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Curso Online de Filosofia

Olavo de Carvalho

Aula 35

05 de dezembro de 2009

Boa tarde a todos! Sejam bem-vindos.

Eu queria começar anunciando uma novidade que nós vamos ter neste curso, a partir das próximas semanas --- não sei exatamente a data em que nós vamos começar isto. Vamos ter uma espécie de extensão deste curso às quinta-feiras, no qual alguns textos que aqui foram citados e recomendados para leitura, e que sejam em língua inglesa, serão objeto de uma leitura em profundidade com uma explicação da estrutura semântica, uma espécie de desmontagem da estrutura do texto para que vocês cheguem efetivamente a uma leitura culta da língua inglesa. Tal abordagem é muito diferente do inglês que se aprende para turismo, ou do inglês que se aprende em qualquer escola no Brasil. Quem vai estar encarregada disso é uma senhora chamada Margarita Noyes, que é a minha personal trainer em inglês. Nós fazemos a prática --- assim como eu fiz com a Daniela Caldas no Rio de Janeiro, com a língua alemã --- na qual eu vou lendo as coisas e, quando tenho uma dificuldade, pergunto qual é exatamente o peso ou o significado da palavra, se é um termo que se usa ou que não se usa mais, como é que ele soa aos ouvidos de um leitor americano no inglês atual etc. A Margarita é uma pessoa com enorme experiência nesta área: ela tem um mestrado em ESL (English as Second Language) pela Columbia International University, tem 15 anos de experiência com ensino de ESL e, sobretudo, o que eu considero a grande realização pedagógica dela foi ter educado os seus próprios filhos. Ela fez homeschooling com quatro crianças e eu lhes asseguro que seus filhos não são apenas cultos, mas também pessoas muito bem formadas, conscientes e sérias, com uma abertura para a realidade que é uma coisa bonita de se ver --- os meninos eu não conheço bem, mas as duas meninas eu conheço e estão entre as moças mais cultas que eu vi na minha vida, é um negócio muito impressionante. A prova das virtudes pedagógicas da Margarita está dada em sua própria casa.

O primeiro texto que ela vai trabalhar será distribuído na forma de arquivo PDF, e vocês tentarão lê-lo com alguma antecedência. O texto será lido em voz alta por ela e, para cada linha, ela fará uma paráfrase num inglês simplificado e depois explicará, mais ou menos, o peso de cada palavra. Isso é um auxiliar imprescindível ao método da leitura lenta que eu lhes disse. O principal é, numa primeira leitura, deixar a sua memória e a sua imaginação ser impregnada e impressionada por aquilo, e você permitir que a sua fantasia trabalhe em cima e crie todas as associações possíveis. Se houver um pequeno erro de semântica aí, danou-se tudo. Esse exercício subentende o domínio da compreensão lingüística básica; sem isto não é possível. Esse é um método que eu creio que não é usado em parte alguma no Brasil. É um método que se destina a incentivar o domínio de uma segunda língua como instrumento de estudo. Não é para turismo, não é para você ir ao shopping center ou ir à Disneylândia.

Eric Voegelin, por exemplo, morou aqui nos EUA por 40 anos e até o último dia teve uma pronúncia horrorosa, mas uma compreensão profunda da língua inglesa --- que é possível avaliar pelas análises que ele fez do A Outra Volta do Parafuso (The Turn of the Screw), do Henry James; uma coisa maravilhosa. Então, é o inglês de scholar, não de turista, e que às vezes não implica nenhum domínio das capacidades para o que eles chamam aqui de small talk, conversa fiada. Esse inglês de scholar é um instrumento fundamental. Se possível nós faremos isso com várias línguas. Vamos começar pelo inglês, por ser o mais próximo de nós.

