Curso Online de Filosofia
Olavo de Carvalho
Aula Nº 76
25 de novembro de 2010
Método de análise de textos filosóficos --- Mascaramento de Descartes --- Desvio da tradição filosófica e da noção de Deus --- Clareza e distinção versus presença do Ser como critério de veracidade --- Fingimento na filosofia moderna --- A gnose na origem do fingimento --- Influência gnóstica na filosofia moderna --- Influência cartesiana no ensino moderno e contemporâneo --- Relação entre fé e ciência
Quero prosseguir com o tema enunciado na apostila Dois Métodos, ilustrando como aquela concepção da fidelidade ao texto filosófico, praticada sobretudo na USP, é totalmente insuficiente. Não que ela seja errada em si. É claro que você tem de se ater aos documentos que possui --- entre eles o principal é a obra escrita do filósofo ---, mas isso nem de longe basta. Na verdade, esse método se baseia no pressuposto absolutamente inaceitável, ou no mínimo arriscado, de que as obras filosóficas dão um testemunho suficiente ou pelo menos fidedigno do pensamento do filósofo. O fato é que, ao longo da história, observamos muitos casos em que o texto antes camufla do que expõe o pensamento.
Quem se preocupou muito com esse aspecto foi Leo Strauss, que fez vários estudos sobre a camuflagem verbal, por exemplo, em Espinosa e em Maquiavel. Evidentemente, não podemos nos esquecer de que se existe uma camuflagem, um intuito deliberado de dar certa impressão enganosa para produzir um efeito social, cultural ou histórico, é claro que o texto por si mesmo, longe de ser o documento fundamental, é apenas a pista inicial do crime. Isso acontece em um número assombroso de casos, alguns celebérrimos. O mais célebre dentre eles é certamente o de Descartes.
Ainda não estudamos nesse curso minha apostila sobre Maquiavel. Às vezes um documento pessoal deixado pelo filósofo chega a ser mais importante do que toda a sua obra publicada, porque ali às vezes está a chave da coisa inteira. Existem vários depoimentos que Maquiavel deixou sobre sua vida que são absolutamente decisivos para a compreensão de sua obra, dando indicações que jamais seriam obtidas pelo puro estudo dos textos publicados. A mesma coisa acontece com Descartes, de uma maneira mais sutil e, posso dizer, até quase mais perversa do que no caso de Maquiavel.
Vou ler uma confissão feita por Descartes no tempo em que ele vivia na Holanda. Esses dados encontram-se em um livro espetacular escrito não por um filósofo, mas por um historiador literário chamado Étienne Couvert, que escreveu uma obra monumental em quatro volumes chamada De la gnose à l'œcuménisme --- Da gnose ao ecumenismo. O conteúdo é tirado do capítulo 4 do primeiro volume. O texto que citarei não é desconhecido --- já foi citado muitas vezes ---, mas tenho a impressão de que quando o citam acabam por colocar uma segunda camada de camuflagem sobre o sentido daquilo que Descartes está querendo dizer, em vez de compreenderem realmente qual o objetivo com que ele o escreveu. Prestem atenção:
"Do mesmo modo que os atores prudentes, para que ninguém veja a vergonha que sobe à sua face, se vestem do seu papel, do mesmo modo, no momento em que vou subir à cena do mundo da qual até agora não fui senão espectador, eu caminho mascarado."
Trata-se de um depoimento importantíssimo. "Subir à cena do mundo" significa desempenhar um papel público, portanto, publicar suas obras. Todas as obras de Descartes já são da maturidade. Durante muito tempo ele levou uma vida relativamente obscura. Podemos perguntar por que Descartes teria necessidade de se esconder precisamente no momento em que está se mostrando. Para que subir à cena do mundo se é para se esconder ao mesmo tempo?
A explicação convencional, repetida milhares de vezes, é que Descartes tinha medo do Santo Ofício, isto é, da Inquisição, e para evitar acusações tinha de mascarar um pouco seus pensamentos. Porém, considero essa desculpa inaceitável por dois motivos: (a) Descartes proclama tantas e tantas vezes que o seu objetivo é converter os pagãos e promover a apologia da religião cristã que, dificilmente à primeira vista, algum inquisidor notaria algo de suspeito ali; (b) a parte mais decisiva do trabalho de Descartes foi toda produzida na Holanda, um país protestante onde o Santo Ofício nada podia fazer contra ele e onde era protegido pelas autoridades e por toda a comunidade protestante. A maior parte dos amigos de Descartes era composta por pastores protestantes. Embora se declarando católico o tempo todo, quando teve uma filha ilegítima chamada Francine mandou-a batizar na igreja protestante. Ou seja, ele estava muito bem encaixado no ambiente protestante da Holanda e não tinha absolutamente nada a temer do Santo Ofício.
Levou muito tempo para que alguém percebesse alguma coisa de errado nas obras de Descartes. É claro que houve objeções, mas a periculosidade do que estava ali dentro levou muito tempo para ser percebida. Se ele tinha a necessidade de caminhar mascarado não era por temor de uma represália imediata, mas porque tinha algum outro objetivo que não coincidia com as finalidades declaradas de sua obra. Havia um motivo para sua camuflagem.
Se compararmos isso com os depoimentos de Maquiavel --- que leremos mais adiante neste curso ---, veremos que se trata de um caso tão rico e complexo quanto o de Descartes. Em uma de suas cartas, Maquiavel diz: "Eu jamais digo a verdade tal como a vejo, e quando encontro alguma verdade eu trato de escondê-la o mais possível para que ninguém a perceba". Isso não quer dizer que tudo na obra de Maquiavel seja mentira, mas para encontrar a verdade lá é preciso cavar muito até saber do que se trata realmente. Primeiro é necessário saber o que Maquiavel quis dizer realmente. Em segundo lugar, é necessário investigar se aquilo que ele disse realmente --- aquilo que ele quis dizer --- coincidia com aquilo em que acreditava. Em terceiro lugar, é necessário saber se aquilo em que acreditava coincidia ou não com a verdade tal como estava ao alcance dele. São três camadas que precisam ser escavadas para entender por onde você está se movendo e do que realmente se trata.
Em Descartes é exatamente a mesma coisa: compreender o pensamento do autor tal como está expresso nos seus textos não é tudo, porque o que está expresso ali não é o que ele pensava, mas o que ele quis que você pensasse que ele pensava. Portanto, você não pode ler a coisa apenas na clave da função denominativa --- uma das três funções da linguagem propostas por Karl Bühler ---, mas também nas claves das funções expressiva e apelativa. Ele está fazendo afirmações sobre a estrutura da realidade do mundo --- função denominativa ---, ao mesmo tempo está expressando algo que sentiu, viu e pensou ---função expressiva ---, e ainda está exercendo uma ação na cabeça do leitor --- função apelativa.
É natural --- quase uma reação espontânea --- que as pessoas acreditem que a clave principal das obras de filosofia seja a função [00:10] denominativa. A impressão geral é que as obras de filosofia se constituem de sentenças sobre a realidade das coisas. Entretanto, às vezes por baixo dessas sentenças não está a visão real que o indivíduo teve, mas algo em que ele quer que você acredite. Isso significa que ele não precisa acreditar totalmente naquilo, mas apenas parcialmente. O que ele quer é desencadear um efeito.
Quando você lê uma obra de filosofia sob esse aspecto, descobre que às vezes a função apelativa é a que predomina. Não se trata de uma concepção intelectual sobre a realidade, mas de uma ação que está sendo empreendida. Essa ação pode ser tão sutil que seus efeitos só venham a se manifestar depois de muitos séculos, e somente quando esses efeitos se tornarem visíveis é que você entenderá o sentido da obra. Nesse caso, o sentido não é o significado das palavras e das sentenças, mas o objetivo, a meta, o espírito que orienta a coisa inteira.
Quando devemos procurar esse tipo de significado --- essa função apelativa do texto --- por baixo da função denominativa? Quando, ao lermos o texto na pura camada denominativa, isto é, como um conjunto de afirmações sobre a realidade, esbarrarmos em contradições e impossibilidades excessivas, sobretudo quando tais contradições e incongruências não puderem ser explicadas por inépcia ou incapacidade do autor. Quando o autor se revela um sujeito inteligentíssimo e ao mesmo tempo coloca contradições e incongruências que até uma criança perceberia, é sinal de que está escondendo alguma coisa --- como se costuma dizer, não está "dando ponto sem nó"; está querendo alguma outra coisa. Nesse caso, precisamos supor que, além do sentido explícito, existe o intuito de empreender uma ação na cabeça do leitor visando a produzir algum efeito que pode ser de ordem política, cultural, religiosa etc. No caso de Descartes, esse efeito levou muito tempo para ser produzido. Creio que somente a partir do século XIX --- dois séculos depois de publicada a obra --- torna-se realmente claro o que é o cartesianismo. Hoje em dia esse efeito está mais claro do que nunca.
Há umas aulas atrás, quando lemos a apostila Os Dois Métodos, mencionei a questão dos famosos sonhos de Descartes que, segundo ele, orientaram todo o sentido de sua vida filosófica. É preciso admitir que, embora Descartes relate a sua descoberta fundamental --- a descoberta do cogito, da função estruturante do ego, do ego como centro e pilar da realidade --- e a descreva como efeito de uma longa pesquisa e de um longo trabalho crítico, quando voltamos atrás e investigamos esses sonhos, vemos que tudo já está dado lá. Não é que uma coisa exclua a outra: o sujeito pode ter uma inspiração inicial e depois levar um tempo para que aquilo se desenvolva por outros meios. Mas esses sonhos, ao mesmo tempo em que nos colocam na pista da origem da ideia do cogito, também contêm a explicação do parágrafo onde ele diz que caminha mascarado.
Qual a necessidade da máscara? Excluído o temor da Inquisição, que não funcionava na Holanda, tem de haver alguma outra explicação. Continuemos com a leitura de Étienne Couvert.
"Em 10 de novembro de 1619, Descartes se encontrava na Suábia, onde teve contato com vários membros de uma seita de tipo rosacruciana. E a um desses membros, Isaac Beeckman, ele disse o seguinte: 'Eu estava adormecido e você me despertou'."
Provavelmente ele recebeu algumas iniciações que lhe abriram a mente para algo que lhe pareceu ser a verdade. Ele teve uma espécie de iluminação gnóstica. Nesse dia, 10 de novembro de 1619, ele sonhou que estava caminhando para a capela do colégio La Flèche --- um colégio jesuíta onde ele havia estudado --- para rezar quando então um vento impetuoso o desviou da igreja. Ele diz que estava sendo empurrado em direção à capela por um espírito mau. O espírito mau o estava levando para a capela para rezar, quando vem um vento impetuoso e o desvia do caminho. Ele diz que esse vento era o sinal do espírito da verdade que descia sobre ele para possui-lo. Então aparece no ar o verso "quod vitae sectabor iter?" --- "que caminho de vida eu devo seguir?". Logo em seguida aparecem também em latim as palavras "est et non" --- "sim e não" ---, a que Descartes dá imediatamente uma acepção quase pitagórica, ou também parmenídica: existe o caminho da verdade e o caminho da falsidade. É nesse momento que ele se desvia da capela do colégio La Flèche e experimenta, segundo conta, "um brusco e súbito deslumbramento". Nesse brusco e súbito deslumbramento evidentemente estavam condensadas todas as intuições filosóficas fundamentais que ele desenvolveria mais tarde.
Mas onde já se viu um espírito mau conduzir o sujeito à igreja para rezar? E onde já se viu o espírito da verdade desviá-lo da igreja por qualquer motivo que seja? O que podemos observar é que todo o restante da obra de Descartes, apesar de não ser exatamente um empreendimento de demolição da tradição filosófica anterior --- já que ele jamais a discute em parte alguma ---, faz com o leitor exatamente o que o vento impetuoso fez com o próprio Descartes: desvia do caminho, chama a atenção para outra coisa, de forma que o leitor esquece aquilo que estava indo fazer antes de ser desviado.
Não podemos dizer que a tradição aristotélico-escolástica foi derrubada ou contestada a partir dessa época. Ela não foi sequer discutida. Houve simplesmente um desvio. O sujeito desviou-se dela e passou a prestar atenção em outras coisas. Apareceu aí, como se diz atualmente, um novo paradigma: uma nova chave interpretativa do todo na qual as questões discutidas até então cessaram de fazer sentido. A mudança de paradigma consistiu em tornar o pensador mais adequado a ela mesma. Como o paradigma mudou, foi necessário pensar em outros assuntos e temas, levantar outras perguntas mais adequadas a essa nova situação criada pela própria mudança de paradigma. Foi exatamente isso que René Descartes fez.
Uma das mudanças fundamentais colocada por Descartes, sempre sob a aparência mais ortodoxa e "carola" possível, é a introdução de certas ideias que mudariam completamente a noção que as pessoas têm de Deus e de Suas relações com o mundo criado. Essa mudança foi tão profunda que dura até hoje, sendo que ninguém lembra qual a sua origem. [00:20] Prestem atenção no que ele diz agora:
"Que me deem a extensão e o movimento e eu refarei o mundo".
Ou seja, Deus fez o mundo na base da extensão e do movimento e se Descartes ou qualquer um de nós tivesse na mão o controle desses dois elementos seríamos capazes de criar o mundo. Ele prossegue:
"Ainda que a vontade de Deus tenha uma potência material incomparavelmente maior que a minha, nem por isso deixa de ser verdade que ela espiritualmente não é maior do que a minha, na medida em que a minha vontade é o poder de fazer uma coisa ou deixar de fazê-la, de afirmar ou negar, de seguir em frente ou fugir."
Sendo assim, segundo Descartes, qual a diferença entre Deus e o homem? Deus tem mais força física, mas a liberdade interior da qual Ele desfruta --- o poder de fazer ou não, de dizer ou calar, ou seja, a total liberdade de decisão --- é igual à nossa. A única diferença substantiva entre Deus e o homem é que Aquele tem mais força física. Deus possui o controle da extensão e do movimento.
Na época em que foi escrito, talvez não tenham prestado muita atenção no parágrafo acima. Vejam que, de acordo com a doutrina da Igreja, muito antes de criar o universo físico, Deus tinha criado todo o mundo espiritual, isto é, o mundo dos anjos. Se a única diferença entre Deus e o homem é que Aquele tem a força física capaz de criar entes físicos, e se espiritualmente o homem e Deus são idênticos, seria o caso de pedir para Descartes criar um anjo. Naturalmente ele não poderia fazê-lo.
