: você o classificou como um objeto ou como um ser. A percepção não é nada mais do que o exercício da razão que cataloga o objeto nas várias classes a que ele pertence. Para vocês verem como, [quando] mais tarde aparecer a escola nominalista dizendo só conhecer os objetos individuais, essa é uma tese que não deveria ter sido levado em conta por um único minuto porque perceber um objeto individual já é classificá-lo. Se as classes não existem objetivamente, os objetos também não existem.
A escola nominalista já mostra um estado de perda da lucidez filosófica. O que marca este estado de perda é que a mente raciocinante perde a conexão com a experiência imediata, porque, note bem, tanto Parmênides, quanto Protágoras, quanto Sócrates estavam raciocinando a partir da experiência real. Descrevendo a experiência tal como ela lhes aparecia, chegando, é claro, a conclusões que são antagônicas. Quando o indivíduo diz que só o que nós conhecemos são objetos singulares e as classes existem na nossa mente é dizer uma impossibilidade, impossibilidade não lógica, mas material. Por quê? Suponhamos que o objeto --- aqui nós temos dois objetos que não estão no mesmo lugar do espaço, mas que têm certas formas em comum, ambos são brancos e quadrados. Se eu disser que eu só capto essas qualidades por comparação e é a minha mente que faz isso, eu tenho de perguntar: "mas de onde eu tirei os elementos da comparação?" Se fui eu que os inventei livremente, se saíram exclusivamente da minha razão, então não há motivo para eu aplicar a [cada um] a classe quadrado. Eu poderia aplicar uma outra classe qualquer. Eu poderia dizer sonoro, embora eles não façam som algum.
Eu não estou livre para atribuir a esses objetos quaisquer classes e quaisquer predicados que eu queira. A possibilidade de compará-los resulta do fato de que as classes nas quais eu os estou catalogando estão presentes neles, senão eu poderia aplicar quaisquer classes. Eu poderia dizer, por exemplo, que um elefante é rico ou que um elefante é esquerdista ou que um elefante é vereador em São Tomé das Letras, não poderia? Que o elefante sou eu! Ou seja, a atividade classificatória não pode vir só da nossa mente. Isso é impossível. É só você tentar. Eu vejo algum sinal de patologia filosófica quando o indivíduo me propõe uma tese baseada numa experiência que eu não posso fazer como o famoso cogito cartesiano. Nós o examinamos e vimos que aquela experiência, tal como Descartes a descreve, é impossível.
Ele não fez a experiência, ele está raciocinando a partir de hipóteses, não do exame real dos objetos dos quais ele supostamente está falando. No caso ele está falando dele mesmo, mas ele se examinou muito mal. E é a mesma coisa quando aparece a escola nominalista. A mesma objeção, de algum modo, se poderia fazer a Protágoras, como de fato Sócrates fez. Sócrates mostrou para ele que não existe a percepção pura sem a intervenção da razão. Como é que Sócrates sabe disso? Sócrates tentou e viu que não dava para fazer. Então nós vemos que a experiência na qual Protágoras se baseou não é irreal, mas incompleta, [porém] a experiência proposta pela escola nominalista é impossível. Porque sabemos disso? Porque antes da escola nominalista já tinha havido Sócrates e Protágoras e o confronto entre os dois. Isso que dizer que Sócrates já tinha levado esta questão até um patamar de complexidade e de exigência maior e justamente para os filósofos subseqüentes não é lícito cair abaixo desse patamar.
A escola nominalista simplesmente não levou em conta a objeção de Sócrates a Protágoras. Ora, mas essa objeção já estava documentada, já tinha acontecido 1600 anos antes. Sócrates já havia elevado essa questão a um patamar de rigor, de exatidão, de seriedade analítica e a escola nominalista cai abaixo disso ao dizer que só existem objetos individuais. [Note que] individual é uma classe; ao dizer objeto individual você acabou de catalogá-lo. Você não pode perceber um objeto é individual sem, ao mesmo tempo, inseparavelmente, perceber a classe dele. Algo da classe tem de ser dado imediatamente. Claro que outras características de classe, outros predicados, podem ser obtidas depois por observação, mas algum tem de estar presente imediatamente, no mínimo a classe "algo", "alguma coisa".
A percepção do objeto puramente individual separado das suas classes é impossível, mas agora vejamos o contrário. É possível que somente as classes existam e não exista nenhum substrato individual por trás delas? Ou seja, eu vejo que estes [dois] objetos são quadrados, brancos e outros predicados. Bom, podem existir só estes predicados, de modo que estes objetos não consistam em nada mais que uma confluência de predicados ou uma confluência de conceitos sem nenhum substrato por trás? Não, isso também não é possível porque senão não haveria diferença entre os meros conceitos das classes e a sua presença neste lugar do espaço. Platão percebeu que havia este problema, mas ele admitia que existia um substrato por trás, que ele chamava de matéria prima.
Bom, isso é muito pouco, Platão não levou o exame desta questão até onde deveria, mas para o status questiones, tal qual ele o pegou de Protágoras, até que ele o levou bem longe. Mas em todo este caso a dificuldade e a finura do método filosófico consiste em manter na sua análise aquela união profunda de individualidade e classe que existe em cada objeto do mundo. [0:40] Aqui você vê que existe uma individualidade, tanto que este guardanapo não é este. É por isso que Leibniz dizia que para você compor um objeto você não pode ter apenas as qualidades mensuráveis dele, porque além de medir uma coisa sob todos os aspectos --- cor, tamanhos, todas as qualidades mensuráveis --- ele precisa ser alguma coisa, ele precisa estar aí. Ele precisa ter um negócio chamado existência. E a existência tem característica de que só se apresenta a você sobre as de entidades individuais.