Nós vamos começar lendo o livro The Living Principle, que será não somente a matéria que vai ser analisada, mas que contém dentro de si mesmo o próprio critério de tudo que se está fazendo nessa área. O subtítulo é "English as a Discipline of Thought", Inglês como uma disciplina de pensamento. O Frank Raymond Leavis, grande crítico inglês, acreditava em uma coisa que eu também acredito: que o domínio da língua e da literatura é a condição prévia para todos os estudos superiores, inclusive os estudos da área científica. Se você não tem a sensibilidade literária suficientemente aguçada, dificilmente vai entender o que quer que seja. A linguagem é a coisa que realmente nos diferencia dos animais e, não por coincidência, o estudo das letras chama-se muitas vezes humanidades. Independentemente de qualquer nuance que a palavra humanismo tenha adquirido depois, no sentido polêmico, a aquisição das humanidades é realmente a condição primeira para o ingresso na filosofia. Sobretudo porque isso engancha com o negócio dos quatro discursos. Lendo o meu livro sobre a Teoria dos Quatro Discursos você verá que todo e qualquer conhecimento não começa inteiramente pelos sentidos, pois a simples absorção dos objetos sensíveis não é ainda o conhecimento. Começa com a elaboração imaginativa e memorativa, num nível que ainda não pode se expressar como conceito. Quer dizer, você tem apenas imagens, figuras de linguagem etc. É preciso dominar primeiro esse nível para, depois, quando passar para a discussão conceitual, você puxar toda uma reserva de conhecimento, de vivências, de experiências suas, de modo que o seu discurso filosófico, seu discurso conceitual, esteja cheio de sentido. Isso acontece com todos os grandes textos filosóficos.

Ao ler uma sentença de Aristóteles você verá quanta coisa está embutida ali, quanto conhecimento está condensado ali. Se você não é capaz desse tipo de leitura, você simplesmente nivela a sua compreensão ao sentido dicionarizado das palavras e acha que está entendendo. Ora, ao ler uma sentença em Aristóteles você precisa lembrar que o sujeito que escreveu aquilo foi Aristóteles, e que Aristóteles sabia aquilo o que Aristóteles sabia; e, ainda, que ele não esqueceu de tudo isso no instante em que ele escreveu aquela frase. Você tem de enxergar cada frase sobre o pano de fundo do mundo de Aristóteles. Tudo está sempre compactado em cada frase. Ora de maneira mais explícita, ora de maneira mais implícita. Você tem de captar esta profundidade: no que mais que Aristóteles estava pensando quando escreveu isto, o que mais ele estava levando em conta, o que mais ele teve de levar em conta para poder escrever esta frase. [00:10]

A primeira frase da Metafísica de Aristóteles diz "Todos os homens têm por natureza o desejo de conhecer". Aristóteles dedica páginas e páginas à discussão do que seja uma natureza, e ao escrever que "todos os homens, por natureza, têm o desejo de conhecer", ele não está usando a palavra "natureza" simplesmente no sentido que podemos encontrar no dicionário, mas no sentido em que ele elaborou o conceito. Se você não tem isso em vista, você não entende o que ele está dizendo. Esta é uma característica dos escritos filosóficos: cada frase do escrito filosófico é um microcosmo que contém condensadamente toda a filosofia do cidadão. Isso não é nada de mágico, isso significa apenas que o filósofo não se esqueceu da sua filosofia no momento em que ele escreveu aquela frase. Ele a escreveu como se fosse um buraquinho por onde todo o pensamento dele está sendo filtrado para você, sob uma forma particular, específica; mas a estrutura geral está dada ali. Por isso é preciso aprender a ler essas coisas muito lentamente, para, na compreensão de cada frase, você carregar toda aquela reserva, aquele patrimônio de idéias de experiências, que constituem o mundo daquele filósofo.