Vemos que a definição de Deus como criador do universo material, ou seja, como sendo aquele que estruturou o mundo material e o pôs para funcionar, é uma definição exclusivamente moderna. Não encontramos essa definição nem na escolástica, nem nos primeiros padres, nem em lugar algum. Quando se fala do Deus criador no contexto da doutrina católica, fala-se de algo que transcende infinitamente a criação do mundo material. O mundo material, segundo Santo Tomás de Aquino, vem depois de uma sucessão de determinações anteriores, depois de toda a estruturação das hierarquias angélicas que criam o campo de possibilidade dentro do qual será possível a criação do mundo material. Descartes salta sobre tudo isso e cria um dualismo onde de um lado há um Deus puramente espiritual, que miraculosamente tem o controle do mundo material, e do outro um espírito humano que também miraculosamente não tem poder sobre o mundo material. Por um lado, aparece a separação absoluta entre espírito e matéria, sem nenhuma mediação, e por outro a função de Deus fica reduzida à de criador do mundo material.
Mas o mundo material, uma vez constituído, tem suas próprias leis e pode continuar funcionando indefinidamente sem nenhuma intervenção da Providência Divina. Descartes elimina a Providência: Deus criou o mundo e não interfere mais a partir daí. Essa é a concepção que vai, aos poucos, se impor dentro do próprio meio cristão e constituir a noção popular de Deus que se tem hoje. Comenta Étienne Couvert:
"Isso quer dizer que o homem é igual a Deus por seu espírito, mas que lhe falta a força material; Deus não ultrapassando o homem senão pela criação da matéria. O que quer dizer também que o espírito é inteiro reduzido à vontade, e que esta vontade é por sua vez reduzida à indiferença do julgamento em relação aos bens particulares finitos e limitados."
Quer dizer que a capacidade que você tem de escolher é uma espécie de capacidade criadora da vontade. Ou seja, não existem bens objetivos que determinam a sua vontade; esta está livre para escolher o que quiser. Na concepção tradicional, é claro que a vontade tem essa liberdade, mas existe uma escala objetiva de bens que não são determinados pela vontade. Esta escolhe entre o mal e o bem ou entre um bem maior e um bem menor. Toda a graduação do bem não depende da vontade. Ela não está totalmente livre para escolher porque é determinada também pelo intelecto, que percebe na constituição dos entes objetivos o seu bem e o seu mal.
Qualquer pessoa pode testar isto: quando você vai tomar uma decisão, escolhe entre bens, mas esses bens não foram criados por você; você apenas os encontra. Em outras palavras, se você fizer uma coisa, vai ter um determinado resultado bom ou mau, e se fizer outra, o resultado será diferente. Esse conjunto de relações de causa e efeito entre a escolha e suas consequências não é determinado pela vontade.
Essa graduação do bem objetivo faz parte da criação. Só que em Descartes tudo isso desaparece. Sobra apenas, por um lado, um mundo composto de extensão e movimento e, por outro, uma vontade absolutamente livre que faz o que quer sem ser determinada por nenhuma escala objetiva do bem e do mal.
Existe a famosa tese de Lívio Teixeira, Ensaio sobre a moral de Descartes, na qual ele realmente demonstra que, embora Descartes seja conhecido como um filósofo racionalista, toda a sua moral é de tipo voluntarista, baseada mais na vontade do que na razão, sendo nesse sentido uma espécie de precursor de Nietzsche. A vontade --- que não é determinada por nada, por nenhuma escala objetiva de bens --- é assim porque o mundo objetivo é constituído, segundo Descartes dirá mais tarde, tão somente de extensão e de movimento. Ou seja, é um mundo puramente físico onde nenhuma determinação do bem ou do mal está contida objetivamente nas criaturas e onde, portanto, a vontade está livre para escolher. O mundo em volta não tem significado moral: não existem bem e mal externos ao homem. Este escolhe o que quiser e do jeito que quiser.
Prossegue Étienne Couvert:
"Descartes não compreendeu aqui a analogia do ser, que é uma similitude e não uma igualdade nas relações, ao passo que os termos relacionados são radicalmente heterogêneos."
Há de fato uma analogia entre Deus e o homem no sentido em que Deus cria não somente o universo material, mas também as próprias almas humanas e os espíritos angélicos. O homem também é capaz de fazer ou de "criar" alguma coisa, embora não seja certo dizer que o homem crie efetivamente alguma coisa --- a palavra "criação" é um pouco exagerada nesse caso. O homem não cria, mas simplesmente fabrica e monta alguma coisa: ele é o homo faber. Ele opera sobre elementos recebidos do mundo externo articulando-os de outra maneira. Na medida em que o homem "faz", há uma analogia com Deus.
Não podemos dizer que os animais, nesse sentido, efetivamente fazem alguma coisa. Mesmo os animais que constroem coisas, fazem-nas sempre iguais, sempre no mesmo padrão. Os animais não inventam nada, enquanto o homem está sempre buscando novas e diferentes maneiras, as mais [00:30] extravagantes, de combinar os elementos da natureza para produzir entes que não existem nela. Se você observar formigas construindo um formigueiro, cupins construindo um cupinzeiro, castores construindo um dique verá que construirão sempre da mesma maneira, com a mesma regularidade e repetitividade com que a própria natureza opera. Não se pode dizer que esses animais acrescentam algo à natureza. Já no caso do homem, vê-se que a multidão de máquinas e equipamentos que produz em nada se parecem com algo proveniente do mundo natural, como é o caso de um simples automóvel --- um ser inanimado que caminha.
Na medida em que o homem faz ou fabrica, ele tem um aspecto criador. Logo, existe uma analogia, isto é, uma mistura de semelhanças e diferenças: ele é semelhante a Deus porque faz ou produz alguma coisa, mas é diferente de Deus na medida em que Este cria do nada, e cria o próprio ser humano. Deus cria elementos que, por sua vez, são criadores de maneira analógica. Étienne Couvert está dizendo que Descartes toma uma analogia como se fosse uma igualdade:
"Aí não há somente diferença de grau entre a ação de criar e a de fabricar; existe uma diferença de natureza."
Ou seja, a fabricação de um produto pelo ser humano não é a mesma ação que Deus empreende ao criar o universo e ao criar as próprias almas humanas.
"No entanto, a analogia incide sobre a relação que existe entre o criador e sua criação, por um lado, e entre o obreiro e sua obra, por outro lado".
É possível nesse ponto notar a ideia do Deus-relojoeiro que surgirá mais tarde com Newton e Descartes: Deus montou um relógio, deu corda e este continua funcionando sem necessidade de novas intervenções. Embora Descartes não subscreva essa ideia --- ele até prega a ideia de uma criação permanente, de que Deus está criando o universo a todo o momento ---, a comparação entre a liberdade de Deus e a liberdade do homem já contém implicitamente a noção do Deus-relojoeiro que, sob a forma do mecanicismo newtoniano --- tal como exposto na versão de Voltaire mais do que na do próprio Newton ---, tornar-se-á dominante durante todo o século XVIII e XIX. A partir dessa concepção hipertrófica da liberdade humana é que Descartes opera a torção na qual o "eu" consciente se tornará o eixo de construção do universo.
"A partir dali, não é que a luz esclareça a coisa para que ela se torne visível, mas ela esclarece o interior do nosso espírito, para que ele apreenda em si mesmo as ideias e as formas das coisas."
Descartes colocará como supremo critério de veracidade a clareza e a distinção das ideias. Dizemos que uma ideia é clara quando não se confunde com nenhuma outra, e dizemos que é distinta quando suas partes internas não se confundem umas com as outras. Ou seja, a clareza vem pela diferença em relação a outras ideias e a distinção vem pela diferença entre suas partes. Quando Descartes, dentro de si mesmo, concebe uma ideia com plena clareza e distinção, admite que essa ideia seja verdadeira. Mas ao mesmo tempo ele considera que todas as percepções que temos de todos os objetos são ideias, isto é, são coisas que se passam na nossa mente. É a mesma coisa de dizer que se eu enxergo algo é porque meu olho está enxergando e que, por isso, enxergar é uma atividade do meu olho. Mas o olho não tem a capacidade de produzir aquilo que vê. Você pode concluir isso facilmente ao testar a atividade de um sentido pelos outros sentidos. Por exemplo, se você vê uma banana, pode comê-la e sentir gosto de banana, mas se você simplesmente concebe uma banana, não pode comê-la e ela não terá gosto. Os objetos da vida real têm essa multilateralidade que a nossa mente não consegue reproduzir. Quando Descartes muda o critério de veracidade --- antes tido como o acordo ou harmonia entre o que é pensado e o que aparece no mundo exterior --- e o transforma num critério puramente interior --- o critério de clareza e distinção das ideias ---, a clareza e a distinção passam a ser os elementos fundantes de todo o universo da filosofia.
Mas aí temos o seguinte problema, assinalado pelo próprio Étienne Couvert: a clareza e a distinção não são qualidades primárias que você possa apreender desde o início, mas o resultado de uma elaboração. Você tem de fazer uma análise crítica para chegar à clareza e à distinção, e muito antes de ter clareza e distinção sobre o que quer que seja você já tem a percepção de milhares de objetos que o cercam. A experiência primária do Ser não é de maneira alguma clara nem distinta, mas é, por assim dizer, a de uma presença multitudinária e confusa no mais das vezes. Isso acontece mesmo com a percepção do nosso mundo interior como, por exemplo, a percepção dos nossos sentimentos: quantas vezes eles não aparecem mesclados e difíceis de definir? A clareza e a distinção só aparecerão quando você fizer um exame crítico retroativo dessas ideias, o que não pode ser feito sem um aprendizado. Este aprendizado, por sua vez, depende da cultura adquirida e até de você ter estudado filosofia. Isso quer dizer que o que Descartes apresenta como um princípio fundante não o é de maneira alguma; é o resultado de uma elaboração altamente complexa.
É aí que reside a raiz daquilo que assinalei na apostila Descartes e a Psicologia da Dúvida, a saber, que Descartes se propõe a fazer uma autobiografia interior, começa a falar do seu "eu" concreto e, de repente, passa a falar do "eu" filosófico constituído de pura consciência de si mesmo, que já não é o seu "eu" biográfico, mas um "eu" abstrato e universal. Ele passa de uma narrativa autobiográfica a uma dedução lógica sem perceber. Essa dedução lógica não tem mais validade biográfica. Ele não está contando coisas que efetivamente aconteceram, mas está deduzindo coisas que teoricamente aconteceriam a qualquer "eu" que fizesse a mesma análise. Existe aí uma espécie de salto repentino para fora das condições reais da experiência e uma passagem a outra esfera que é puramente racional e dedutiva. Aparentemente Descartes não percebe que passou de uma coisa para outra.
A raiz disso já está colocada [00:40] na noção de que a verdade chega a nós através de ideias claras e distintas, quando, na verdade, muito antes disso, ela chega através da presença difusa de um universo inabarcável e frequentemente vago. Por outro lado, a verdade também nos chega através do aprendizado, da tradição cultural etc. Para podermos chegar a qualquer verdade que seja, precisamos desse duplo aporte: primeiro, da presença das coisas diante de nós e da nossa presença diante das coisas; e em segundo lugar, de toda a tradição cultural que nos ensinou a falar e a raciocinar, que nos fez estudar filosofia etc. Quando buscamos o fundamento que está por baixo de tudo isso, de maneira alguma encontramos ideias claras e distintas.
A presença do Ser é um elemento primário --- se não existe presença do Ser, nenhum problema se colocaria. Porém, nesta presença do Ser não se consegue nem mesmo distinguir o que é exatamente a presença das coisas a nós e a nossa presença às coisas; tudo isso aparece misturado. Por exemplo, considere as coisas de que você tem medo. Esse medo está exclusivamente dentro de você ou está na coisa temível? Um cachorro pitbull rosnando para você é temível em si mesmo e, portanto, você tem medo dele. Onde termina o elemento objetivo --- o caráter de coisa temível que está no objeto --- e começa o seu medo enquanto acontecimento puramente subjetivo? Se as duas coisas fossem absolutamente separadas, não haveria conexão entre o fato de você ter medo e o fato de você estar diante de uma coisa temível. Sendo assim você poderia ter medo de qualquer coisa. Você olharia para a parede e ficaria com medo dela. Não é assim que as coisas acontecem. Essa zona de interseção nebulosa entre o objetivo e o subjetivo faz parte da própria experiência primária da realidade. Não há ali nada de claro e distinto.
Acontece que Descartes quer localizar o fundamento da verdade em alguma característica interna do pensamento e certamente foi levado a essa decisão por aquela experiência do sonho. Na hora em que ele está se dirigindo à igreja do colégio para rezar --- ele está sendo levado lá por um espírito maligno! ---, vem um vento que o desvia --- o espírito da verdade --- e lhe mostra as palavras "sim e não". O que é o "sim e não"? É a clareza e a distinção: ou é ou não é. É a distinção entre o que é o que não é. Naquele sonho já estava dada a ideia de que a verdade não está na igreja para onde ele se dirigia e nem muito menos no ato de rezar na igreja, mas na ideia clara e distinta, ou seja, na perfeita linha demarcatória entre o sim e o não, que, por sua vez, dificilmente está bem definida na experiência primária da realidade.
Por exemplo, se você tem amor a uma pessoa, é porque vê algo de amável nela. Ela tem alguma coisa que atrai o seu amor de algum modo. Se você for pela linha cartesiana, o amor é uma pura decisão da vontade que não tem nada a ver com a presença ou a ausência dos caracteres amáveis na coisa. Assim você deveria ser capaz de distinguir entre as várias emoções humanas sem levar em conta os seus objetos. Mas acontece que a emoção desligada do objeto é loucura ou teatro. Mesmo no teatro, para se fingir uma emoção, é preciso ter algum elemento de realidade, no sentido em que o texto da peça imita alguma situação real que é análoga àquelas pelas quais você passou ou pode passar. Nunca é possível separar completamente esse mundo interior do mundo exterior.
O que o "espírito da verdade" faz com Descartes é desviá-lo de uma longa tradição --- que havia se desenvolvido na base da constante meditação dessas ligações entre exterior e interior, a ponto de definir a verdade como uma espécie de coincidência entre o exterior e o interior --- e colocá-lo num outro mundo de verdades puras, claras e distintas onde tudo pode ser discernido mediante o puro exame da mente por si mesma. O caráter de veracidade está dado inteiramente na mente humana, na consciência, independentemente de qualquer relação com as coisas.