Assim como nunca ninguém viu um objeto sem nenhum predicado, ou seja, um objeto considerado fora de todas suas classes, ninguém jamais viu uma classe sem um objeto. Então isso quer dizer que a operação das sensações e a operação da razão só se distinguem formalmente, mas não materialmente. Você sabe o que é ter uma impressão sensível e você sabe o que é você pensar. Formalmente elas são coisas distintas, mas elas não são separáveis. E justamente a inseparabilidade delas é o ponto mais sensível do método filosófico, ou seja, raciocinar em estreita proximidade com os objetos reais da experiência. Quando falamos em objetos reais da experiência, nós acabamos de ver que eles se compõem de uma tensão ou contradição entre a sua individualidade e a sua generalidade, ou seja, entre a sua presença individual física e a sua pertinência a uma série de classes.
Não é possível separar completamente uma coisa da outra e não possível sequer distinguir uma coisa da outra. Isso quer dizer que todo conhecimento tem um coeficiente de imprecisão e de contradição já no próprio modo de presença do objeto. E é por isso mesmo que na análise que nós começamos a fazer existe uma contradição ou uma tensão, não uma contradição lógica, mas uma tensão prática entre a noção de "fato" considerada ontologicamente e o "fato" considerado no sentido do método científico. Isso não tem solução e não é para ter porque isso faz parte da estrutura da realidade.
Conseguiram acompanhar até aqui? Talvez eu faça duas pausas hoje. Uma pausa agora, vocês podem mandar as perguntas, mas antes de respondê-las eu quero abordar um segundo assunto na segunda parte.
Vamos continuar. Aqui nesta segunda parte eu queria abordar um tema da sociedade contemporânea, mas eu vou ter de me basear num artigo que eu acabo de enviar para o Diário do Comércio, que talvez eu venha também a comentar no programa True Outspeak, mas no qual durante o programa não será possível analisar a coisa com toda a extensão e profundidade com a qual eu pretendo fazer aqui. Então aí vai haver dois níveis da mesma coisa: um para vocês e outro para o público em geral. O artigo chama-se "Já notaram?" e eu vou ler aqui para vocês e depois comento.
Vocês já notaram que, de uns anos para cá, a simples opinião contrária ao casamento gay, ou à legalização do aborto, passou a ser condenada sob o rótulo de "extremismo", como se casamentos homossexuais ou abortos por encomenda não fossem novidades chocantes, revolucionárias, e sim práticas consensuais milenares, firmemente ancoradas na História, na natureza humana e no senso comum, às quais realmente só um louco extremista poderia se opor?
Já notaram que o exibicionismo sexual em praça pública, as ofensas brutais à fé religiosa, a invasão acintosa dos templos, passaram a ser aceitos como meios normais de protesto democrático por aquela mesma mídia e por aquelas mesmas autoridades constituídas que, diante da mais pacífica e serena citação da Bíblia, logo alertam contra o abuso "fundamentalista" da liberdade de opinião?
Já notaram que o simples ato de rezar em público é tido como manifestação de "intolerância", e que, inversamente, a proibição de rezar é celebrada como expressão puríssima da "liberdade religiosa"? (a Folha de São Paulo fez isso outro dia: http://andrebarcinski.blogfolha.uol.com.br/2012/08/15/brasil-e-ouro-em-intolerancia/.)
Já notaram que, após terem dado ao termo "fundamentalista" uma acepção sinistra por sua associação com o terrorismo islâmico, os meios de comunicação mais respeitáveis e elegantes passaram a usá-lo contra pastores e crentes, católicos e evangélicos, como se os cristãos fossem os autores e não as vítimas inermes da violência terrorista no mundo?
O que certamente não notaram é que a transição fácil dos epítetos do "extremista" e "fundamentalista" para o de "terrorista" já ultrapassou até mesmo a fase das mutações semânticas para se tornar um instrumento real, prático, de intimidação estatal.
Não o notaram porque nunca foi noticiado no Brasil que, nos EUA, qualquer cristão que se oponha ao aborto ou contribua para campanhas de defesa de seus correligionários perseguidos é tido pelo Homeland Security, ao menos em teoria, como alvo preferencial para averiguações de "terrorismo" ([como visto em] http://touchstonemag.com/merecomments/2012/07/big-sibling-janet-napolitano-may-be-looking-for-you/), embora o número de ações terroristas cometidos até agora por esse tipo de pessoas seja, rigorosamente, zero.
Em contrapartida, qualquer sugestão de que as investigações deveriam tomar como foco principal os muçulmanos ou os esquerdistas -- autores da maioria absoluta dos atentados no território americano -- é condenada pelo governo e pela mídia como "hate speech".
Nenhum membro do Family Research Council tinha jamais atirado em ninguém, nem esmurrado, nem sequer xingado quem quer que fosse, quando a ONG esquerdista South Poverty Law Center colocou aquela organização conservadora na sua "Hate List" (lista de organizações que pregam ódio). Quando um militante gayzista entrou lá gritando slogans anticristãos e dando tiros em todo mundo, nem um só órgão de mídia chamou isso de "crime de ódio".
Em todos esses casos, e numa infinidade de outros, a estratégia é sempre a mesma: quebrar as cadeias normais de associação de idéias, inverter o senso das proporções, forçar a população a negar aquilo que seus olhos vêem e a enxergar, em vez disso, aquilo que a elite iluminada manda enxergar.