Aristóteles disse que existem pessoas que são escravas por natureza. A quantidade de besteira que se escreveu sobre isso é uma coisa fenomenal, porque são pessoas que ouvem isso e entendem natureza no sentido atual. Então, estão entendendo a natureza no sentido de uma lei física externa que se impõe ao indivíduo. Aristóteles ao falar de natureza se refere àquilo que há de mais íntimo e pessoal no cidadão; quer dizer, aquilo que ele está buscando. Então, por exemplo, o senhor Michel Foucault, quando vinha aqui para os EUA, ia especialmente para os clubes de sadomasoquismo para ficar amarrado e levar chicotada. Como é que não existem pessoas escravas por natureza? É uma necessidade profunda de submissão ao poder de um outro, que numa sociedade democrática, onde não há legalmente escravidão, se manifesta exatamente assim. Não adianta você dizer que isso é psicopatológico; psicopatológico é um julgamento que você está fazendo. Aristóteles está constatando um fato: têm pessoas que sentem uma necessidade profunda de se submeter a um outro; seja de uma forma constante, seja em momentos de maior intensidade. Essa natureza escrava de Michel Foucault se condensava naqueles momentos; e foram muitos, ele passou muito tempo indo nesses clubes, era uma coisa mais ou menos clandestina. Isso quer dizer que o impulso auto-escravizante na nossa sociedade tornou-se patológico, mas é a sociedade que o rotula assim. Ele não é necessariamente patológico e não precisa necessariamente se expressar em clubes de sadomasoquismo. Você pode ver facilmente na sua experiência que tem pessoas que, sem fazerem muita força, influenciam os outros, que estão em uma posição de influência e de poder; e tem outras que de bom grado se submetem a essas; e tem, ainda, pessoas que experimentam as duas posições ao longo da vida. É disso que Aristóteles está falando. Porém, se você entender natureza no sentido fisicista atual, então vai ter de entender que há uma hereditariedade, uma coisa genética etc., mas não é disso que Aristóteles está falando. O termo natureza em Aristóteles não é a natureza externa, é a natureza interna do indivíduo. E, portanto, como ele diz que todo ser por natureza busca realizar a sua natureza, a natureza coincide exatamente com o que o sujeito quer e com o que ele está buscando.

Para entender isso você tem de ler a frase tendo em vista o conjunto do que você sabe de Aristóteles, e do que ele quis lhe transmitir. É nesse sentido que o Jorge Luis Borges dizia que para entender um único livro é preciso ter lido muitos outros. Quer dizer, somente depois de ler muitos livros com uma compreensão relativamente precária é que você começa a juntar as peças. Logo que você começa a juntar, você cria monstrinhos. Quer dizer, você junta coisas que não tem nada a ver por mera associação de idéias, e porque não tendo ainda os elementos suficientes para compor o quadro inteiro, você tenta compor o quadro inteiro com fragmentos. E, evidentemente, fica sempre faltando algo. Portanto, é preciso uma longa prática. O mundo dos estudos superiores é a conquista deste conjunto de peças de um quebra cabeças que o permite montar as coisas, com as figuras que elas realmente têm na realidade e não apenas como projeção da sua mente. O número de erros que se comete, o número de sínteses erradas que criamos até chegar lá é um negócio absolutamente fantástico. Eu me lembro, por exemplo, que aos 15 anos de idade descobri a lei dos três estados. Somente muito tempo depois eu descobri que aquilo não tinha sido descoberto por mim, mas por Auguste Comte, e que estava errado. Mas naquele momento me pareceu uma grande coisa.