Em seguida Espinoza levou isso às últimas consequências, dizendo que nada se aprende com a experiência e que só se pode chegar à verdade, a qualquer verdade --- Descartes não havia chegado a esse ponto ---, mediante a pura análise dos conceitos. Ele dava como exemplo máximo de verdade a construção dos objetos em geometria. Por exemplo, se você traça um segmento de reta, marca um ponto sobre o mesmo, desenha um semicírculo em torno do ponto e em seguida gira o semicírculo em torno do eixo formado pelo segmento de reta original, obtém necessariamente uma esfera. Não há como se obter outra coisa através desse procedimento. Espinoza considerava esse tipo de atividade construtiva da mente o suprassumo da verdade. Mas como ele poderia ter chegado a essa verdade se não tivesse olhos para ver ou se nunca tivesse visto esferas? Ou seja, como chegaria a essa verdade se não tivesse recebido da própria presença do Ser os vários objetos, cujas formas geométricas puras em seguida ele vai elaborar? Colocar essas verdades construídas da geometria como se fossem a coisa primária, supõe que você sabe geometria antes de ver o que quer que seja, o que absolutamente não é verdade. O que você pode dizer é que as formas e relações geométricas estão embutidas potencialmente nos objetos do mundo real e na capacidade construtiva da sua própria inteligência. Somente na hora em que uma coisa encontra a outra é que você pode falar da verdade das relações geométricas entre os corpos no espaço.
Prossegue Étienne Couvert:
"Descartes quer ainda uma razão inteiramente pura --- em estado de natureza, se podemos falar assim --- privada do socorro de um magistério que transmite uma tradição recebida; o ensinamento de uma verdade buscada e estudada por outros ante a qual a inteligência de cada um deve fazer um ato de humildade. A razão de que fala Descartes é uma razão que ainda está privada do habitus."
O que é um habitus? São virtudes e capacidades desenvolvidas pelo exercício, pela atenção, pelo esforço intelectual. Ele acredita que toda a capacidade da razão está dada pronta de uma vez para sempre. Mas como poderia Descartes pensar nisso se não existisse por trás dele mais de dois mil anos de geometria, desenvolvida pouco a pouco por gerações e gerações? É claro que, quando apreendemos certas relações matemáticas e geométricas, entendemos que elas sempre foram assim, ou seja, que são independentes da mente que as concebe. Porém, o fato é que você não nasceu conhecendo-as. Toda e qualquer verdade matemática tem esses dois aspectos: por um lado, é uma verdade pura, independente de que você a conceba ou não, mas por outro, continuaria desconhecida se você não a tivesse concebido num determinado momento. Sem esse longo aprendizado que se desenrola no tempo, você não poderia apreender essas relações supratemporais [00:50] da geometria, da aritmética e assim por diante. As matemáticas têm uma história sem a qual você não as aprenderia de maneira alguma. Descartes está supondo que o conhecimento de toda geometria e aritmética já está dado por natureza e que você não precisa receber nada de fora. Tudo vem pronto no "eu". É claro que se esse "eu" é tão poderoso assim, ele fica quase igual a Deus. Todavia, sabemos que na prática as coisas não se desenvolvem assim.
"Quando Descartes quer introduzir o cogito como ponto de partida de sua filosofia, ele deve, antes de tudo, rejeitar todos os conhecimentos anteriores na dúvida metódica, como ele a chama, isto é, uma dúvida artificial e sistemática. Havia nessa pretensão exorbitante uma atitude absurda: não se produz à vontade, por uma decisão arbitrária, o vazio do espírito."
Acredito que já tenha explicado este ponto até mais detalhadamente do que Étienne Couvert: a dúvida metódica é impossível! Não existe dúvida geral. Para formular uma única dúvida, sobre o que quer que seja, você precisa se apoiar numa multidão de certezas. Você toma uma série de coisas como verdadeiras e, dentro desse conjunto, aparece uma que lhe parece duvidosa. A dúvida generalizada paralisar-se-ia a si mesma no instante em que surgisse. Neste ponto nos lembramos da ideia da máscara: Descartes finge uma dúvida metódica, mas não a pratica efetivamente. Ele não pode fazer isso. Ele diz que faz, mas não faz.
"Quando começamos a refletir, a filosofar, temos uma matéria sobre a qual nosso espírito trabalha."
Essa matéria é constituída de todas as suas experiências anteriores e também da estrutura do seu próprio ser, incluindo as partes que você não conhece. Tudo isso está presente. Você nunca trabalha no vazio.
"Temos dados primeiros: objetos de conhecimento sobre os quais podemos elaborar uma reflexão. Nunca se pensa o nada, mas se pensa alguma coisa."
Então ele diz exatamente o que eu tinha explicado em outra oportunidade --- lembrando que eu li este livro esta semana.
"Essa posição da dúvida metódica pode-se dizer, mas não se pode praticar."
É curioso que aqui, pela primeira vez neste livro --- embora não de maneira muito clara ---, vejo levantado o tema do fingimento. O fingimento é um dos elementos mais básicos da filosofia moderna. O que Descartes diz sobre "caminhar mascarado" aplica-se a Maquiavel, a Michel de Montaigne, a Galileu e ao próprio Newton. Existem algumas gerações de filósofos que nunca dizem o que estão realmente vendo, e aquilo que estão vendo também não coincide exatamente com aquilo que você pode ver. Imaginem o efeito global que centenas de ideias, doutrinas e livros criados em cima dessas atitudes de fingimento --- onde o indivíduo mostra alguma coisa e esconde outra fundamental de tal modo que esta última se revela através do próprio fingimento a quem quer que tenha paciência e coragem de investigar --- podem ter exercido sobre os três séculos subsequentes. Estamos em uma cultura que nasceu de um fingimento geral. Justamente naquela época apareceu a cultura barroca, na qual a metáfora do teatro era a coisa dominante --- o mundo como um teatro.
Já expliquei que quando Descartes vai apresentar sua concepção do mundo físico, ele o faz sob a forma de uma obra de ficção. Mas por que um filósofo que é sobretudo um cientista natural expõe as partes metafísicas, epistemológicas etc. sob forma tratadística e quando vai tratar daquilo que é verdadeiramente substantivo para ele, que é a natureza física, o faz como ficção? Isso mostra que ele quis que você acreditasse seriamente na parte filosófica, mas que aceitasse a parte física, científico-matemática, apenas como uma hipótese. Ou seja, a parte físico-matemática não tem nenhuma importância. Ele nem acredita nem não acredita nela. O fundamental está na parte propriamente filosófica.
Creio que, até certo ponto, isso se aplica ao próprio Newton, quando coloca como fundamento da construção da sua lei da gravitação universal a ideia absolutamente fictícia de espaço absoluto e tempo absoluto. O espaço absoluto é o espaço sem nada dentro. Ora, mas o espaço não é senão a possibilidade de que haja coisas. Se não há coisas não há espaço. Por outro lado, o tempo absoluto, segundo ele, é um puro transcurso sem acontecimento. Mas se nada acontece como você pode falar de tempo? O tempo é a condição de possibilidade de acontecerem coisas, e nada além disso. O tempo e o espaço não são substâncias. Quando Newton coloca esses dois elementos entre as premissas da sua construção e depois desenvolve todo o resto com uma complexidade matemática admirável, tenho a impressão de que ele quis menos que você acreditasse nesse resto do que nas duas premissas, porque essas são também premissas das concepções teológicas do próprio Newton. Se você observar a vida de Newton, verá que ele dava muito mais importância aos seus combates teológicos do que à parte físico-matemática. Você não precisa acreditar na lei da gravitação universal, mas precisa acreditar em tempo absoluto e em espaço absoluto, porque Newton precisa disso para chegar às suas concepções teológicas, que na verdade eram concepções de tipo islâmico --- uma espécie de princípio da unidade absoluta. Newton não acreditava na Trindade. Deus para ele era uma unidade absoluta, e não a unidade trina do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Para fundamentar isso, ele precisava do tempo absoluto e do espaço absoluto. Note que a lei da gravitação universal pode ser concebida sem esses dois princípios. Não tenho habilidade para acompanhar os cálculos de maneira exata, mas há pessoas que conhecem a coisa e dizem que se esses dois princípios forem retirados toda a máquina da gravitação universal continua funcionando. Mas acontece que esses dois princípios serviam, ao mesmo tempo, para fundamentar a física e a teologia de Newton.
Do mesmo modo, Descartes não faz questão de que você acredite na sua concepção física do mundo, mas quer que você acredite que o "eu" só difere de Deus pela maior força material de Deus e que o "eu" é o fundamento e o centro de todas as verdades. Daí surge o seguinte problema: como eu disse acima, às vezes a filosofia do indivíduo deve ser lida na clave apelativa porque não se destina a provar que as coisas são de uma forma ou de outra, mas a produzir um efeito. Ele induz as pessoas a pensar em certas coisas nas quais ele mesmo não precisa acreditar. Ele nem mesmo precisa se definir em relação àquelas coisas; não precisa saber se acredita nelas ou não. Basta que o leitor acredite --- e isso por algum motivo que não interessa sondar aqui.
"Se nós podemos duvidar, como pretende Descartes, de todos os objetos reais que nos rodeiam e que percebemos ao longo dos dias da [01:00] existência, como poderíamos não duvidar, com mais forte razão, de um mundo sobrenatural do qual não temos nenhuma percepção direta?"
Em nenhum momento Descartes põe em dúvida a existência de Deus. Ele a afirma. Mas como posso colocar em dúvida todo o mundo material pelo qual estou rodeado sem, ao mesmo tempo, colocar em dúvida um mundo sobrenatural que não vejo de jeito algum? Vejam aí a inversão. Todos nós temos a certeza de que estamos no mundo. Alguns pensam que, acima deste, existe outro mundo e outros pensam que não. Mas ninguém põe em dúvida, de fato, este mundo aqui. O que pode se pôr em dúvida é Deus, o sobrenatural, os anjos etc., mas não este mundo em que estamos. Para colocar qualquer coisa em dúvida, eu preciso estar neste mundo. Para colocar este mundo em dúvida eu preciso estar aqui, porque se ao colocar o mundo em dúvida eu estiver fora do mundo, ninguém vai ficar sabendo. Isso quer dizer que a descrença em Deus segue necessariamente o método cartesiano, embora Descartes afirme o contrário. Se você pode colocar em dúvida tudo o que vê, com muito mais razão colocará em dúvida aquilo que não vê e de que não tem nenhuma experiência. Uma coisa segue necessariamente a outra. Descartes reitera, a todo o momento, que seu objetivo é converter os pecadores e trazer todo o mundo para a Igreja Católica, mas o que ele está fazendo é botar todo mundo para fora, exatamente como aquele vento do "espírito da verdade" que o afastou da igreja. Eis aí a máscara.
Étienne Couvert aproveita alguns elementos de um livro de Maxime Leroy chamado Descartes, le philosophe au masque --- Descartes, o filósofo com máscara. Fiquei interessadíssimo ao ver a citação e acabei de encomendar o livro. Quanto mais cavo nesse terreno da cultura do fingimento, mais elementos descubro para sustentar a minha hipótese de que toda a filosofia moderna foi uma imensa encenação. Maquiavel foi o primeiro que disse: "Eu não digo nenhuma verdade que conheço, mas quando encontro uma verdade eu a escondo". Mas não foi só ele que fez isso. Newton, Galileu e Descartes também o fizeram, assim como praticamente todos os filósofos do ciclo moderno.
Ao rastrear esse fenômeno, algumas perguntas surgem inevitavelmente. De onde veio essa coisa do fingimento? Por que fazer isto com tanta persistência? O que custa dizer a verdade como vocês a veem? --- vocês são capazes de fazer isso, porque quando querem o fazem. Por que o fingimento se tornou tão importante?
Não tenho nenhuma resposta para essas perguntas. Creio ser o primeiro a levantar a questão da cultura do fingimento como origem de todo o ciclo moderno, o que explica por que depois de dois ou três séculos chegou-se a uma confusão tão inextrincável a ponto de confirmar aquilo que havia sido previsto por Giordano Bruno quando disse: "Se continuarem assim vocês vão acabar duvidando de que vocês mesmos existem". Podemos dizer que esse ciclo moderno se origina de uma operação destinada a encobrir suas próprias origens. Ou seja, a história que nos é apresentada foi montada justamente para encobrir a verdadeira história. O intuito de fingir está ali desde o início. Se você procurar direito, encontrará várias declarações desse tipo. Por exemplo, todos os comentadores dos ensaios de Michel de Montaigne vão dizer que este é o primeiro sujeito que descreve os seus estados interiores, as suas experiências, com uma notável sinceridade. Só muito recentemente começaram a aparecer estudos que abordam os procedimentos retóricos de Michel de Montaigne e chegam à conclusão de que todo esse negócio é montado para dar certa impressão, para exercer certo efeito cultural.
Se rastrearmos a origem da tradição do fingimento e da mentira, encontraremos seu primeiro florescimento geral justamente na origem da gnose. Conforme explica Étienne Couvert neste livro maravilhoso1, durante muito tempo acreditou-se que a gnose fosse uma espécie de sincretismo, uma fusão de elementos que vinham do Oriente com outros elementos gregos, judaicos etc. Ele diz que atualmente, depois da descoberta dos manuscritos gnósticos em Nag- Hammadi, em 1946, sabe-se que não foi nada disso. A gnose não se compunha desses elementos. Ela era algo original, completamente novo, e simplesmente usou vários elementos de tradições anteriores para se enfeitar e se cobrir de um prestígio que não tinha, criando, portanto, uma série de linhagens espirituais perfeitamente inexistentes e uma unidade fictícia entre elementos que eram completamente díspares e desconexos. Foi criada essa tradição dos grandes iniciados juntando Orfeu, Moisés, Pitágoras, Buda etc., como se todos estivessem mais ou menos dizendo a mesma coisa, o que é evidentemente apenas um reforço retórico dado à gnose. Mas qual seria o fundamento, o objetivo direto da gnose quando surge?
Existe certo consenso na Igreja Católica de que o fundador da gnose foi Simão, o mago, um famoso adversário de São Pedro, o primeiro Papa. Simão ofereceu dinheiro a São Pedro para que este lhe desse acesso aos mistérios de Cristo.
Vejam que Jesus Cristo, em todo o seu ensinamento, não dá nenhum acesso direto ao conhecimento último da verdade. Ele não dá nenhum fundamento de certeza, mas anuncia uma possibilidade: você pode chegar até Deus se agir de determinada maneira. Mas primeiro você tem de se reformar: tem de deixar de ser mentiroso, safado etc. e tem de se modelar de novo à imagem da perfeição divina, que o criou originariamente e da qual você foi afastado pelo Pecado Original. Então, na medida em que você vira um homem novo, pode saber algo de Deus --- mesmo assim, não vai saber tudo. O que acontecerá é que você terá acesso à salvação. Você terá uma experiência parcial, como se fosse um ensaio geral. Você poderá ter momentos de percepção da sua imortalidade, mas não terá aquela certeza definitiva. Você vai viver na insegurança. O conhecimento que você terá disso será sempre imperfeito e é por isso que você precisa da fé: você precisa permanecer fiel àqueles poucos momentos de inspiração que você teve, porque a sua tendência é esquecer.