Não, não se trata de persuasão. As crenças assim propagadas permanecem superficiais, saindo da boca para fora enquanto as impressões que as negam continuam entrando pelos olhos e ouvidos. O que se busca é o contrário da persuasão genuína: é instilar no público um estado de insegurança histérica, em que a contradição entre o que se percebe e o que se fala só pode ser aplacada mediante o expediente de falar cada vez mais alto, de gritar aquilo que, no fundo, não se crê nem se pode crer. É um efeito calculado, uma obra de tecnologia psicológica.
Algum militante gayzista pode sinceramente crer que, num país com cinqüenta mil homicídios por ano, cento e poucos assassinatos de homossexuais provem a existência de uma epidemia de ódio anti-gay? É claro que não.
Justamente porque não pode crê-lo, tem de gritá-lo. Gritá-lo para não se dar conta da farsa existencial em que apostou sua vida, e da qual depende para conservar seus amigos, seu bem protegido lugar na militância, sua falsa identidade de perseguido e discriminado numa sociedade que não ousa dizer contra ele uma só palavra.
O militante ideal desses movimentos não é o crente sincero, mas o fingidor histérico. O primeiro consente em mentir em favor de suas crenças, mas conserva alguma capacidade de julgamento objetivo e pode, em situações de crise, transformar-se num perigoso dissidente interno (está aí a Marina Silva que não me deixa mentir). O histérico, em vez disso, não tem limites na sua compulsão de tudo falsificar. O militante sincero usa da mentira como um instrumento tático; para o histérico, ela é uma necessidade incontornável, uma tábua de salvação psicológica.
A inversão, mecanismo básico do modus pensandi revolucionário, é acima de tudo um sintoma histérico. É por isso que há décadas os movimentos revolucionários já desistiram da persuasão racional, perderam todo escrúpulo de honorabilidade intelectual e já não se vexam de agitar aos quatro ventos bandeiras [0:50] ostensivamente, propositadamente absurdas e autocontraditórias.
Eles não precisam de "verdadeiros crentes", cuja integridade causa problemas. Precisam de massas de histéricos, cheios daquela "passionate intensity" de que falava W. B. Yeats, prontos a encenar sofrimentos que não têm, a lutar fanaticamente por aquilo em que não crêem, precisamente porque não crêem e porque só a teatralização histérica mantém vivos os seus laços de solidariedade militante com milhares de outros histéricos.
Muito bem, essa análise, evidentemente, eu pretendo prossegui-la em outros artigos, mas em artigos de jornal nós temos uma seriíssima limitação de espaço e não é possível sequer assegurar a continuidade dos artigos porque quem decide a ordem em que eles saem é o jornal e não eu. Eu mando três ou quatro artigos e eles publicam quando quiserem. O importante aqui é o seguinte: essa coisa de você quebrar a associação de idéias, de você forçar as pessoas a dizer não o que elas estão vendo, mas o que a elite mandou dizer, isso é uniforme em todas as campanhas promovidas para grandes mudanças sociais desde a década de 60.
Essas campanhas são sempre uniformes, são sempre globais, elas aparecem simultaneamente em vinte ou trinta países, o que significa que existe um financiamento global por trás de tudo e existe um planejamento global, a receita vem pronta, ou feita pela ONU ou por outra entidade globalista qualquer e distribuída para milhares de "ONGuinhas" e de meios de comunicação para pseudo-intelectuais no mundo inteiro e o pessoal obedece imediatamente. Isso quer dizer que o conteúdo específico destas campanhas não tem a mais mínima importância. Tanto faz se é casamento gay, se é abortismo, se é antitabagismo, se é cotas raciais, não importa o que seja. Porque?
[Porque] a discussão do conteúdo destas reivindicações pressupõe uma situação normal do senso comum que é justamente o que está sendo destruído através destas campanhas. Mesmo que os objetivos proclamados não sejam atingidos, o efeito psicológico é sempre atingido porque mesmo as pessoas que são contra esses objetivos começam a raciocinar assim também, porque é só o que tem. Ou seja, a condição para uma discussão séria e objetiva da coisa já é negada na base, na própria formulação inicial da proposta. Ou seja, discutir a proposta, qualquer que seja ela, é sempre bobagem, é sempre perda de tempo porque você vai apelar a padrões de racionalidade e a padrões de senso comum que já estão corroídos desde o início.
A prova disso é o seguinte: recentemente quando o senhor Vladimir Putin proibiu o casamento gay por cem anos na Rússia, o pessoal evangélico e conservador todo: "Olha, puxa! Que coisa maravilhosa, os russo é que vão nos salvar etc." Ou seja, o Vladimir Putin joga uma migalha para eles e eles ficam de joelhos diante dele. Ninguém lembrou de que esse pessoal gay sempre foi abominado e perseguido pelos comunistas e ainda hoje o são em Cuba, por exemplo. Em Cuba, o sujeito que sai dando por aí, pega AIDS [e] é trancado. Ele é expelido da sociedade e posto para morrer num lugar junto com outros aidéticos. Sempre o tratamento foi esse. Ou seja, não houve novidade alguma. Movimento gaysista Rússia é zero, é uma coisa absolutamente insignificante. E o poder que o Estado tem sobre essa gente é avassalador, sempre foi, não há novidade alguma em perseguir gays na Rússia. O quanto custou isso ao Vladimir Putin? Nada. O que isso lhe rendeu? O apoio maciço da população e o apoio da própria Igreja Ortodoxa Russa, que lá é inteirinha órgão da KGB, sempre foi.