Nas coisas que os jovens escrevem, essas sínteses erradas são a coisa mais comum. E corrigir uma coisa dessas é muito difícil, porque seria necessário transmitir todos os elementos faltantes. No Brasil, como existe essa mania de discutir, o sujeito jovem cria aquela síntese e se apega a ela. Ele se apega à sua idéia como a mãe se apega ao seu filho, ou como um bebê se apega ao seu cocô. Ele fez aquilo: "Olha que coisa maravilhosa que eu fiz". Cada um produz o que pode, nós começamos produzindo cocôs, depois nós produzimos rabiscos, idéias esquisitas etc., e um dia, a gente acaba fazendo coisa que presta. Com um pouco de sorte você acaba escrevendo a Divina Comédia ou criando a catedral de Chartres; mas você começa com cocô, nunca se esqueça disso. As nossas idéias juvenis são todas elas, comparativamente às elaborações verdadeiramente sérias e cultas, são cocôs. Por isso eu digo que você não pode se apegar ao seu cocô, tem de deixar ele ir embora. Quer dizer, se você falou aquilo, no instante seguinte esqueça; porque virá outra, e outra, e outra. E é justamente essa capacidade de você ir de síntese em síntese, cada vez mais alto, mais abrangente e mais próximo da realidade, que se chama educação.

Como no Brasil a maior parte das pessoas não tem isso, então o número de falsas sínteses e de sínteses disformes que aparecem na praça é uma produção de monstrinhos e cocôs enorme. Esses debates em sites da internet, onde todo mundo está entusiasmado discutindo, mostram exemplos desses monstrinhos. São sínteses que não se pode negar que são criativas. O sujeito juntou vários dados e criou uma fórmula; então, alguma criatividade há ali e às vezes até revela algum talento. Mas talento significa a capacidade de fazer alguma coisa, algum dia. Ser talentoso é mais ou menos assim: toda mulher tem capacidade de ser mãe; aos três anos ela já tem capacidade de ser mãe potencialmente, mas ainda vai faltar muita coisa, sobretudo ela não vai poder ser mãe sozinha. Nós também somos assim: para que os nossos talentos deixem de ser meros talentos e comecem a ser capacidade efetiva, isso leva muito tempo, dá muito trabalho e não se consegue isso sem pagar muito mico, [00:20] sem ter muitas humilhações, muitas decepções consigo mesmo --- assim como eu fiquei decepcionado com a lei dos três estados. Quando eu tinha por volta de 16 anos, li Erich Fromm, O medo da liberdade e O conceito marxista do homem. Fiquei deslumbrado com aquilo, era um negócio fantástico e, imediatamente, comecei a estruturar toda a minha experiência na forma daqueles conceitos que o homem estava dando. Como a minha experiência era relativamente pobre, foi fácil. Então, eu comecei a fazer análise marxista de tudo; eu pegava a classe social a qual eu pertencia, os valores e símbolos que estavam ali e tudo dava aparentemente certo. Levou um tempo para eu entender que havia pessoas que tinham experiência que iam muito além de mim, pessoas cujo círculo de experiência eu não podia sequer entender.

Um exemplo disso foi quando se abriu para mim todo o mundo da psicopatologia. Psicopatologia é uma coisa que existe desde que o mundo é mundo. Não existe uma tribo de índio ou uma cidade do interior que não tenha o seu louquinho. Pensando bem, eu vi uma estatística do INPS que dizia que, no Brasil, 10% da população tem doenças mentais. Eu me perguntei como encaixar isso no negócio da classe social. Pensei, pensei, pensei e percebi que não era possível. Precisava abrir mais um continente. Então comecei a estudar o negócio de psicanálise --- o Fromm dava abertura para a psicanálise no marxismo, aliás, essa fusão é característica da escola de Frankfurt (Escola de Frankfurt na qual o Fromm era uma espécie de mascote, ele era o mais pequenininho, o mais burrinho, e um dos últimos a aparecer, portanto um dos mais populares). Comecei a ler Freud, Wilhelm Reich etc., e fui vendo que aquilo era um oceano, que tal negócio se abria para dimensões que não tem como alcançar com conceitos marxistas de jeito nenhum; é impossível, é absolutamente impossível. Se você tentasse, se forçasse --- "Vamos fazer uma interpretação materialista até o fim" ---, chegaria até onde chegou Wilhelm Reich, e ficaria maluco.