Quando expliquei o conceito de imortalidade, disse que em determinados momentos você chega a ter a percepção clara de que é uma alma imortal, mas cinco minutos depois tudo se apaga. E por quê? O cérebro, com sua atividade incessante, encobre aquela percepção. O cérebro é o elemento da natureza física que está afetado pelo Pecado [1:10] Original. Quase tudo que o cérebro produz é besteira: ideias ociosas ou, como diz a Bíblia, "pensamentos da carne e do sangue". Não é você que está pensando, são a carne e o sangue que estão produzindo, por automatismo, milhares de ideias, sentimentos, imagens etc., que encobrem tudo e o estupidificam de novo depois de você ter tido aquela intuição maravilhosa. Mesmo quando você tem acesso a verdades fundamentais, em seguida as esquece. E na hora em que as esquece o que faz? Você nega, como o próprio São Pedro veio a negar Jesus Cristo: "Não conheço este homem".
O problema dos gnósticos foi justamente este: Simão, o mago, ofereceu dinheiro a São Pedro para ter acesso aos mistérios. Ele fez a oferta porque acreditava que era possível adquirir o conhecimento dos mistérios de uma vez por todas e tornar-se dominador. Vamos supor que São Pedro tivesse aceitado a oferta: "Você me dá o dinheiro e eu lhe dou o batismo, e você vai ter a mesma incerteza que os demais cristãos têm". Ele estaria enganando o pobre Simão, o Mago. Então São Pedro despreza o sujeito e não aceita o dinheiro. Mas isso não aconteceu apenas porque ele ficou ofendido com a oferta de compra das coisas divinas. Ele também sabia que não podia vender as coisas divinas porque não as tinha, não era dono, não tinha controle sobre a coisa. Simão, o mago, por sua vez, quis comprar porque acreditou que teria um certificado de propriedade de uma vez para sempre.
Aí aparece na gnose a ideia de que o acesso supremo aos mistérios é feito através da conquista de um conhecimento que, uma vez adquirido, pertence a você e por você é controlado. Toda a linha de desenvolvimento da gnose ao longo dos tempos é baseada nisto: você vai alcançar um patamar do qual nada mais pode lhe derrubar. É o que Guénon chama de identidade suprema. Uma vez que você chega à identidade suprema ninguém o tira mais de lá.
Todavia, isso só funciona como figura literária. Vemos que Deus não é sábio só de vez em quando, isto é, Ele não tem o conhecimento universal e absoluto apenas de vez em quando, mas o tem sempre. Isso é absolutamente imutável. Por outro lado, nenhum ser humano enquanto tal pode ter esse conhecimento, porque o ser humano é mutável. De que valeria e como seria concebível uma criatura mutável, fraca e relativa ter o conhecimento total e absoluto de uma vez para sempre? Ela não conseguiria reter esse conhecimento por um minuto que fosse. Mesmo os maiores sábios e iniciados da humanidade tiveram momentos de estupidez, como, por exemplo, quando Buda comeu um peixe estragado --- se ele soubesse que estava estragado não o teria comido.
A identidade suprema é uma metáfora, não uma coisa real. Porém, Simão, o mago, quis comprá-la como se fosse uma coisa real e São Pedro, sabendo que não possuía a escritura de propriedade daquilo, não pôde vendê-la. Ele respondeu a Simão, o mago, de maneira brutal, mas poderia até ter respondido educadamente com um "lamento, meu filho, mas não posso vender o que não tenho". Essa seria uma resposta igualmente válida.
Criar a mitologia dos grandes iniciados, em que todas as grandes figuras da humanidade pareciam formar uma cadeia única de ensinamentos, foi evidentemente uma maneira de sustentar a empulhação gnóstica da identidade suprema. Desde os primeiros séculos, os gnósticos acostumaram-se a produzir uma infinidade de livros, atribuindo sua autoria a outras pessoas. Espalhou-se, já no primeiro século, uma montanha de textos que não são propriamente apócrifos, como diz Couvert, mas pseudoepígrafes: textos atribuídos a pessoas que nunca souberam daquilo. Imagine a confusão que isso pode ter criado e que nos afeta até hoje.
Por exemplo, recentemente divulgou-se o tal Evangelho de Judas e alguns tentaram considerá-lo um texto altamente significativo, que poderia ser até mais importante e revelador que os próprios Evangelhos canônicos. Só que reconhecidamente aquele texto foi escrito mais de duzentos anos depois dos acontecimentos e atribui retroativamente outro papel histórico a Judas. Teria sido Judas, e não São João, o discípulo querido de Jesus Cristo, e o próprio Jesus o teria mandado entregá-lo às autoridades romanas etc. Judas aparece como um iniciado, cuja história deve ser interpretada toda às avessas. Muito bem, isso foi uma ideia que um sujeito teve. Só que ele teve essa ideia duzentos anos depois dos acontecimentos e o que quer que ele diga a respeito não é um testemunho sobre o que aconteceu, mas outra história que ele mesmo inventou. Do mesmo modo, o famoso Evangelho de Tomé, que nunca foi escrito por Tomé, e outros milhares de evangelhos de outros fulanos que jamais os escreveram.
Essa prática da falsificação nasce, creio eu, da própria tragédia gnóstica, daquele impulso impotente de chegar, conquistar e dominar a identidade suprema e escapar da incerteza que tornava absolutamente necessário para os cristãos o elemento "fé". Notem que a fé não substitui o conhecimento, mas existe por causa da impossibilidade que temos de possuir esse conhecimento de uma vez por todas. Temos sinais em certos momentos, mas não nos transformamos nesse conhecimento. Continuamos os mesmos idiotas que éramos antes. Mesmo que alguém ache que tenha chegado à santidade, no dia seguinte comete um pecado e cai de novo, porque está sempre na incerteza. Não existe nenhuma maneira de o próprio Deus infundir esse conhecimento em nós de uma vez para sempre, porque não existimos fisicamente de uma vez para sempre. Claro que, por um lado, somos almas imortais, mas, por outro, somos animais mortais. Este dualismo, esta necessidade de viver em dois andares, em dois planos ao mesmo tempo --- dois planos que nunca se encaixam perfeitamente um no outro --- é verdadeiramente a condição humana da qual não existe escapatória. A escapatória é a morte evidentemente.
Naqueles depoimentos que mencionei em outra aula, extraídos do livro de Craig Hogan, praticamente todas as pessoas que passaram por experiência de ressurreição contam que, quando se viram mortas, suas inteligências começaram a funcionar com uma rapidez inacreditável. Elas entendiam tudo instantaneamente, mas não é que entendessem a totalidade. Ou seja, não é que você vai morrer e instantaneamente terá o conhecimento total do que Deus sabe. A passagem desta vida para a outra vida não é uma passagem para a eternidade. Eterno, só Deus. Você não pode ser eterno. Deus não teve começo e não tem fim, enquanto você só não terá fim, mas teve um começo. Isso significa que você continua vivendo numa espécie de temporalidade, ainda que muito mais ampla e sem a perspectiva do fim; mas ainda há acontecimentos. Você tem uma vida depois desta vida. Não se trata de uma passagem para a eternidade; é outra vida, outra existência, onde existe acontecimento, mutação etc., mas não da maneira como acontece aqui. [1:20]
O que podemos saber a esse respeito? Podemos saber muito, mas esse muito comparado com a coisa mesma é um nada. Você só tem acesso a esse muito de duas maneiras: ou estudando a doutrina ou mediante a concentração da consciência do seu verdadeiro "eu", que é o "eu" permanente por baixo de todas as mutações, o "eu" que abrange tudo da sua vida. Das duas maneiras você fica sabendo algo, mas por uma maneira você sabe apenas como conceito e pela outra apenas por uma intuição momentânea e parcial que você esquece dois minutos depois. Não que esqueça totalmente, mas esquece qualitativamente. Você se lembra que entendeu certas coisas, porém já não está vendo aquilo com aquela luminosidade, com aquela claridade, e agora a coisa lhe aparece tingida por nebulosidade, por dúvida, por incerteza etc.
O conhecimento humano é uma espécie de ponte entre a incerteza e a fé, e não passa disso. Por sua vez, os gnósticos, naquele desespero de obter um conhecimento que se incorpore neles para sempre e os garanta contra a morte, são levados a essa atitude verdadeiramente psicótica de querer comprar os mistérios e de inventar toda uma coleção de histórias malucas para sustentar a ideia de tradições, de uma continuidade inexistente e de identidades que são analogias mal feitas, como por exemplo, entre Cristo e Orfeu, Cristo e Pitágoras, Cristo e Buda etc.
Claro que, por baixo dessa rede de mentiras, existe sempre alguma verdade. Não existe mentira completa. É tudo uma questão de grau. Se entendermos toda essa mitologia gnóstica, se for entendida como uma elaboração poética humana, ela terá alguma analogia com a verdade. Depende de como você a encara. Mas, se você a levar a sério literalmente, entrará na tragédia gnóstica, que é a impotência de chegar à identidade absoluta e, portanto, a necessidade de viver na mentira.
Na época de Descartes houve um florescimento gnóstico absolutamente incontrolável. Praticamente todos os filósofos dessa época tiveram contato com alguma organização secreta, com alguma iniciação, e saíram de lá cheios de porcaria na cabeça. E foi isso que eles passaram para nós. Cada um deles era apenas uma pessoa humana afetada por todas as incertezas e fraquezas que nós temos, mas ao mesmo tempo precisando dar a impressão de que tinham captado, por assim dizer, o próprio espírito da verdade e que estavam falando como emissários do supremo mistério. Isso foi o que inaugurou a cultura moderna. Quando, três séculos depois, você vê as guerras do século XX, a confusão generalizada, loucura, drogas, revoluções, genocídios, holocaustos, toda essa porcaria, entende que só podia terminar assim mesmo e que é chegado o momento de limparmos toda essa sujeira, isto é, voltar às origens da cultura moderna e impiedosamente desmascará-la: o que é mentira é mentira, o que é verdade é verdade.
Não é possível fazer isso sem encontrar, por sua vez, um ponto de apoio que não seja aquele que essa gente buscou. Eles o buscavam na certeza do ego cogito e na certeza matemática. Nenhuma das duas pode nos levar a reconquistar uma posição efetiva no corpo da realidade, mas existem alguns pontos de certeza nos quais podemos ter apoio. Acho que o primeiro ponto de certeza é o cogito compreendido à maneira de Santo Agostinho, e não como o compreendia Descartes: não o "eu" das certezas claras e distintas, mas o "eu" da confissão; o "eu" que sabe o que fez, o que pensou, e que é no fim o único que pode dizer a verdade a respeito de si mesmo, ainda que sabendo que dentro dele existe o elemento de mentira e fingimento interno. Aquele que disser que nunca fingiu para si mesmo, que sempre foi um sujeito totalmente sincero, que sempre disse para si todas as verdades, está mentindo. Sabemos que dentro de nós existe uma constante luta entre a vontade de autoconhecimento e a vontade de autoengrandecimento ou de autojustificação, na medida em que ora nos colocamos como confidentes de Deus, ora nos colocamos perante a sociedade humana como forças agentes que querem se defender, dominar, manipular etc. Somos essas duas coisas ao mesmo tempo: esta natureza composta e cheia de antagonismos do ser humano é o primeiro elemento que temos de confessar.
Cada um de nós é uma guerra. Existe uma guerra dentro de cada um de nós e não temos como escapar dela. Mas, na medida em que você adquire a consciência de imortalidade e pode se confessar perante Deus, alcança ali alguma certeza. É uma certeza de tipo puramente histórico, uma certeza quanto ao que você fez, ao que você é, quanto à vida que viveu e quanto a sua capacidade de distinguir entre a sua vida e outras vidas. Você não se confunde com as outras pessoas --- não só fisicamente e não só pelo lugar que você ocupa no espaço. Você tem uma história que é somente sua, não a do vizinho. Ele passou por outras coisas diferentes e nós sempre sabemos disso. Esse é um ponto de partida. O outro ponto de partida é a famosa ideia de Lavelle da presença do Ser. Você sabe que nunca esteve no vazio, nem por um milionésimo de segundo. Você está num espaço-tempo repleto de coisas.
Existe outro método além do método cartesiano: este método que eu mesmo chamei de método confessional. Na medida em que existe a confissão, existe o reconhecimento das realidades que você não pode mudar, que tem de aceitar como elementos internos da sua consciência tão logo você percebeu que são impostos desde fora e desde cima, e que não se pode fugir deles de maneira alguma.
Aluno: Quando o senhor falou que Descartes coloca em dúvida o conhecimento, imediatamente me lembrei da passagem da Bíblia em que o apóstolo João exorta alguns irmãos da Igreja lembrando que muitos dizem que amam a Deus sem, contudo, amar o próximo, o irmão, que são aqueles que eles estão vendo. Então, no mesmo momento, eu trouxe para mim mesmo aquilo que o senhor falou de Descartes. Muitas vezes eu digo que amo a Deus, mas tenho muita dificuldade de lidar com o próximo e amar àquele que eu vejo. (...)
Olavo: O aluno fez uma analogia entre o que falei sobre Descartes, que colocava em dúvida o que estava ao seu alcance, mas ao mesmo tempo afirmava resolutamente a existência de Deus, sabendo que essa existência seria colocada necessariamente em dúvida depois, [1:30] e um trecho da Primeira Carta de São João que diz que as pessoas afirmam que amam a Deus, mas, no entanto, não amam ao próximo, que está, por definição, muito mais próximo. A primeira situação está se referindo à relação de conhecimento e a segunda à relação de amor, mas no fundo a analogia é válida.
Porém, Descartes vai um pouco além da mera afirmação da existência de Deus quando diz que vai entrar no método da dúvida sistemática, mas que, durante esse tempo, vai continuar vivendo e tendo de tomar decisões. Para isso, ele resolve formular o método de uma moral provisória que vai seguir como se fosse verdadeira durante aquele período, até que depois possa examinar os princípios da própria moral. Mas veja a frase que Étienne Couvert descobriu e para a qual foi o primeiro a chamar a atenção. Diz Descartes:
"Não seguir menos constantemente as opiniões mais duvidosas, uma vez que eu estivesse determinado a isso, do que se elas fossem, ao contrário, muito seguras..." (...)