Eu olho essa população conservadora, cristã etc., eu digo: "o nível de compreensão da situação real já baixou tanto quanto a dos militantes histéricos. Eles também não estão entendendo nada. E não é difícil entender, porque essas coisas se repetem há meio século. Essas campanhas são uniformes. E elas visam mais a criar essa nova situação de um senso comum histérico, ou seja, destruição do senso comum normal e a sua substituição por um senso comum histérico, feito de fingimento. Este objetivo predomina sobre qualquer objetivo específico de qualquer campanha, porque isso é o que dá o poder para o grupo que comanda o processo, de maneira que se eles fizerem por cinqüenta anos campanhas pelo casamento gay, e não conseguiram o casamento gay, não tem importância.
E se legalizar o casamento gay? Na Holanda existe casamento gay legal a trinta anos. Quantas pessoas --- não é quantos casais --- casaram? Mil. Em trinta anos. Vocês acreditam seriamente que algum líder gayzista quer casamento gay? Vocês acreditam que o Luiz Mott, que transou com 500 homens, quer casar com um deles e abdicar dos outros 499? Vocês vão ali na Rua Vieira de Carvalho, em São Paulo, tem um cine gay cuja fila dá volta no quarteirão --- só homem, homem, homem... --- e eles estão procurando casamento? Você já viu alguém procurar casamento num clube de troca de casais? Procurar casamento num puteiro? Procurar casamento numa suruba? Não, isso não existe. Por exemplo, os escravos romanos eram proibidos de casar. Como é que eles fizeram para obter o direito de casar? Eles fizeram uma passeata gay? Seria uma passeata hetero, um monte de homem pelado, um monte de mulher pelada e assim eles convenceram o governo romano a lhes dar o direito de casar? Foi assim? Seria possível uma coisa dessas? É só você olhar a passeata gay e você vê que a reivindicação de casamento gay não é o objetivo.
Existe coisa muito mais importante. Por exemplo, tornar proibitiva a distinção entre uma mulher e um homem vestido de mulher é muito mais importante do que isto. Isto realmente muda o senso comum. Isso quebra a cadeia de associações, ainda que ao custo de uma contradição autoparalisante, porque do programa desse movimento gayzista é uma bandeira importante para destruir os estereótipos do masculino e feminino. Mas se destroem os estereótipos do feminino, quem os transexuais vão copiar? Vão copiar O Luiz Mott? Será que esse era o ideal da Roberta Close, ficar igualzinha ao Luiz Mott? Ou seja, esse movimento se baseia no estereotipo e ao mesmo tempo luta para destruí-lo. O que que é isto? É propaganda do gayzismo, é propaganda do homossexualismo? Não, isso é a destruição do senso comum. Se todas as reivindicações --- gayzistas, ou feministas ou racialistas --- saírem frustradas, o objetivo já está alcançado.
Um grande analista político chamado Erik von Kuehnelt-Leddihn, que escreveu alguns clássicos como Leftism, From de Sade and Marx to Hitler and Marcuse, já havia identificado nos anos 50 a histeria como um traço importante da mentalidade militante esquerdista. Ele identificava isso na população militante comunista, nazista etc. Porém aconteceu que a importância deste elemento histérico aumentou muito a partir dos anos 60. Ou seja, o típico militante do que precisava nos antigos partidos comunistas [1:00] não era um histérico, embora possuísse alguns traços histéricos. Como se formava um militante? Na base de doutrinação, adestramento e disciplina; buscava-se formar um homem de ferro profundamente imbuído da veracidade científica do marxismo que praticamente decorava.
Tanto que o número de manuais elementares de marxismo publicados no mundo é uma coisa assombrosa -- todos eles baseados no Manual de marxismo-leninismo da academia de ciências da União Soviética, que quando eu estava metido nisso, eu praticamente decorei. Nos partidos comunistas, ninguém adquiria alguma posição de destaque sem mostrar algum domínio desta teoria, não das sutilezas filosóficas, mas, daquele bloco central doutrinário, o sujeito deveria ter o domínio completo. Junto com este domínio, vinha um adestramento nas tarefas dificílimas e perigosas de organizar uma greve, fazer uma panfletagem, organizar um boicote a uma fábrica etc. Tudo isto imensamente perigoso e as pessoas tinham de ser adestradas nisso, e o terceiro pilar era a disciplina e obediência total ao comando partidário.
Isto era o militante antigo. A dose de histeria que podia haver nisto era mínima e controlada, por que precisava-se de pessoas que iam agir na realidade e cujas ações tinham de ser controladas e ter efeitos calculáveis. Eu sugiro que vocês leiam o livro de Jan Valtin, Out of the night, que é o depoimento de um militante e onde ele conta como foi sua formação, assim vocês terão uma idéia.
Eu ainda conheci muitos velhos militantes, homens de ferro, e o que tem isto a ver com este pessoal que hoje faz propaganda de cotas raciais, movimento gay, feminismo? Nada, nada.
As pessoas que continuam usando a palavra doutrinação para descrever o que se passa: "Ah! Estão fazendo doutrinação comunista nas escolas". Elas mostram que não entenderam nada do que está se passando. Simplesmente não há mais doutrinação. A doutrinação pressupõe um bloco de doutrina coerente da primeira à última linha, mesmo sendo tudo mentira, mas deve ser coerente. Uma doutrina é uma teoria. O Manual de marxismo-leninismo, por exemplo, começa com a explicação do materialismo, depois com a dialética histórica, a luta de classes, a estratégia revolucionária e assim por diante, tudo muito bem organizado. Ora, existe alguma doutrina organizada por trás de toda esta coisa no mundo? Nada.