É aos poucos que você vai ampliando, mas só se você, com os seus estudos, acompanhar uma necessidade efetiva de saber. Eu sugiro que cada um faça um exame de consciência: "por que eu quero estudar?" Como entrei na vida muito tarde (aos oito anos de idade eu era um bebê), eu me lembro que quando criança foi fácil perceber que não estava entendendo nada. Em volta, todo mundo parecia estar entendendo tudo. Eu não entendia nem direito o que as pessoas falavam, eu só tinha prática de conversar com as pessoas da minha família; quando eu fui posto na escola, os garotos falavam de outra maneira completamente diferente, a professora falava uma outra coisa e existia um negócio chamado escola, que para mim era esquisitíssimo. Imagina você ser tirado praticamente do bercinho, daí lhe põem um uniforme e lhe põem na escola. "O que eles estão querendo de mim, do que se trata, o que é isto aqui?" O meu sentimento de incompreensão, de ignorância, de obscuridade, era tremendamente angustiante. Depois, eu tive uns dramas de família e assistia também a vida dos meus vizinhos; tinham muitas pessoas atormentadas com mil e um problemas. E eu olhava tudo aquilo e tinha a impressão de que todos estavam entendendo aquilo e que o único que não entendia era eu. Mais tarde, eu descobri que ninguém estava entendendo nada, mas isso não me consolou de maneira alguma, ao contrário, piorou.

O meu impulso de conhecimento, primeiro, está muito ligado à idéia do sofrimento humano; de constatar o sofrimento humano, não só numa das suas dimensões. Porque você pode, aos 15 anos, ser impressionado, digamos, pelo problema da pobreza. Aliás, eu fui antes disso, quando eu tinha uns 9, 10 anos. Eu tinha vários amiguinhos e um deles era o mais pobre e morava na pior casa da rua, a qual ficava encostada em um morro. E um dia o morro desabou e metade da família do sujeito morreu. Eu vi isto: a pobreza como sinal de desamparo, as pessoas indefesas, claro que me chamou a atenção. Mas veja, tem certas pessoas para as quais o impacto do problema da pobreza marcou toda a vida delas. Ou seja, estruturaram todo o seu campo de experiência a partir de uma única experiência, em vez de abrir a outras, e outras, e outras. Ao fazer isso é claro que você esteriliza a sua mente.

Também tem outro aspecto: o sujeito quando começa a estudar, e principalmente quando ele vem para o meu curso, vai experimentar várias aberturas e, freqüentemente, a diferença entre o que ele enxergava antes e o que ele passa a enxergar é muito grande. E ele pensa assim: "Poxa, é isso, agora eu me encontrei". Mas não se encontrou coisíssima nenhuma. Esse mundo dos estudos é uma sucessão de aberturas e de saltos que não termina. Não termina. Então, eu não creio que esse primeiro impacto que este curso tem sobre as pessoas seja senão uma espécie de isca. Você foi fisgado para ir para cima. Bom, o peixe saiu da água e agora está na terra. É uma metáfora evolucionista: o peixe que sai da água, começa a rastejar, depois começa a andar e termina voando; é uma boa imagem. Nós não estamos aqui só para tirá-lo da água, estamos para ensiná-lo a voar, para você começar, um dia, a viver a vida do espírito de maneira permanente. Claro que sempre vai ter a sua submissão aos fatores naturais, terrestres, que nunca vai acabar. Você vai carregá-la até o último dia e não é para ficar bravo com ela, porque se a tirasse você morreria. Às vezes é triste, você está ensinando o cara a voar e ele mal aprendeu a rastejar. É como o pintinho que saiu da casca do ovo e está batendo as asinhas: "Ah, agora eu estou realizado". Mas, meu filho, você é apenas um pinto, eu queria transformá-lo numa águia, e você está contente com esse negócio aí? Você não tem idéia de onde isso aqui vai parar.