Essa é a regra: vou continuar seguindo as regras duvidosas como se elas fossem seguras.
"(...) E é então uma verdade muito certa que quando não está em nosso poder discernir as opiniões verdadeiras, devemos seguir as mais prováveis."
Mas como pode haver uma verdade certa no instante mesmo em que ele está colocando todas as verdades em dúvida? O fundamento mesmo que ele alega para seguir a moral provisória é contraditado pelo princípio da dúvida metódica. Como um homem inteligente como Descartes não pôde perceber algo evidentemente tão inconsequente? Na verdade, pergunta em seguida Couvert:
"Mas por que eu vou seguir os princípios da moral provisória? Como é que posso fazer isto pela razão quando não há nenhuma razão determinante de que essas regras sejam seguidas? Por que estas regras e não aquelas?"
Se não há nenhuma diferença substantiva que torne uma regra mais determinante do que outra, como posso, pela razão, seguir esta e não aquela? Portanto, não é a razão que está orientando a minha conduta, é alguma outra coisa. Por baixo dessa apologia do conhecimento racional há um fundamento totalmente irracional. Poucas pessoas perceberam a semente da confusão no centro de tudo aquilo. Um dos que perceberam foi o grande pregador Jacques-Bénigne Bossuet, um escritor maravilhoso da língua francesa. Ele diz que no começo leu Descartes e não percebeu nada. Achou que estava tudo bem e que este era um escritor cristão etc. Aos poucos foi se tocando de que havia ali um problema e chegou à seguinte conclusão:
"Vejo um grande combate preparar-se contra a Igreja sob o nome da filosofia cartesiana. Vejo nascer de seu seio e dos seus princípios mais de uma heresia e prevejo que as consequências que se tiram daí contra os dogmas que nossos pais sustentaram vão tornar a Igreja odiosa e fazê-la perder todo o fruto que ela podia esperar para estabelecer no espírito dos filósofos a divindade e a imortalidade da alma. Destes mesmos princípios, outro inconveniente terrível conquista insensivelmente os espíritos, pois, sob o pretexto de que não se deve admitir senão aquilo que se entende claramente --- o que, reduzido a certos limites, é muito verdadeiro ---, cada um se arroga a liberdade de dizer: entendo isto e não entendo aquilo. E com base neste único fundamento aprova-se ou rejeita-se tudo o que se vê, sem pensar que além de nossas ideias claras e distintas, há outras ideias, confusas e gerais, que não deixam de encerrar verdades tão essenciais que as negando subverteríamos tudo".
É o mesmo ponto já abordado: as ideias claras e distintas não são de maneira alguma primárias, nem são fundamento das outras. Há conhecimentos importantíssimos que não lhe chegam claros e distintos de maneira alguma e é destes que você tem de partir porque não se pode negá-los. Entre esses, o primeiro é a presença do Ser. Há alguma coisa mais indefinida e menos clara do que a presença do Ser? Não se tem nem como defini-lo. Só se pode dizer que não temos a experiência do nada. Nós nunca estivemos no nada. Só temos a experiência de alguma coisa, o tempo todo, incessantemente, sem qualquer interrupção por mais mínima que seja. Isso não é uma ideia clara, de maneira alguma, muito menos distinta, porque não se sabe os seus componentes internos, que podem ser de um número indefinido --- infinitos na verdade. Mas se só aceitamos as ideias claras e distintas, a primeira que é colocada entre parênteses é a presença do Ser, a qual, no entanto, é absolutamente necessária para que o próprio problema da dúvida metódica possa ser colocado.
Percebe-se que houve uma inversão: o que é certo e evidente, o que é fundamental, foi colocado em segundo lugar, e uma simples operação mental é colocada em primeiro, como se fosse o fundamento de tudo. A partir daí, a possibilidade de se montar certas teses filosóficas como argumentos torna-se mais importante do que o reconhecimento daquilo que você já sabe. Há um predomínio da argumentação sobre a percepção. Até hoje, essa ideia de que não se pode acreditar em nada que não se possa provar impregnou-se na nossa cultura a ponto de que a prova se torna mais importante do que o conhecimento. Todavia, sabemos que a prova é apenas um complemento de que às vezes você precisa quando existe uma dúvida justificada a respeito disto ou daquilo. Qualquer pessoa que se reduza à condição de só poder acreditar no que se pode provar, fica com sua inteligência paralisada automaticamente. Foi essa paralisia que Descartes criou, essa obsessão pela prova. O próprio Mário Ferreira dos Santos caiu nessa com o que ele chama de Método da Suspicácia --- não aceitar nada de que não se tenha provas suficientes. Isso é praticamente impossível, além de inviável e inconveniente.
Ao contrário, temos de nos instalar na realidade tal como a experiência a traz até nós. Não se pode negar a experiência. Não se pode negar aquilo que se sabe. É preciso reconhecer o coeficiente de incerteza e de nebulosidade. Esse coeficiente é o ponto de partida. Desde pequeninos estamos na nebulosidade e, depois de meditar uma vida inteira sobre a nebulosidade, percebe-se que é esta a condição humana. A busca da certeza é inteiramente justificável, mas ela não pode servir de pretexto para a negação da verdade conhecida. Não se pode negar uma verdade incerta em nome da busca da certeza.
Aluno: (...) O problema que encontro é a facilidade que tenho para dizer que amo a Deus e que não tenho para dizer que amo ao próximo. (...)
Olavo: É o mesmo problema que acontece com a questão do amor a Deus e do amor ao próximo. Afinal de contas, você não tem experiência de Deus.
Aluno: (...) Para mim, a dificuldade que encontro é a de lidar com um Deus que amo, que sirvo, que adoro, e que é abstrato.
Olavo: Esse negócio de amar a Deus e não amar ao próximo é o mesmo problema de você amar a humanidade enquanto odeia as pessoas. A humanidade é um conceito abstrato e fácil de alegar que se ama. Stalin podia dizer que amava a humanidade e por isso mesmo mandou matar sessenta milhões de pessoas. O Deus a que se refere São João, assim como a humanidade a que se refere Stalin, são abstrações e, portanto, absolutamente inofensivos: não podem lhe incomodar no mais mínimo que seja. [1:40] Entretanto, o próximo como ente real pode lhe incomodar, atrapalhar e ser muito inconveniente.
Do mesmo modo, a certeza que Descartes tinha da existência de Deus ficava automaticamente neutralizada porque não havia Providência. Deus não interferia nas coisas. Quando surge a ideia do mecanicismo --- o mundo funciona por uma série de regras mecânicas que foram determinadas de uma vez para sempre --- torna-se evidente que não deve haver intervenção da Providência. Mais ainda, quando Deus é reduzido à condição de "criador do mundo material", Ele praticamente deixa de ser o criador da alma individual.
Já expliquei isto muitas vezes: a relação que Descartes vê entre a alma e Deus é uma relação mecânica. Para ele, Deus é uma coisa externa, uma certeza externa, não um componente da própria alma. Já ressaltei aqui a experiência agostiniana da falta de fundamento do próprio "eu". É justamente essa a pista para perceber Deus como um componente, como uma força que o instaurou e que o está sustentando no Ser naquele mesmo momento, sem nenhum outro motivo razoável senão o amor que Ele tem por você. Aí Deus se torna um elemento efetivamente interno da alma. Ele não é só o criador do mundo, mas o seu criador também. Você percebe que foi criado, que saiu do nada. Você não é uma necessidade cósmica. Você não existe da mesma forma que existem os primeiros princípios da lógica. Sua existência é contingente.
Perceber a contingência do próprio "eu" impediria Descartes de fazer tal comparação e dizer "eu tenho a mesma liberdade interior que Deus". Eu não tenho a mesma liberdade porque não escolho entre alternativas que eu mesmo criei. Escolho entre possibilidades de ação que estão no mundo exterior, dentre as quais eu consigo discernir o bem e o mal, um bem maior de um bem menor, um mal maior de um mal menor. Tudo isso me é dado, não é criado por mim. De maneira alguma se pode dizer que o "eu" tem a mesma liberdade interior que Deus. Essa é uma noção totalmente artificial e fingida. Digo sinceramente que não é possível que Descartes acredite nisso, embora queira que você acredite e que, mesmo professando a sua fé em Deus, na verdade esteja dizendo que Deus é você mesmo e que só há uma diferença de força física entre um e outro. Mas essa diferença de força física significa em última instância que Deus aprisionou esses deuses maravilhosos em um mundo que lhes é adverso. Porque se cada um tem a liberdade interior igual ao do próprio Deus, mas está limitado pela matéria, somos exatamente como a gnose afirma: um espírito divino aprisionado na matéria da qual temos de nos libertar.
Toda essa parafernália foi montada para transmitir, no fim das contas, uma crença gnóstica. Entende-se por que o sujeito teve de fazer isso mascarado. Descartes teve de transmitir isso como se fosse a própria doutrina da Igreja. Ao fazer isso, ele repete um procedimento que foi também o dos primeiros gnósticos, que pegavam as pessoas e começavam a pregar o Evangelho tal como Jesus Cristo ensinara. Repetiam a mesma coisa e ainda reclamavam que o pessoal da Igreja os chamava de heréticos, enquanto ensinavam a mesma coisa, com toda a inocência. Só que no meio modificavam a nuance, o peso de cada coisa, de modo a que o ouvinte chegasse à mesma conclusão de que era uma centelha divina presa num mundo material criado por um deus mau e que, portanto, não havia a culpa humana. A culpa do mal era do próprio Deus. Você inverte o negócio: o Juízo Final passa a ser o julgamento de Deus e não do ser humano.
Agora vejam o que Descartes diz sobre a moral provisória --- Étienne Couvert achou as frases decisivas:
"Adotar a moral provisória me libertou de todos aqueles arrependimentos e remorsos que costumam agitar as consciências daqueles espíritos fracos e cambaleantes que se deixam constantemente levar a praticar como boas as coisas que eles julgam ser más."
Ou seja, ao adotar a moral provisória ele se tranquiliza e não tem mais o problema do bem e do mal. É aquele negócio de "viver sem culpas". Até escrevi um artigo chamado Viver sem culpas, onde menciono que todo aquele pessoal da USP --- Marilena Chauí, Giannotti etc. --- diz que gosta muito das religiões africanas porque nelas não há moral e você pode viver sem culpas. Este "viver sem culpas" significa livrar-se completamente da possibilidade da culpa e também da incerteza de uma vez para sempre, ou seja, você chega ao conhecimento da verdade última e definitiva. Você chega à identidade suprema onde são resolvidos todos os problemas e automaticamente está acima do Bem e do Mal. Esse é o sonho gnóstico e, no fundo, é isso que Descartes está transmitindo.
Aí se entende porque ele tinha de fazê-lo de maneira mascarada. Não porque algo fosse lhe acontecer de mal --- como o Santo Ofício iria alcançá-lo na Holanda? ---, mas se percebessem o truque desde o início, haveria uma reação aos seus escritos e estes não penetrariam com a facilidade com que penetraram. Quando chega o século XVIII, praticamente todo o ensino universitário já é cartesiano. No século XIX a escolástica tinha sido esquecida a ponto de Victor Cousin --- um filósofo francês importantíssimo que, como ministro da educação, criou todo o sistema universitário do ensino da filosofia do século XIX --- estar um dia passeando às margens do Sena onde há aqueles sebos, os bouquinistes, achar um livro de um tal Tomás de Aquino que ele não conhecia, e ao começar a ler exclamar: "Olha! Até que este negócio não está muito errado". Vejam só: quando Cousin já era um filósofo conhecido não sabia quem era Santo Tomás. Quando se vê as concepções que Kant tinha a respeito da escolástica, nota-se que ele ignora tudo. A coisa simplesmente sumiu do alcance.
E pior! Os argumentos cartesianos eram usados agora para defender o cristianismo contra o materialismo. Descartes tinha tomado conta do ensino universitário. Toda a concepção gnóstica passa por ele. Mais ainda, na medida em que se vê este Deus reduzido unicamente à condição de criador do universo físico e ao mesmo tempo se espalha nas consciências o método da dúvida metódica, Deus se torna apenas objeto de fé cega. O abismo entre conhecimento e fé está montado, quando na realidade a própria noção de fé subentende o conhecimento. Até hoje nos debates públicos as opiniões se dividem entre a ciência de um lado e a fé de outro, mas estas duas "entidades" não existem, são hipóstases. Não existe uma coisa chamada ciência e uma coisa chamada fé; isso realmente não existe. E não se consegue construir um edifício teológico inteiro baseado em fé; isso é absolutamente impossível.
Por exemplo, quando no Evangelho as pessoas iam até Jesus Cristo pedir-lhe a cura de uma doença, [1:50] elas faziam realmente isso ou somente tinham fé que faziam? Elas tinham uma experiência e experiência é conhecimento. O elemento de fé estava tão imbricado na própria experiência que não dá para separar uma coisa da outra. Quando o sujeito diz para Cristo que não pode se curar, mas que Ele pode porque é o Filho do Deus vivo, há este elemento de fé. Mas a cura foi apenas fé ou aconteceu efetivamente? Uma coisa é absolutamente inseparável da outra. Houve um fato, e dentro da composição deste fato há um elemento de fé que costura todos os outros elementos. Não dá para separar: aqui temos o conhecimento, ali temos a fé. Isso é absolutamente inviável. É uma coisa que pode ser dita, mas não pode ser praticada.
Por outro lado, em qualquer conhecimento humano o elemento de fé também está presente. Não é possível separá-lo. Por exemplo, qualquer conhecimento científico, por mais banal que seja, exige alguma fé na possibilidade de uma explicação racional que você ainda não possui. Isso sem contar os inúmeros casos em que a aposta em uma explicação racional futura já justifica uma tomada de posição desde já. Ora, o que é isso senão um ato de fé muito mais ousado até do que o caso do paralítico e do cego curados por Nosso Senhor Jesus Cristo? As curas foram imediatas. Não lhes foi exigida a fé para que conseguissem a cura dali a dez, vinte, cem ou duzentos anos. As pessoas acreditam piamente em todas as promessas da ciência. Assisti a um debate com Christopher Hitchens onde ele dizia que era contra a fé e que queria a razão e a ciência. A razão e a ciência para ele são coisas que existem, não o resultado de um esforço humano baseado na fé de uma explicação futura. É como se você tivesse nascido com o dom da razão completo e acabado. Não foi necessário que gerações e gerações tivessem apostado e trabalhado em torno daquilo, obtendo resultados aos pouquinhos, com um pouquinho de conhecimento rodeado por toneladas de fé.