Existe uma amálgama de símbolos e figuras de retórica absolutamente caótico e confuso, ou seja, ninguém está doutrinando ninguém. As pessoas dizem existir doutrinação comunista nas escolas; vejo muito os milicos falarem isto. São pessoas que leram o último livro há 50 anos, que não entendem o que está se passando e não têm a condição intelectual para entender. Este assunto não é para amadores, mas sim para gente de muito estudo. As pessoas que planejam isto possuem muito estudo, e para entender o que está se passando é preciso ter tanto estudo quanto eles. Note bem que nós não somos um grupo militante que vai se opor a isto, pois não temos a menor condição, nem a vocação para isso. Mas, se o domínio intelectual é propriedade apenas da elite militante, as vítimas ficam na condição de total inermidade, não podem reagir, porque ficam esperneando contra a doutrinação comunista, contra a imoralidade homossexualista, contra a imoralidade feminista, estão perdendo tempo.
Esta mesma estratégia psicológica foi usada, por exemplo, na campanha antitabagista, com a qual o universo conservador cristão e evangélico inteiro concordou e achou lindo e acredita nesta besteirada até hoje. Quando vocês assistem filmes das décadas de 50 e 60, aparece gente fumando em todo lugar. Você assiste [e vê] no documentário do tribunal de Nuremberg e até em hospitais aparecem gente fumando. Hoje em dia, se você acende um cigarro, as pessoas se sentem agredidas -- não psicologicamente, mas fisicamente elas sentem que estão correndo risco. Claro que é uma reação histérica, uma falsificação total da realidade, o sujeito não está sentindo nada fisicamente, ele está sentindo o que ele imagina, ele já vê o pulmão dele todo preto, corroído de câncer; vou morrer!
Um dia, estava eu fumando num restaurante, durante os últimos dias permitidos, e passou uma senhora com sua filhinha, a uns 3 metros de distância, tampando o nariz da filha, protegendo-a. [Aquilo] é fingimento histérico, a pessoa imagina um negocio, e ela acredita naquilo que imagina, porque a mandaram imaginar. Ou seja, suas reações não tem mais a ver com as sensações reais, mas com um estereótipo que foi implantado; isso aí é fabricação de histeria em massa. Esta senhora, que fez isso com a menininha estava convencida de alguma doutrina? Ela foi doutrinada? Não é uma doutrina, mas sim um símbolo solto, ao qual as pessoas podem aderir isoladamente; por exemplo, você pode aderir ao antitabagismo sem aderir ao feminismo, pode aderir ao feminismo sem aderir ao movimento gay, ou pode aderir a feminismo em parte -- como a Camille Paglia: este pedaço eu quero aquele eu não quero e assim por diante. Aqui nos EUA não há o Log Cabin Republicans que são os conservadores gays. Não há coerência doutrinal alguma e nem se deseja isto.
Uma coisa muito importante para você entender qualquer movimento político, é compreender qual é o tipo de personalidade que se deseja formar. O tipo de personalidade dos movimentos militantes criados a partir da década de 60 é radicalmente diferente do antigo militante comunista, e isto veio junto com planos -- que foram iniciados na própria URSS, de mutação da estrutura do movimento comunista, onde foi dissolvida a antiga estrutura disciplinar hierárquica e substituída por uma estrutura flexível, no que eles chamam de redes. Houve assim uma diminuição na qualidade dos militantes, mas uma ampliação quantitativa monstruosa.
É isto que explica o famoso fenômeno de que 10 depois da queda da URSS a esquerda que se imaginava ter sido liquidada, apareceu muito mais poderosa do que antes. Esta mudança foi toda calculada, como consta no livro do Golitsyn, e acabo de ler outro livro a respeito, de uma jornalista chamada Yevgenia Albats, KGB: The state within a state; um dos melhores que já li da KGB, onde ela mostra que toda Perestroika foi tudo calculada pela KGB para permanecer no poder e aumentá-lo, como aumentou realmente. No tempo da URSS você tinha um agente da KGB para cada 400 habitantes e agora um para cada 200, o poder duplicou. Sem contar o serviço secreto militar e tropas que podem ser mobilizadas a serviço da KGB.
Eu pensava que tinha 500 mil no tempo da URSS, não, no tempo da URSS tinha 720 mil. O território diminuiu para um terço, mas a KGB só diminuiu em um terço, ou seja, cortou um terço, então ficaram 500 mil, atualmente tem 500 mil, sem contar outras tropas que podem ser mobilizadas, para isso, para aquilo. Isto dá cerca de hum milhão de pessoas. Sem contar também a militância que pode ser mobilizada em qualquer lugar do mundo a qualquer momento e que [portanto], não tem mais limite, e com um orçamento que permanece secreto.
Aqui nos EUA, por exemplo, todos sabem qual é o orçamento da CIA é monstruoso, mas deve ser discutido, votado e pode ser criticado, mas na Rússia ninguém sabe quanto é o orçamento da KGB. Isto significa que a condição que se tem para planejar uma coisa dessas é uma condição ideal, só que a condição ideal ainda é facilitada por um segundo fator que raramente as pessoas levam em conta.