Também, à medida em que avança a sua compreensão das coisas e avança, sobretudo, em densidade, a sua capacidade de expor isso em palavras se torna, evidentemente, deficiente Quando eu falo em densidade me refiro, por exemplo, àquilo que eu estava dizendo da leitura de Aristóteles: uma leitura densa, que enxerga todo o aristotelismo por trás de cada frase de Aristóteles. Isso é uma densidade de leitura, mas pode ser uma densidade de experiência. Você saberá muito mais do que pode dizer, e daquilo que você poderá dizer as outras pessoas só poderão compreender uma parte. Nesse ponto você adquire um segundo problema que é de como adaptar aquele seu mundo interior, de conhecimento e de experiência, às suas possibilidades de comunicação que são bastante restritas. Isso quer dizer que quanto mais você compreende as coisas, menos as pessoas o compreendem, porque para o compreenderem elas precisam saber o que você sabe. Naturalmente, você vai ficando mais sozinho e precisa da companhia de outras pessoas que também têm o seu nível de compreensão. Isso é inteiramente natural. A sua possibilidade de ter uma convivência com pessoas de nível de consciência menor, ou de um nível intelectual menor, diminui.

No Brasil existe esta ilusão de que todo mundo pode igualmente ser amigo de todo mundo --- é só porque as pessoas não sabem o que é a amizade. [00:30] Já dizia S. Tomás de Aquino, a amizade é idem velle, idem nolle: querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas. Você é amigo de pessoas que estão indo para onde você está indo, os outros não são propriamente amigos, porque, se eles não compartilham dos seus valores e dos seus objetivos, eles não podem entendê-lo por dentro, só podem entendê-lo sociologicamente, por fora. Se as pessoas o compreendem sociologicamente, ou seja, como exemplar de certo grupo, elas não têm uma relação verdadeiramente pessoal com você. À medida que o seu conhecimento aprofunda e a sua experiência da realidade vai se tornando mais densa, é natural que você precise de pessoas igualmente preparadas para haver esse intercâmbio. É justamente isso que vai integrá-lo no grupo dos chamados intelectuais --- não no sentido que a palavra tem hoje no Brasil, onde até o Chico Buarque de Holanda é intelectual. Esse trajeto é, de certo modo, a biografia de uma vida inteira. A minha ambição é que eu acho que posso levar as pessoas a isso; sei como fazer porque fiz sozinho para mim mesmo, aos trancos e barrancos, com dificuldades imensas, e creio que posso condensar a minha experiência de modo que as pessoas aprendam o que aprendi em 40 anos, em apenas 10 ou 12 anos. Reduzimos o tempo para um terço, então já um sistema pedagógico.

Nesse trajeto eu fui percebendo que o problema do aprendizado da língua se colocava a mim de outra maneira, do que em relação às outras pessoas. Por exemplo, eu ouvia as outras pessoas dizerem que se tinha de aprender a pensar na língua estrangeira. Mas para você chegar a poder pensar numa língua estrangeira, como pensa na sua, são 30 anos --- é uma vida inteira. Então isso é uma bobagem fora do comum. O que eles querem dizer é o seguinte: você vai automatizar certos circuitos verbais que o permitirão repetir acertadamente nos contextos sociais em que aquilo seja cabível. Porém, chegar a uma compreensão literária da língua não é assim tão fácil, você não pode pensar na língua estrangeira, mas na sua própria; porque sem encontrar o análogo perfeito na sua experiência lingüística você não vai entender a profundidade daquilo. Dito de outro modo, ler as grandes obras de literatura, neste sentido, é traduzi-las mentalmente, da maneira mais acertada possível. É uma obra criativa porque muitas vezes --- na maior parte dos casos --- você não vai ter a correspondência exata e vai ter de produzir um análogo, e a produção deste é a compreensão profunda.