A fé e a razão passam então a ser consideradas entidades tão separadas quanto um corpo está separado de outro no espaço. É claro que tudo isso é mitologia. É claro que são apenas imagens hipnóticas que não têm absolutamente nada a ver com a realidade das coisas. Não são objetos de experiência. Se pedirmos a Christopher Hitchens um exemplo de "razão" que tenha aparecido em estado puro ele não poderá dar porque não existe. A mesma coisa para um exemplo de "fé" que tenha surgido em estado puro: um sujeito que tenha fé em alguma coisa da qual ele nunca ouviu falar, da qual não tem experiência nenhuma. Isso não existe!
Onde Bossuet afirma a importância de ideias gerais confusas que encerram verdades essenciais, Étienne Couvert observa:
"O que Descartes chama de ideias claras e distintas --- que seriam as únicas portadoras, segundo ele, do caráter de evidência --- são as formas dos objetos conhecidos. São estes entes de razão, princípios ou axiomas matemáticos --- números, proposições deduzidas desses princípios --- modelados pela inteligência e pelas convenções necessárias do nosso espírito. São utensílios lógicos destinados a permitir a medida do real, na medida em que eles são extensão e movimento. São os conceitos mais universais, os mais desprovidos de conteúdo, os mais vazios..."
Esses são os primeiros princípios da lógica e da aritmética elementar. Essas seriam as únicas certezas.
"...sem a passagem pela percepção sensível. E, no entanto, o seu ponto de partida é mesmo o real exterior, mas na medida somente em que este é quantificável."
Ou seja, as únicas certezas são aquelas que obtemos quando extraímos dos objetos percebidos sensivelmente os seus caracteres matemáticos e lidamos somente com isso. Só que ele diz o seguinte:
"O que é conhecido pelo espírito, com certeza, não é o número, mas a coisa numerada."
O número é um aspecto que você discerne de uma coisa que percebeu. Se você não tivesse a certeza da percepção da coisa, muito menos você poderia ter da medida dela. É o que ele diz aqui:
"Dois nadas mais dois nadas não fazem quatro nadas. Duas árvores mais duas árvores fazem quatro árvores."
As árvores é que são efetivamente conhecidas e não o seu número. O número é algo que se extraiu delas por abstração, e se não houvesse do que abstrair não se chegaria a coisíssima alguma. Todas essas relações lógicas são construídas pela nossa mente. Elas possuem uma certeza na medida em que não afirmam senão elas mesmas, no sentido em que diz Descartes:
"A ideia clara e distinta é verdadeira porque eu percebo a sua clareza e distinção."
Percebe-se que se trata de um raciocínio puramente circular. Tudo isso não são nada mais do que véus em cima de véus: mentira, ocultação, fingimento, hipocrisia etc., construindo toda uma máquina, uma parafernália que, ao longo dos tempos, irá desencadeando o seu efeito sem que pelo menos as primeiras gerações percebam o que está se passando.
Esses procedimentos afetaram não só a Descartes ou a Maquiavel, mas a toda a filosofia do início da modernidade. Somos de certo modo colocados dentro de uma imensa arapuca onde ninguém pode dizer as coisas do jeito que está vendo. Tudo tem a necessidade do disfarce e sempre sob o pretexto do medo da Inquisição. Mas que medo da Inquisição havia na Inglaterra? Que medo da Inquisição havia na Holanda? Esses foram justamente os países de onde essas coisas se difundiram. O medo da Inquisição também é fingido. Descartes não tinha medo nenhum dela, pois estava completamente fora do seu alcance.
Comunicado de um aluno: Sábado, dia vinte e cinco de setembro, faremos o primeiro encontro dos alunos do Seminário de Filosofia em Portugal. Acontecerá na cidade do Porto e, em princípio, somos oito pessoas. Peço ao senhor que, por favor, comunique aos alunos em alguma de suas aulas, para que outros que estejam a viver em Portugal possam entrar em contato conosco, caso queiram participar dos próximos encontros.
Olavo: Para todos que estejam em Portugal ou que viajarão para lá, entrem em contato com José Roldão pelo e-mail: [email protected] --- Excelente! Aos poucos esses grupos vão se formando aqui e ali, e isso, evidentemente, potencializa o efeito deste curso.
Aluno: Muitas vezes tenho pensado se não é obra do maligno a derrubada dos grandes impérios da era moderna em um intervalo de tempo de menos de trinta anos --- Brasil, 1889, Rússia, 1917, Austro-Húngaro, Alemão e Otomano, 1918.
Olavo: É claro que pode ser, porém não podemos esquecer que a constituição desses impérios também teve a presença do maligno. [2:00] O surgimento dos Estados modernos, que depois se alastraram e tornaram-se impérios, é um processo que analisei no livro O Jardim das Aflições. Isso implicou na fragmentação da Igreja em igrejas nacionais. A própria França, mesmo continuando a ser católica, tinha a chamada igreja galicana onde as decisões fundamentais --- inclusive a nomeação de bispos --- eram tomadas pelo rei e não pelo Papa. Portanto, a maior parte dos conflitos históricos que existem não são embates entre o Bem e o Mal, são conflitos entre o Mal e o Mal.
Aluno: Como faço para me incluir no grupo de estudos estratégicos e ter acesso à bibliografia?
Olavo: Vou lhe dar o endereço do Jayme Neto que coordena isso: [email protected]. Também: [email protected].
Aluno: Acabo de me inscrever no curso e participar da primeira aula. Gostaria de saber o que tenho de fazer agora, o que tenho de ler, o material a ser adquirido...
Olavo: Por enquanto a única coisa que você deve fazer é ouvir as aulas. Você ouve a aula que estamos transmitindo agora e vai acompanhando desde a primeira. Nas aulas subsequentes eu passo alguns exercícios e recomendo algumas leituras. Não precisa se precipitar. Não há material algum que você precise comprar no início. Geralmente, quando indico um texto, na medida do possível a gente disponibiliza o texto no próprio site. Não pretendo sobrecarregar vocês de leituras obrigatórias durante este curso, mas tenho a impressão de que uma série de leituras vai se tornando naturalmente necessária e as pessoas mesmo descobrem o que elas têm de ler. Os exercícios, por outro lado, têm de ser feitos! Sobretudo passei vários na primeira aula. Esses têm de ser feitos não só uma vez, mas muitas vezes.
Aluno: Envio um depoimento sobre uma reflexão que fiz sobre o Curso de Filosofia e seus ensinamentos. Hoje, terça feira, 21 de setembro, fui fazer um favor para um amigo e no decorrer do trajeto, onde fui buscar o objeto a ser emprestado, fiquei pensando se a pessoa reconheceria minha atitude se ela soubesse o que tive de fazer para emprestar tal objeto. A ausência desse reconhecimento era confortada pelo conhecimento de que todo o bem que faço é através de Deus e que, mesmo o meu amigo não reconhecendo, eu me aproximaria de Deus por fazer um bem.(...)
Olavo: Mas isso é perfeito! O reconhecimento é bom para ele, não para você. Nunca precise de reconhecimento. Nunca precise de reconhecimento ou gratidão de ninguém, nem que seja sua mulher, seu filho, sua mãe, sua avó ou sua tia.
Aluno: (...) Desse modo fiquei pensando no amor de que somos feitos; e numa aula, em que o senhor disse que o que move o ser humano é o amor ao próximo, não o egoísmo hobbesiano na luta de todos contra todos, não demorei quatro minutos para meditar, refletir e concluir que o que o senhor tinha dito era a mais pura verdade. Desde então passei a meditar muito mais sobre isso. (...)
Olavo: Mas é claro. Se houvesse na sociedade humana a luta de todos contra todos ela não duraria dois dias. Pessoas que participam, por assim dizer, dos aspectos conflitivos são algumas poucas, e só participam de vez em quando.
Por exemplo, quando descrevi a questão das regras comunais, como as chama Zinoviov, observei que tais regras são importantes, mas não são uma luta de todos contra todos. O fato de você lutar pela sua sobrevivência e ascensão social não significa que você quer destruir os outros. Você quer o seu próprio bem evidentemente, o que não significa necessariamente querer o mal para os outros. Mais ainda: é impossível trazer qualquer benefício para si mesmo, por mais egoísta que seja seu objetivo, sem beneficiar outro alguém --- pelo menos a sua família.
Em todos esses casos, o que realmente fundamenta a sociedade humana é o amor ao próximo. Mas esse amor é imperfeito, cheio de contradições e limitações, devido ao pecado original. Todavia, o pecado original não modifica a nossa natureza --- modifica a nossa situação cósmica, por assim dizer, mas não a nossa natureza.
Aluno: (...) E hoje à noite, ao acabar de rezar, fiquei pensando na libertação que esse curso tem me proporcionado, pois agora não preciso mais ficar preocupado em me mostrar melhor para os outros, aparecer como estudante erudito, porque tudo o que sei é através de Deus. Se aprendi alguma coisa, é a Ele que tenho de perguntar e esperar a confirmação para saber a verdade.
Olavo: Isso aqui é fundamental. A ânsia de saber pode se transformar numa perversão em que acontece o mesmo processo cartesiano onde o seu conhecimento se sobrepõe à realidade. Na verdade, tudo o que sabemos nós esquecemos. Não temos a posse nem dos conhecimentos mais mínimos. Quantas vezes você não se esquece de coisas importantíssimas que conheceu ao longo da vida inteira? Nós não temos a posse do conhecimento. Se não existisse a atuação permanente da Providência Divina, que restaura a nossa inteligência, a nossa memória, não saberíamos absolutamente nada.
É justo e bom que você busque o conhecimento, mas com a confiança de que é Deus que vai restaurar o seu conhecimento e lhe ensinar o que for preciso. Ele --- e não você --- é a fonte do saber. Por isso, se você não tolera o estado de dúvida, torna-se um gnóstico que quer ter o conhecimento universal e a certeza de tudo. Esse conhecimento não é acessível a nós e não é absolutamente necessário. Para que me serviria ter o conhecimento universal e absoluto de todas as coisas? O que eu poderia fazer com isso? Nada! O ser humano tem o conhecimento proporcional à sua natureza e às suas possibilidades e isso é tudo.
Muitas vezes as pessoas entram numa busca errada da certeza e não a encontram, chegando à conclusão de que não há conhecimento algum. Fazem isso porque querem ter logo a certeza definitiva sobre as coisas mais importantes. Mas por quê? Por exemplo, você tem certeza daquilo que fez ontem? Não! O que você fez ontem é da sua conta e está na sua escala, no entanto, nem isso você consegue saber direito. Por que, então, você não parte dessas certezas mais acessíveis, mais elementares, mais modestas, e que são importantes para você, e aos poucos vai crescendo e adquirindo outras certezas? É o único meio possível. Mas a gente encontra moleques de quatorze anos que se perguntaram qual a finalidade de tudo o que existe, pensaram cinco minutos, não encontraram a resposta e concluíram que não há conhecimento e que tudo incerto. A coisa é de uma presunção absolutamente psicótica. Essas perguntas, que deveriam ser as mais nobres, transformam-se num meio de degradação e autodestruição da pessoa.
Aluno: Depois de ler as obras O crime do Padre Amaro e O Primo Basílio*, de Eça de Queiroz, e sentir que a humanidade é um balde de esgoto por causa das referidas, fiquei curioso em saber qual é a importância desse autor para nós.*
Olavo: Bom, é claro que pelos seus assuntos e temas Eça de Queiroz é um explorador de pequenas misérias humanas. Essas misérias existem, mas só têm algum sentido quando comparadas, por outro lado, à grandeza, à santidade etc. Se não há as duas coisas, comparar miséria com miséria é um nada. Mas você não pode esquecer que o próprio Eça de Queiroz percebeu isso, e quando escreve, por exemplo, A ilustre casa de Ramires, consegue fazer um contraste, uma tensão, entre os elementos de miséria e grandeza que existem no ser humano. É um livro bem melhor do que esses. Ele não parou naquele ponto. Eça de Queiroz é um exemplo, parece-me, de honestidade, progresso e aprofundamento na compreensão da vida. Sem contar que é um dominador tão perfeito da língua que não podemos deixar de aprender com ele. O crime do Padre Amaro e O primo Basílio não dão a medida de quem é Eça de Queiroz. [2:10] Leia A ilustre casa de Ramirez e Os maias e verá que Eça de Queiroz sabia muito mais do que no tempo em que escreveu os livros que você mencionou.
Aluno: Em livros de crítica literária, estilística, filologia e afins costumo encontrar uma grande inadequação no uso de termos como sensibilidade, emoção etc., como contrapostos a outros como razão, pensamento lógico e tais. Inadequação essa que, noto, vale mais por uma falha de expressão do que por uma falha de percepção. Esses e outros problemas me levaram ao estudo de o que seria a função que cabe à emoção e à emotividade humana no conhecimento. Grande foi a minha surpresa ao descobrir que Max Scheler reivindicara em sua Antropologia Filosófica um estudo especial a esse aspecto do homem que seria historicamente menoscabado. Algo que aparece sempre como um inimigo, que cega o espírito.
Olavo: Isso ainda é influência cartesiana. Ele resume tudo isso sob a denominação de "paixões". Paixão é aquilo que padecemos. Portanto, segundo Descartes, é algo determinado apenas por fenômenos que se passam no nosso corpo e que afetam a nossa racionalidade, impedindo que ela funcione como deveria. Você pode contrastar isso com o que dizia Hegel: "Nada de grande no mundo se fez sem paixão".
Claro que você pode ver as emoções pelos dois lados, mas não creio que em todos esses casos se tenha uma ideia muito adequada sobre o que é o fenômeno. Afinal de contas, se você fala "emoção" pode ser porque ficou com raiva e torceu o pescoço de um sujeito ou porque ouviu Johan Sebastian Bach. Você teve uma emoção nesses dois casos. Parece-me que a distinção qualitativa entre essas duas emoções não permite dizer que sejam espécies do mesmo gênero. O simples fato de você enquadrar tudo isso sob o nome de "emoção" ou de "sentimento", apesar de ajudar a expressar o que você quer dizer, não parece corresponder à natureza da coisa. Prefiro deixar este assunto para outra ocasião na qual tenhamos mais instrumentos para analisá-lo. Este não é o momento certo.
Por exemplo, eu disse que quando temos a experiência da alma imortal experimentamos uma sensação de júbilo. Posso chamar isso de emoção? Se um cão pitbull vem em minha direção para me morder eu também tenho uma emoção. Seriam duas espécies do mesmo gênero ou coisas absolutamente diferentes? Ainda não tenho a terminologia certa para explicar isso com muita clareza, embora eu veja com clareza.