Este fator constitui-se do seguinte: popularmente acredita-se que durante o século XX houve uma competição entre capitalismo e socialismo, então se tem os adeptos do socialismo, sobretudo na URSS, os adeptos do capitalismo e uma zona indefinida de centralistas, terceira via etc. Nada disso jamais aconteceu, porque as lideranças dominantes em todo ocidente foram todas formadas pela escola Fabiana. O fabianismo é uma versão de socialismo baseada, mais ou menos, numa síntese de capitalismo e socialismo, e na criação de um socialismo mundial -- sem revolução --, por via burocrática, diplomática, cultural etc. O movimento foi fundado no século XIX por um grupo de intelectuais de altíssimo gabarito, só tinha PHD naquele negócio. A sociedade Fabiana é a influência ideológica predominante em todos os movimentos políticos do ocidente, chamado de direita ou de esquerda. Por exemplo, quais são as expressões da direita no Brasil que o pessoal comunista odeia? Por exemplo, o Delfim Neto. O Delfim Neto é um socialista fabiano; o ex-presidente da França, Giscard d'Estaing, era o presidente da sociedade Fabiana.
Do ponto de vista fabiano, aqueles movimentos que defendem o capitalismo liberal, mas num sentido que possa ser aproveitado dentro dos planos do socialismo global, são bem-vindos; aqueles que propõem a terceira via também são bem vindos e os comunistas. Os fabianos sempre consideraram que o comunismo soviético era uma parte deles, nunca houve um conflito, mas sim uma luta pela hegemonia e essa luta pela hegemonia continua hoje, mas hegemonia dentro do mesmo movimento. Para o socialista fabiano, o comunismo soviético é a nossa ala esquerda, enquanto o liberal clássico é a ala direita; e porque é a ala direita? Porque na medida em que o liberal advoga o livre comércio, a derrubada das barreiras protecionistas etc., ele enfraquece os estados nacionais e favorece a regulamentação do comércio em nível mundial, deste modo, é bom para o socialismo fabiano. Todas estas entidades -- Comissão Trilateral, CFR etc. -- tudo isso são formas organizacionais, às vezes temporárias que não possuem muita importância em si, o que tem importância é a unidade ideológica fabiana por trás de tudo isso. Então, o que houve no século XX -- e há ainda -- é a concorrência entre dois socialismos.
Do ponto de vista econômico, até a diferença entre estes dois socialismos se atenuou muito nas ultimas décadas, na medida em que os próprios comunistas de tipo soviéticos perceberam que a estatização completa dos meios de produção era impossível e, portanto, é preciso resguarda uma parte para a iniciativa privada, então, acabaram concordando com os fabianos, neste aspecto. Tudo que existe no século XX no ocidente é uma concorrência entre o socialismo fabiano e o socialismo soviético; e o ideal sempre foi a fusão dos dois. Vejam, a fundação Ford foi feita para fundir EUA e URSS, este é o seu objetivo. Toda a política externa americana de contenção do comunismo significa resguardar uma fronteira e não permitir que avance para além. De um certo ponto nunca houve nenhum plano para destruir o regime comunista, mas sim de preservá-lo e alimentá-lo. Todo o parque industrial soviético foi todo construído com dinheiro americano, assim como a economia chinesa hoje em dia.
A briga que há é a seguinte: quem vai dominar o movimento mundial para o socialismo? Nós ou eles? Esta foi a verdadeira competição ao longo do século XX. É claro que no meio disso existe pessoas defensoras do capitalismo democrático clássico etc., que de algum modo ou de outro, o pessoal fabiano conseguem integrar dentro do seu esquema geral, às vezes mais ou menos, porque existem conservadores autênticos que sabem tudo isto que estou dizendo e combatem o comunismo e o fabianismo etc., tudo junto. Existem muitas pessoas assim, porém, em termos de governos e regimes, só existe regime comunista e fabiano. Diga algum país do mundo com uma economia cem por cento liberal clássica? Não tem nenhum.
Como no tempo de Clinton, privatizava-se duas ou três indústrias e estatizava-se tudo o mais: vida privada, educação, aumenta o controle estatal sobre as pessoas etc. O fabianismo é a ideologia dominante do ocidente e, como tal, é a influência que domina no fim das contas, porque o comunismo no sentido soviético se revelou impossível economicamente, tem que ser um socialismo "meia bomba" , você tem que preservar uma parte da economia privada, é ponto pacífico. Deste modo, os comunistas acabaram cedendo neste ponto aos fabianos, mas a competição pela hegemonia continua existindo. Quando caiu a URSS, as grandes fortunas americanas -- os banqueiros -- foram para a Rússia e sugando tudo que podiam da União Soviética, roubando que nem doidos, achando que, agora então o comunismo caiu, os condutores do processo somos nós. Mas diria o Putin: "não contavam com a minha astúcia".
A elite da KGB ainda pretende ter a hegemonia do processo, só que a proposta comunista, ideologicamente, falhou. Como porta vozes do socialismo eles não podem mais concorrer com os fabianos. A vitória dos fabianos foi muito arrasadora. Então vem o plano B, nós mantemos a nossa hegemonia onde KGB continua controlando tudo na Rússia e nós inventamos uma nova proposta ideológica para trazer sob o nosso comando todas as pessoas descontentes com o fabianismo, ou seja, os comunistas de velho estilo, nazistas, fascistas, cristãos conservadores etc. Esta virou a nova briga: os eurasianos contra os fabianos. É claro que estas duas propostas se baseiam na mentira e criação de militantes histéricos.
Erik von Kuehnelt-Leddihn já havia descrito a notável importância deste elemento histérico na militância, porém foi apenas com Andrew Lobaczewski, que o processo de criação da militância histérica tornou-se mais claro. [1:20] E a histeria não aparece sozinha. O elemento ativo não é a histeria. O elemento ativo é a liderança psicopática. Que é um psicopata? É um sujeito sem consciência moral, sem sentimentos humanos, manipulador até o fim, desalmado, cruel, e ao mesmo tempo enormemente hábil. Em geral os psicopatas são pessoas de inteligência acima da média. Por não terem consciência moral, são também pessoas de uma ousadia e de uma capacidade de auto-afirmação absolutamente anormal e pessoas capazes de gerar admiração e temor justamente nos momentos em que avançam propostas impossíveis, irreais, malucas. Então por um lado você tem a maluquice da proposta, mas por outro lado você tem a força de persuasão e da liderança.
Quando Adolf Hitler dizia: "Nós vamos construir um Reich que vai durar mil anos e nós vamos dominar a Europa inteira", é claro que ia dar errado, todo mundo sabia que ia dar errado. Mas, e a força da personalidade? Neste momento acontece aquele negócio que o Eric Voegelin chama a fé metastática, é a fé em que pela força da personalidade, pela força da vontade, a realidade se transfigurará. Então as pessoas aderem a este indivíduo não porque acreditam racionalmente no que ele está dizendo, mas porque dentro delas existe o conflito entre o senso da realidade e o temor e admiração que têm por aquele maluco.
Quando subiu aqui o Barack Obama prometendo change, não havia nenhum fundamento racional para acreditar que você pode resolver uma dívida aumentando a dívida. Todo mundo sabe que isso contraria o senso comum. Também, todo mundo sabe que não sabe quem é o Barack Obama, mas justamente a proposta dele é tão ousada, o blefe é tão alto que as pessoas ficam intimidadas e com medo de duvidar daquilo. Então a presença de um psicopata cria em torno de si uma militância histérica. A histeria é obtida não na base da persuasão genuína. A persuasão genuína precisaria de um corpo de doutrina muito claro, racionalmente defensável como o velho marxismo.
Vejam que o nazismo nunca teve isso. A militância nazista se aproximava mais do tipo moderno do militante histérico do que do tipo comunista. A irracionalidade da proposta é importante para você gerar a militância histérica porque é fundamental que a proposta não seja totalmente acreditada. Ela não é uma crença, ela é uma aposta na transfiguração e isso já é um sintoma histérico.
Então, a força psicológica de um psicopata, uma pessoa normal não pode concorrer. Ele é imensamente mais persuasivo, não por seus argumentos, não pelo conteúdo doutrinal, mas pelo influxo da sua pessoa, pelo olhar, pelo tom da voz, pelo gestual. E tudo isso ainda pode ser aumentado por técnicas. Por exemplo, aquele gestual todo do Hitler nos seus discursos, gestual que muitas vezes discorda do conteúdo do que ele está dizendo ou que não tem nada a ver com o conteúdo, de modo que você vai criando zonas de insegurança dentro da pessoa. Como você chama isso de doutrinação? Não tem doutrinação nenhuma. É mera impregnação de histeria.
Então, enquanto a sociedade ainda está apegada a padrões de senso comum herdados da história, de uma longa tradição etc., é normal que esses grupos histéricos formados em torno de psicopatas sejam muito minoritários, é uma seita, é um grupinhos de loucos, é uma sociedade teosófica, de ufólogos; porem em situações de crise essas pessoas abrem uma brecha e conseguem impressionar as vezes uma sociedade inteira. Veja todo o pessoal que votou no Lula sabendo que o homem é um semi-analfabeto que ele nunca foi propriamente um líder, sabendo que ele apresentava aquela identidade de operário sem nunca ter trabalhado, sempre tendo sido ajudado por financiadores milionários, todo mundo sabe disso.
Nós sabemos que ele não é o que ele parece, mas nós queremos que ele seja, nós vamos ajudá-lo a ser o que ele quer parecer, e daí tudo se transfigurará e, como dizia Antonio Gramsci: "Tudo será mais belo." Isso já é um sintoma histérico. Vocês podem ver operações de sintoma histérico em grupos menores quando alguém, por exemplo, lhe impõe atitudes ou situações que são francamente contra os seus valores interiores e que o colocam numa dúvida aterradora, mas entre os seus valores anteriores e o apego que você tem àquela liderança, você fica dividido. E essa divisão já é a histeria. Estão compreendendo?
Compreender esses processos é uma coisa fundamental para a observação do que está se passando na sociedade brasileira e também em outras sociedades. Eu espero que fique claro que o conteúdo expresso dessas campanhas tem menos importância, quase nula, em relação ao seu modus operandi, que é a destruição do senso comum, a quebra das cadeias de associações, de modo a espalhar a sintomatologia histérica por toda a sociedade entregando, portanto, o comando da sociedade à liderança psicopática. É isso o que realmente interessa. Se os objetivos nominais não forem atingidos, não tem importância. E se eles forem atingidos, eles por si mesmos não têm a capacidade de mudar a sociedade tão profundamente quanto o processo psicológico que foi usado para isso. Como, por exemplo, eu dei o exemplo do casamento gay na Holanda. Adotaram o casamento gay e o que isso mudou? Nada.