Aluno: Assistindo a fragmentos do vídeo Soviet Story *me deparo com aquilo que concluo ser a consideração verdadeiramente em questão: o socialismo publicamente advogou o genocídio no século XIX e XX, com Marx e Engels em 1949. Primeiramente no jornal de Marx, Engels escreveu sobre a guerra de classes usando termos marxistas, apesar de não haver ali o capitalismo propriamente dito. Escreveu que sociedades primitivas como bretões, bascos, escoceses, sérvios, que não teriam como receber o socialismo e a revolução, deveriam ser eliminadas porque eram um lixo social. Karl Marx disse: "As raças e classes fracas demais para conduzir as novas condições de vida devem deixar de existir. Elas devem perecer no holocausto revolucionário". Minha pergunta é: foram eles quem de fato inauguraram a pregação pública do genocídio? *
Olavo: Documentadamente não se conhece outra pregação geral e aberta do genocídio antes de Marx e Engels. Quer dizer, não só uma pregação, mas uma justificativa. Há toda uma teoria histórica por trás dizendo por que essas populações deveriam ser eliminadas. Não há documentos sobre isso antes dos dois. Dizer que eles inventaram isso não é errado.
Aluno: Depois de assistir às aulas 56 e 57, em que o senhor falava do reajuste necessário de foco no que se refere à alma imortal, ocorreu-me a seguinte dúvida: se a vida só encontra sentido pleno após a morte, como se dava então a realidade humana no paraíso de Adão e Eva antes do pecado original? Existiu alguma espécie de metamorfose da alma logo após o pecado original?
Olavo: Trata-se de uma pergunta teológica. Sim, é exatamente esse o conceito do pecado original. Quando o homem cai do estado de graça, passa a sofrer uma série de limitações. Em relação a como se dava a realidade no paraíso de Adão e Eva, só há um jeito de descobrir: você tem de aprofundar a consciência da imortalidade. Não sou eu quem tem de responder.
Você pode ter algum conhecimento disso, muito vago e confuso, porém ao mesmo tempo inegável e autoevidente, mediante a concentração na consciência de que você é uma alma imortal. Você adquire esta consciência --- repito --- na medida em que --- isso aqui é fundamental! --- todas as experiências e vivências que temos são passageiras e fragmentárias. Você não é capaz de dizer que há uma que seja permanente. Mas, no fundo delas existe a consciência de que você é você mesmo, de que é um sujeito agente e ao mesmo tempo o recipiente das ações dos outros. Esse núcleo que só conhecemos através de uma "emoção", de uma identificação conosco mesmos, é o que verdadeiramente somos. Isso abrange tudo o que fomos e seremos em todos os momentos passageiros de nossas vidas. Se fôssemos constituídos apenas dessas experiências passageiras nós não seríamos absolutamente nada, não teríamos nenhum senso de continuidade entre elas.
Afinal, o que costura as nossas várias experiências? Não podemos dizer que seja a nossa consciência, porque esta também é intermitente. Existe algo abaixo dela que não é um componente da minha subjetividade, mas do meu verdadeiro ser, que faz com que eu entenda que todas as minhas experiências são minhas. Esse núcleo --- considerado não apenas em si mesmo abstratamente, mas concretamente como o portador, o personagem, o sujeito real de todos os acontecimentos grandes e pequenos de sua vida --- é você. Isso é a sua imortalidade, porque é a sua consistência permanente. Para despertar isso, basta se lembrar de uma coisa que você sentiu ou pensou quando era pequeno, quando tinha três anos, e saber que você ainda é o mesmo. Identificar-se com aquele que já passou e perceber que ele ainda está aí.
Mas onde ele está? No espaço? Não. Na sua memória? Se ele fosse somente um elemento da sua memória, significaria que ele não existe realmente, isto é, que existe somente agora como uma coisa pensada. Mas se você disser que isso é verdade, pode-se perguntar por que você está privilegiando este momento em relação àquele do passado. Por que este é real e aquele irreal? Não há nenhum motivo para isso. Frequentemente temos a impressão de que as nossas memórias só existem como pensamentos que estamos tendo agora. Mas o agora dura quanto tempo? Dois, dez, quinze minutos? Esse agora não existe! Só existe a realidade daquele ser que se prolonga no tempo, que continua existindo e que é tudo isso de modo sucessivo e simultâneo ao mesmo tempo. Essa é a substância do "eu".
Longe de acompanhar os teóricos da gnose e da Nova Era, que dizem que você precisa se livrar do "eu", eu digo que o "eu" é a única coisa que você tem. Mas falo do verdadeiro "eu", o "eu" inteiro, e não do "eu" do momento. O "eu" do momento é só uma imagem que você está tendo agora e que pode mudar amanhã. Um exemplo são as suas opiniões a respeito de você mesmo: eu já pensei mil vezes que era o rei da Inglaterra, um mendigo, [2:20] um gênio ou um idiota. São opiniões que tive. Mas quem teve essas opiniões? Eu! Então, esse "eu" que teve essas várias opiniões e que abrange a todas --- que abrange todo esse maço de conflitos, tensões, paradoxos e que ao mesmo tempo tem o sentimento de unidade de tudo isso --- é o verdadeiro "eu". É esse que Deus conhece.
Nossa imortalidade é tão inacessível, de tão difícil acesso para nós, quanto nosso simples "eu". Se você consegue saber algo do "eu", você sabe algo a respeito da imortalidade, porque sabe que esse "eu" verdadeiro não depende da existência de nenhum suporte físico. Ele é a condição de possibilidade de que exista um suporte físico porque o seu corpo também já mudou. Não existe uma única célula que esteja aí no seu corpo e que existia há vinte anos. Até a unidade do nosso corpo depende desse "eu" profundo. Portanto, você só pode existir no plano deste "eu". O resto não passa de impressões passageiras que se desfariam no ar se não existisse aquela continuidade. Você não pode dizer que aquela continuidade é feita pelo seu cérebro. O cérebro também muda. Quantas células do seu cérebro já foram queimadas? Você não pode dizer que o seu cérebro é o padrão de unidade... isso seria uma brincadeira.
Você tem uma existência que transcende a sua existência física porque esta não fica como está por um único segundo; está mudando o tempo todo. No entanto, você sabe possuir alguma realidade que lhe permite, inclusive, ser sujeito de responsabilidade moral. Se não tivéssemos esse "eu", não faria sentido ter responsabilidade moral. Podemos dizer: a unidade de um bichinho é somente a unidade daquilo que está na memória dele agora. Ora, mas nós sabemos que temos em nós coisas que não estão na nossa memória, mas com as quais contamos e que podem eventualmente ser trazidas à memória. Você é capaz de conceber um gato fazendo um esforço de memória para lembrar algo que tenha esquecido, mas que ele sabe que esta lá? Ele não pode fazer isso. Ele só tem a memória momentânea. Nós temos, abaixo da memória, uma continuidade que é o fundamento daquela, o fundamento da rememoração, o fundamento da reconquista do passado, o tempo redescoberto como dizia Marcel Proust. Leiam Proust para ver que coisa maravilhosa é essa. Você vai trazer à memória coisas que não estão lá. Como é que podemos fazer isso? É porque existe em nós esse elemento miraculoso que é o verdadeiro "eu". Muitas vezes quando falamos "eu" estamos nos referindo a este, e outras vezes estamos nos referindo apenas a um componente passageiro dele. Por isso o "eu" não é para ser jogado fora. Ele é a coisa mais preciosa que temos. Mas estou falando do "eu" verdadeiro, e não dos "eus" que você foi colando nele e que são, de certo modo, apenas partes dele. Na hora em que você percebeu sua unidade ontológica, percebeu também sua imortalidade. O esforço não é para pensar a imortalidade, mas simplesmente para pensar a continuidade do "eu".
Esse "eu" evidentemente tem uma forma. Ele não é infinito. Ele é limitado porque ele é você e não o outro. Tem coisas que o outro sabe e que você jamais saberá. Você está separado dos outros pelo conjunto dos dados de consciência que estão na sua memória e que podem ser recuperados e por outras coisas que podem vir a ser conhecidas no futuro. É este "eu" que pode falar com Deus, os outros não. E ele pode fazê-lo porque tem o atributo da perenidade. Na hora em que você percebe essa existência do "eu", percebe que ela em si mesma é algo miraculoso. Aquilo que você chama de "alma" foi criado. Houve um tempo em que ela não existia. Mas aquilo que Descartes chama de "eu" é apenas a consciência momentânea que um pensamento tem do próprio pensamento. Mas que coisa mais pobre! Ele chega ao "eu" por redução, como faz também o pessoal vedantino. Eles vão jogando fora as memórias, os sentimentos etc. Não é assim! Chegamos ao "eu" por inclusão. Se você jogar tudo fora o que sobrará? Um conceito vazio de "eu", como aquele puro feixe de consciência, aquela luzinha que está iluminando os objetos, como na fenomenologia e no vedantismo. Mas acontece que esse "eu" cartesiano, vedantino, husserliano, é apenas uma intencionalidade. É apenas um conceito abstrato. O "eu" que existe verdadeiramente é aquele que existe desde que você nasceu até agora, e do qual esse conceito abstrato é apenas uma impressão momentânea. E como é que uma impressão momentânea pode ser a base do "eu" verdadeiro? Não é possível!
Assim você entende pela primeira vez o que quer dizer "alma". Alma, nesse caso, já não é só o princípio animador dos corpos, como na antiguidade, mas o princípio animador junto com a consciência que é continuamente alimentada pela Providência, e que pode crescer e se ampliar indefinidamente. Isso é a minha alma! Eu sou tudo isso! Veja a infinidade de coisas que você sabe: informações que passaram por você por um segundo e que estão em algum lugar no fundo da sua memória, e que você pode recuperar. Isso tudo é você. Você nunca vê isso como um todo, mas como no poema de Mallarmé é nisso que você se transforma no ato da morte. Por isso as pessoas que tiveram experiência de ressurreição dizem que naquele estado de quase morte sabiam muito mais do que agora. Tudo aquilo que em nós aparece somente como sucessão e depois se perde para sempre, está presente ali de novo. Aquilo que dizem --- que antes da morte você recorda a sua vida inteira num relance --- é verdade, acontece mesmo, os depoimentos são muitos. Mas o que está presente não é só a sua vida, é tudo o que você sabe. Imagine que tudo o que você sabe --- todas as experiências que teve --- está ao seu alcance plenamente agora. Esse é o estado post mortem. Nesse ponto você poderia pensar que é igual a Deus, mas estaria errado: você é um só; só teve as suas experiências, não as minhas; continua sendo uma individualidade. Você ainda tem uma vida. Existe uma biografia post mortem. Isso é um mistério. Essa é uma das coisas que, como dizia Bossuet, podemos conhecer confusamente, mas, no entanto, sabemos que existe.
Tome um ser humano como exemplo. Está aqui a minha mulher. Vivo com ela há vinte e sete anos. Tenho por acaso uma visão clara e distinta dela? Não! As pessoas que conheço --- meus amigos, minha mãe, meus filhos... --- são, por assim dizer, névoas luminosas e distintas umas das outras, mas não as conheço como ideias claras e distintas porque não são criações da minha inteligência, são entes que encontrei na minha vida real. Eu mesmo sou para mim uma névoa luminosa. Não sou uma ideia clara e distinta. O "eu" cartesiano seria uma ideia clara e distinta, mas ele não existe. Quando Descartes diz que aquilo é perfeitamente verdadeiro no instante em que ele pensa, eu pergunto quanto tempo dura esse instante. Dois segundos, um segundo, um milionésimo de segundo? Você não sabe. Dizer isso e não dizer nada é exatamente a mesma coisa.
Aluno: Quando o homem é gerado não há aí uma criação de uma nova alma por parte do próprio Deus? Isto já não bastaria para destruir a hipótese do Deus relojoeiro?
Olavo: Perfeitamente. Deus pode ter me conhecido desde antes da criação do mundo, mas me cria num determinado instante. Eu era uma possibilidade na mente dEle. Ele efetiva essa possibilidade me tirando do nada. A criação das almas é o elemento fundamental da criação [2:30] e a estrutura do mundo é constituída sobretudo do sistema inteiro --- os gnósticos falavam do pleroma, mas vou usar a palavra pleroma em outro sentido --- das almas imortais. Isso é a realidade do mundo. O mundo físico foi feito apenas para sustentar a existência dessas almas durante um período, mas o pleroma das almas imortais vai continuar existindo eternamente. É a isso que se chama "o verdadeiro mundo".
Aluno: Não sei se compreendi bem, segue a pergunta: para Descartes então a realidade aparece à consciência humana com mais ordem, menos riqueza no final das contas, o que equivale a dizer que tal ordem, a estrutura do real, está, mais do que se pensava, acessível ao homem? A realidade agora é uma máquina e, porquanto máquina está mais sujeita à ação humana transformadora. A partir desta concepção aviltante da realidade e da equiparação do homem a Deus temos aí o germe da enfermidade revolucionária e do delírio científico da onipotência?
Olavo: Brilhante! Era isso mesmo que eu estava querendo dizer. Uma vez chamei Kant de o pai da porcaria. Kant é o pai, mas Descartes é o avô.
Aluno: O cogito cartesiano não é a repetição farsesca do pecado original?
Olavo: Sim! Vocês estão me entendendo às vezes melhor do que eu mesmo.
Aluno: Platão não é um autor que prefere usar a função apelativa da linguagem antes que a função denominativa?
Olavo: Sim e não. Ele alterna entre as duas. Platão está nitidamente exercendo uma ação, mas qual? Ele quer levar as pessoas para a visão de Deus, para a visão do Bem. Todas aquelas peças de teatro que ele fez --- os diálogos são peças de teatro --- visam inspirar as pessoas pra isso. Platão não tem uma doutrina definitiva que queira passar. Ele definitivamente não é um gnóstico. Ele não tem o segredo de tudo nem a identidade suprema. Ele tem aquela visão confusa, a luminosidade do Bem Supremo, e é para isso que ele está chamando as pessoas. É claro que ele usa a linguagem apelativa, porém nem sempre. Às vezes ele está realmente descrevendo a estrutura da realidade tal como a vê.
Aluno: O assunto de hoje não estaria coerente pelo menos em parte com aquilo que o senhor define como paralaxe cognitiva: o deslocamento às vezes radical entre o eixo da construção teórica do pensador e o eixo da sua experiência humana real? (...)
Olavo: Sim, mas quando eu chamo isso de paralaxe, estou apenas descrevendo a estrutura lógica do fenômeno. Não estou dizendo qual a origem da paralaxe e por que o sujeito chegou a ser vítima dela. Todavia, em alguns casos vemos que há realmente um autoengano, por assim dizer, não totalmente inocente, mas não premeditado. Em outros casos temos a ocultação premeditada. Acho muito difícil discernir onde há uma ocultação premeditada e onde há simples paralaxe. Em alguns casos você tem a documentação da ocultação, como é o caso de Descartes e de Maquiavel, mas em outros casos não. Então é preciso supor e, para não acusar ninguém injustamente, dizemos que em alguns casos houve trapaça e em outros houve apenas paralaxe --- mas esta está presente nos dois casos. Em um caso, o eixo da construção está deslocado em relação à experiência real, e no outro houve um deslocamento proposital. Esse deslocamento foi proposital no começo, mas que em seguida se torna estrutural e o indivíduo não pode mais voltar atrás. Para voltar atrás ele precisaria confessar que tudo o que fez está errado, mas não conheço nenhum caso de filósofo que tenha dito que tudo o que escreveu era uma imensa besteira e que teria de começar tudo de novo.
Aluno: (...) Sobre a gnose: não teria surgido no paraíso com o convite mentiroso "sereis como deuses"?
Olavo: Precisamente. Através do conhecimento do Bem e do Mal. Mas eu já expliquei isto outra vez: temos de conhecer o Bem e o Mal. Por exemplo: é feio você bater na sua mãe; sugiro que você não o faça. É feio estuprar uma garotinha de três anos; sugiro que você também não o faça. Então, conhecemos o Bem e o Mal nesse sentido, mas na referência bíblica trata-se de conhecer o Bem e o Mal como Deus os conhece. Deus determina o que é o Bem e o Mal, e ao conhecê-los como Deus os conhece você passaria a ser o determinante, como no caso de Descartes. Eu teria a liberdade total: o Bem e o Mal não existiriam na estrutura das coisas, eu é que livremente os determinaria. Não! Ninguém faz uma escolha totalmente arbitrária sem ter em conta os elementos de Bem e Mal que estão presentes nos próprios objetos. Você não consegue escolher uma gravata por um motivo totalmente arbitrário. Você pergunta para sua mulher se a gravata fica bem em você. Se a escolha fosse totalmente arbitrária você pegaria qualquer gravata --- uma fosforescente com o desenho de um peru --- e sairia pela rua. Embora tenha gente que faça isso.
Aluno: Estou fazendo um estudo junto com um amigo que está desenvolvendo o seu TCC sobre a filosofia da ciência. Eu o aconselhei a procurar o professor Alexandre Costa Leite, mas desde antes queria perguntar algumas coisas: 1. Existe a possibilidade de definir ciências exatas e humanas com o mesmo rigor conceitual?
Olavo: Eu tenho uma definição --- acho que suficiente --- de ciência: é a estabilização provisória de certas investigações filosóficas. Quando um debate filosófico prosseguiu por certo tempo e você esbarra em certas dificuldades que só podem ser resolvidas por meio de observações e experiência, então o conjunto das observações e experiências que preenchem esse intervalo se chama uma ciência. Toda ciência se destina fatalmente a voltar aos enigmas filosóficos que a constituíram inicialmente. Ciência é uma cristalização provisória de um conjunto de investigações que durante algum tempo pode prosseguir por meios estáveis e repetitivos até que isso leve a novas confusões de princípio e você tenha de voltar ao debate filosófico. Ciência é um intervalo na história do debate filosófico. Nesse sentido, tanto faz ser ciência exata ou humana. Aliás, as chamadas ciências exatas criam muito mais problema do que as ciências humanas. Por exemplo, quando Gottlieb Frege viu, no fim do século XIX e começo do XX, que os conceitos fundamentais da aritmética estavam todos confusos. O pessoal achava que sabia, mas percebeu que não sabia, de forma que se voltou de novo a questões filosóficas fundamentais. Essa ideia de que as ciências se tornaram autônomas em relação à filosofia é uma balela, uma bobagem, pensamento de gente que não sabe o que está falando. Essa autonomia é sempre provisória. As questões filosóficas de fundo continuam ali. Apenas acontece que para resolver certos problemas filosóficos é preciso esclarecer certas coisas no domínio experimental, de forma que durante algum tempo segue-se um protocolo metodológico fixo --- mesmo assim não muito fixo. Entretanto, fatalmente quanto mais uma ciência avança, mais ela volta aos enigmas filosóficos que a originaram. Nenhuma ciência se desliga jamais da filosofia.
Um exemplo disso foi quando coloquei o problema do debate astrológico. Li muitas coisas pró e contra astrologia e cheguei à conclusão de que aquilo estava enormemente confuso e de que era preciso esclarecer um pouco as coisas. Comecei a criar um processo metodológico para responder à seguinte pergunta: "qual é a possibilidade teórica de se colocar este problema de maneira cientificamente aceitável?" É claro que isso é uma investigação filosófica. Fui criando os métodos [2:40] necessários para isso até que cheguei a um limite. A partir dali, para responder à questão seguinte seria preciso um estudo experimental com uma casuística enorme, de que não disponho --- tenho dois ou três estudos que fiz a título de amostra. Uma investigação filosófica você faz com sua cabeça, papel e lápis, já uma investigação científica pode requerer muito dinheiro. Cheguei a um ponto de onde não dava pra prosseguir. Criei um aparato conceitual para colocar o problema.
A propósito, o debate astrológico é a coisa mais vergonhosa do século XX. É uma coleção de besteiras de parte a parte, pessoas opinando, tomando posição, como se aquilo fosse uma questão de dogma, por assim dizer. A começar pelo simples fato de as pessoas perguntarem se a astrologia funciona ou não funciona. Essa pergunta não é respondível se você não tiver meios de verificar se o fato astrológico --- as relações entre acontecimentos celestes e terrestres --- pode ser averiguado por algum outro meio que não seja o meio astrológico. Se não houver meio de investigar esses fatos fora dos cânones da astrologia, não dará para saber se a astrologia funciona ou não. A investigação sobre o fato astrológico, o fato verdadeiro ou presumido, tem de ser conduzida por outro método totalmente diferente. Apenas quando você tiver alguma clareza quanto a isso, poderá voltar à questão da astrologia como prática, como ciência, como pseudociência etc. No meio de mil e uma opiniões que foram lançadas a esse respeito, fui o único sujeito que tentou seriamente colocar o problema. Os outros não tentaram seriamente, simplesmente opinaram.
Algumas pessoas gostam de astrologia, outras não, mas ninguém colocou nem mesmo o primeiro problema: por um lado existe uma alegação de que há certas relações, mais ou menos constantes e identificáveis, entre fatos que se passam no céu em volta de nós e fatos que se passam aqui no planeta Terra. Por outro lado, existe uma série infindável de técnicas que foram desenvolvidas para supostamente decifrar e expor quais são essas relações. Essas técnicas é que se chamam astrologia. Mas as técnicas não têm nada a ver com o fato em si. O fato existe ou inexiste independentemente de existir astrologia ou não. Qual é o meio de averiguá-lo? Se você não criar um meio não astrológico de averiguá-lo o debate já acabou, pois jamais saberemos. Foi justamente para tentar resolver isso que criei aquele método que chamei pelo nome horroroso de astrocaracterologia --- que é totalmente diferente de qualquer método astrológico. O método tem o propósito de conferir se o que os astrólogos dizem é besteira ou não, com a ressalva de que no meio astrológico existem tantas teorias e técnicas quanto astrólogos.
Considero que os debates astrológicos do século XX foram um show de ignorância, dogmatismo e burrice como raramente se viu no mundo. O sujeito pergunta se a astrologia é uma ciência ou uma pseudociência. Mas é claro que não é uma coisa nem outra. Ela é um problema científico que jamais foi enfocado seriamente. Não é importante saber se existe alguma relação --- ou de sincronismo, ou de causa e efeito ou qualquer outra que seja --- entre fenômenos celestes e terrestres? Sobretudo depois daquela famosa pesquisa de Michel Gauquelin, que deu indícios fortíssimos de que existem essas relações, embora não como descritas pelos astrólogos. É um problema sério. Primeiro é necessária uma investigação filosófica, conceitual e metodológica e depois investigações científicas experimentais para preencher a coisa. Quando cheguei à parte das investigações científicas experimentais dei-me conta de que não tinha a menor condição de fazê-las. Alguém as faça se quiser.
Aliás, aviso: todo o material que foi dado no curso de astrocaracterologia --- os três cursos --- será disponibilizado num site filial do Seminário de Filosofia para os que estiverem interessados. Estamos preparando isso com a ajuda de Lúcia de Fátima Junqueira, que é a pessoa que mais estudou o assunto. Em breve isso estará online. Lúcia colecionou todo o material de todos os cursos que foram dados. Ela mesma fez, durante o Congresso do Instituto Brasileiro de Humanidades, uma exposição brilhante do método astrocaracterológico e acho que é a pessoa, no momento, que tem mais domínio da situação. Ela está nos ajudando a recompor o que foi dado nesses cursos e logo o material será disponibilizado. São questões interessantíssimas e importantíssimas.
Espero que isso tenha respondido à questão. Acho que as outras perguntas feitas pelo aluno ficam prejudicadas por essa definição.
Aluno: Apesar da confissão de Descartes, que se mostraria mascarado, não seria possível atribuir à sua afirmação "somos diferentes de Deus em potência, mas não em espírito" uma conotação similar à afirmação de Jesus Cristo: "Vós sois deuses"?
Olavo: De maneira alguma. A definição de Descartes exclui a criação das almas. Deus teria criado tudo como extensão e movimento. E as almas? E a própria consciência? E os mundos angélicos? Também são movidos por extensão e movimento? Não. Então o deus de Descartes definitivamente não é o nosso.
Passemos a algumas dicas para os grupos de estudo. Em relação ao grupo Mário Ferreira dos Santos, recebi esta mensagem de Eduardo Garcia de Queiroz:
Aluno: Todos os vinte e dois capítulos de A Filosofia da Crise foram distribuídos para os integrantes do grupo para edição. Desses vinte e dois, dezenove já foram editados e enviados aos alunos que farão a revisão. Tão logo receba dos editores os três capítulos faltantes, esses serão enviados de imediato para revisão. A expectativa do grupo é enviar para o professor Olavo o livro completo, editado e revisado na próxima semana. Se outros alunos do curso online quiserem passar a integrar o grupo Mário Ferreira dos Santos, por favor, mandem um e-mail para o coordenador Eduardo Garcia de Queiroz, e-mail: [email protected].
Olavo: Agora sobre o grupo de estudos estratégicos:
Aluno: Pelo que pude entender as reuniões serão após as aulas dos sábados do curso online de filosofia. (...)
Olavo: Estou fazendo as reuniões imediatamente sem interromper o final das aulas, quase dando continuidade, porque outras pessoas, mesmo não participando ativamente, podem ter curiosidade de saber o que está se passando. Então acho que deve ser parte integrante da aula.
Aluno: (...) E se alguém tiver dúvidas em relação às atividades, pode passá-las para o meu e-mail: [email protected]. O nosso site já está quase pronto. Algumas pessoas se opuseram, mas viram que o site é fundamental e pertinente para o núcleo (...)
Olavo: Eu também acho.
Aluno: (...) Por exemplo, com o site os livros estarão lá para serem baixados e eu não precisarei ficar enviando os livros por toda parte. (...)
Olavo: É importante que o acesso a esse site seja só com senha, porque não podemos publicar esses livros na internet. Criaria um problema de direitos autorais.
Aluno: (...) A apresentação dos livros com os respectivos responsáveis é a seguinte: Livro 1: Novas mentiras velhas*, de Anatolyi Golitsyn. Responsáveis: Carlos Velásquez, Juliano Müller e Pedro Henrique de Lima --- quem quiser ajudar, por favor, mande um e-mail para o Carlos: [email protected]. Livro 2:* False Dawn*, Lee Penn. Responsáveis: Cristian de Rosa e Everaldo Luz --- quem quiser ajudar, por favor, escreva para [email protected]. Livro 3:* La guerre asymétrique*, de Jacques Baud. Responsável: Fabrício --- quem quiser ajudá-lo escreva para [email protected]. Livro 4:* Le nouvel art de la guerre*, Gérard Chaliand. Quem tiver domínio do francês por favor pegue este livro em vez de um em inglês ou português, ok? (...)*
Olavo: Então não tem ninguém responsável ainda. É um livrinho pequenininho muito interessante.
Aluno: (...) Livro 5: Rules for radicals*, de Saul Alinsky. Responsável: André Silveira.* [2:50] E-mail: [email protected]. Livro 6: Total Empire*, de Edmund Walsh. Responsável: Hélio Angotti Neto --- quem quiser ajudar envie um e-mail para [email protected]. Livro 7:* The KGB and Soviet Disinformation*, de Ladislav Bittman. Ninguém se manifestou ainda. Livro 8:* O plano soviético do Estado Mundial*. O mesmo caso do livro 7. (...)*
Olavo: Esse livro é fundamental, então alguém tem de aparecer para fazer a apresentação dele, que está escrito em português.
Aluno: (...) Observação: quem não tiver recebido algum livro entre em contato comigo pelo [email protected]. Não chegamos a um consenso quanto ao caso do Juliano, pelo fato de que ainda não temos um cargo à disposição. Deste modo peço que rezem para que ele consiga outro emprego, e se chegarmos a um consenso de que precisaremos de um empregado e ele estiver disponível poderemos resolver este impasse. No entanto, ele não pode ficar dependente de nossas decisões.
Olavo: Eu acho que tudo está andando. Ficou aqui a dúvida sobre quando seria o dia ideal para apresentações. Notem bem, eu não estarei presente nas apresentações. Eu as ouvirei depois. Então marquem o horário e o dia que mais lhes convierem.
O Rodrigo vai fazer a apresentação do livro The KGB and Soviet Disinformation, de Ladislav Bittman. E quanto a O Plano Soviético do Estado Mundial? Pelo amor de Deus, leiam esse livro. Se ninguém se apresentou nesta semana, será na semana que vem. Podem marcar qualquer dia, mas tudo tem de ser gravado e ficar online. Até a semana que vem e muito obrigado.
Transcrição: Giovanni Torres Parra, Marra Signoreli, Giovanni Torres Parra, Jeferson Leandro Milani e Carlos Felice.
Revisão: Fernando José da Silva.
Revisão final: Fabiano Rollim
Footnotes
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Apesar de ser maravilhoso, o livro também é um pouco confuso e desordenado, porque constituído de uma série de ensaios publicados numa revista e que depois foram agrupados em quatro volumes. Não é uma obra que tenha uma sequência lógica. Você tem de ler os vários pedaços e depois agrupá-los. ↩