O casamento gay não mudou nada, mas o trajeto psicológico perseguido para impô-lo mudou tudo, tornou as pessoas incapazes de distinguir o certo e o errado, o bem e o mal, de somar 2+2 e de perceber o jogo no qual estão sendo envolvidas. Ou seja, não são só os militantes que são estupidificados. Quando você está lidando com uma militância histérica e você está tentando discutir com ela em termos de valores e critérios racionais que estão sendo solapados no próprio ato da discussão, então você está sendo feito de trouxa também. Ou seja, a liderança é psicopática, a militância é histérica e o resto da população é idiota.
Então o que nós temos de fazer não é discutir as bandeiras, discutir o homossexualismo, discutir a igualdade racial, discutir feminismo, discutir adoção gay. Não, não. Nós temos de restaurar a condição de percepção realista das coisas. Essa é a grande vítima é o senso comum. Toda esta elaboração fabiana da história do mundo é uma gigantesca mutação civilizacional [1:30] na base da criação de um novo senso comum fabricado em laboratório. Veja, por exemplo, estas campanhas dos direitos dos animais. Quantas pessoas você não vê já totalmente imunizadas contra a percepção da diferença entre um animal e um ser humano.
Ontem, aqui nos EUA, teve uma senhora que pegava cachorros na rua, criou um abrigo de cachorros dentro da casa dela e foi comida pelos seus cachorros. Os cães que ela tinha eram: pitbull, cão de presa canário, que é uma espécie de tigre, rotweiller. Ora 73% dos ataques de cães são feitos por pitbulls ou rotweillers. E ainda há pessoas que dizem: "O problema não é o cachorro, o problema é o dono". Ah, sim, o dono fica pedindo: "Morda-me, coma-me, mate-me." Não é possível uma coisa dessas. As pessoas não entendem mais que um bicho feroz é feroz, é feio perceber isso, [elas] têm inibição, porque assistiram Pocahontas...já começou faz tempo isso aí... Bambi etc.
Eu vi o vídeo de um sujeito que criava veados e foi morto por um veado. Você já viu o chifre de um veado? Tem trinta pontas. Ele mata você em um segundo. Você pensa que um animal tão bonitinho, você normalmente vê sendo comido pelo tigre ou leão, mas você não é um tigre nem um leão. Isso aí se tornou feio. Isso é doutrinação? Por acaso esse negócio dos direitos dos animais, você tem um manual dos direitos dos animais que explica tudo racionalmente, ordenadamente como o marxismo? É claro que não. São símbolos jogados aqui e ali, pelo cinema, pela TV, por historias de quadrinhos. É um negócio totalmente caótico.
Por exemplo, tem aquela senhora que foi comida por ursos. Ela morava no mato, numa cabaninha a uns dois quilômetros da cidade e começou a colocar comida para os ursinhos que apareciam ali. Veio um urso, [vieram] dois ursos, três ursos e daqui a pouco havia trinta ursos e quando tinha 30 ursos ela começou a ficar com medo. O que ela fez? Comprou uma carabina calibre 12 para matar os ursos? Não, ela diminuiu a comida dos ursos. E daí faltou comida e eles comeram a própria.
Essas pessoas que estão caminhando no meio dos animais têm medo deles? Têm, como todos nós temos. Você não tem medo de um tigre? Tem, todo mundo tem. Mas, por outro lado, você tem mais medo de fingir que o ser humano é superior aos animais, de parar de fingir que a relação entre o animal e você é de amor, porque isso desfará num momento toda a farsa existencial em que você está se baseando. Eu conheci uma moça que tinha três rotweillers dentro de um apartamento. E uma akita. Até que um dia o akita mordeu a filha dela. Isso não é cão para você ter dentro de um apartamento. Bom, mas daí a ela confessar: "Eu estou aqui morando dentro de um apartamento com três rotweillers e um akita morrendo de medo. Esses bichos detestáveis vão me comer." Ela nunca vai confessar isso aí, porque isso desfaria o mito fundador, o sonho paradisíaco.
Essa contradição cria já essa sintomatologia histérica. É só você fingir que acredita numa coisa que você não acredita, mas que você precisa acreditar. E justamente, tudo o que eu estou ensinando neste curso é para as pessoas aprenderem a se defender desse tipo de coisa. Primeiro interiormente, você para você mesmo. Não tente ensinar para os outros antes de você estar seguro de que você sabe fazer isso para você. Depois, mais tarde, se a gente puder ter uma influência saneadora na sociedade. Muito bem.
Eu só queria dar um aviso. Tem muitos alunos que estão enviando trabalhos para mim; escritos. Eu quando for entrar na fase de leitura dos trabalhos eu vou ter de parar com essas aulas expositivas e começar a fazer aulas de análise dos trabalhos um por um. Então eu tenho uma semana para ler o trabalho e analisá-lo na aula. Será uma outra fase, por isso e não estou lendo ainda os trabalhos. Você pode me mandar projetos de trabalho, mas não mande o texto do trabalho porque eu não posso lê-los agora. Eu li alguns. Alguns estão muito bons pelo visto, mas eu não vou poder dar atenção para eles agora, porque a partir do ano que vem a estrutura desse curso vai mudar. Eu quero que todos acompanhem a análise de cada um do trabalho dos outros. Isso é muitíssimo importante, mas não agora.
Eu acho que hoje não vai dar tempo de responder as perguntas, nós já fomos bastante longe, então até semana que vem em muito obrigado.
Transcrição: Eduardo A. Aguiar, Bruno Rodrigues da Cunha, Aramís José Pereira.
Revisão: Jose Marcio Carter.