Quando jovem eu era muito pobre e não tinha perspectiva de viajar para parte alguma, quanto mais morar em um país estrangeiro, e desde o início eu quis entender as obras de literatura e fui vendo que as maneiras pelas quais se ensinavam as línguas estrangeiras não serviam para isso, serviam para fazer turismo ou para arrumar emprego, ou algo assim --- mas isso eu não queria. Eu não me incomodo de ser incapaz de conversar, não vou conversar com ninguém, nem com o livro, mas quero entendê-lo de uma maneira profunda e exata, por assim dizer, científica --- uma compreensão científica do sentido do texto. É um problema filológico. Não existe nenhum ensino de idioma que atenda isso e é mais ou menos essa idéia que eu tenho trabalhado com a Margarita, e é o que nós vamos fazer. Até agora está acertado que vai ser às quintas-feiras, com cerca duas horas de aula, e vai ter interatividade --- vocês terão o chat e também as perguntas enviadas. Ela vai começar lendo com vocês esse livro --- escolhi de propósito, foi feito de "má intenção" --- que é uma meditação sobre a língua inglesa como base de toda educação. Nem todos vocês farão esse curso; evidentemente vamos ter de cobrar uma mensalidadezinha, algo em torno de US$ 15,00 no máximo, e os que puderem fazer, devem fazer. Naturalmente, todas as aulas serão gravadas para quem não puder assisti-las na hora, mas o melhor é assisti-las ao vivo devido a interatividade, para você poder tirar suas dúvidas com a professora no mesmo momento. Tudo isso para explicar o que estamos tramando a respeito das línguas. Mais tarde, se possível, faremos o mesmo com as línguas espanhola, italiana e francesa --- no mínimo essas. Mas isso é para mais tarde.

Como assunto específico para o dia de hoje, eu queria analisar um tema histórico que tem algo a ver com a minha pesquisa da mente revolucionária, mas que também serve para outras coisas, o qual podemos chamar de guerra cultural. Vocês estão entrando em um cenário de guerra cultural e eu desejaria mostrar-lhes como isso pode acontecer, qual o processo pelo qual certas idéias ou crenças podem se tornar dominantes numa sociedade e dar-lhes também uma idéia do que nós podemos chamar de hegemonia cultural --- não no sentido gramsciano, cujo significado é o seguinte: as suas idéias impregnam por toda a sociedade e torna-se uma espécie de subconsciente, de modo que todos acabem pensando do seu jeito, mesmo que não saibam. Um exemplo disso é o uso da palavra revolução. Eu coletei um mostruário enorme de usos do termo em títulos de livros publicados no Brasil: tinha a revolução na tecnologia, na culinária, no vestuário feminino, na arquitetura etc., tinha "a revolução" em toda parte e até, por fim, o papa dizia que o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo foi uma revolução. Note que todos esses usos da palavra estão baseados numa falsa analogia porque em todos esses casos se trata de uma mudança ou novidade repentina e auspiciosa --- todos eles. Ora, as revoluções jamais são repentinas, revoluções políticas são processos enormemente complexos e levam muito tempo, e se podem parecer auspiciosas por uns momentos, depois que passam você pode ver que elas não foram nada auspiciosas, mas uma onda de azar quase macabra.

Quando se vê um país devastado, como eu vi a Romênia devastada por 40 anos de comunismo e que agora levará quase 200 anos para levantá-la, nota-se que é uma analogia errada. Mais errada ainda seria fazer a analogia com as revoluções dos corpos celestes --- quem colocou a palavra revolução em circulação foi Copérnico com um livro de 1543, Das revoluções dos corpos celestes --- porque a revolução deles consiste em voltar ao mesmo lugar, exatamente o contrário de uma novidade. Se tem uma coisa que não tem novidade nenhuma são as órbitas planetárias que você pode calcular com uma antecedência de 100 mil anos; na internet você encontra todas as próximas posições planetárias pelos próximos 10 mil, 30 mil, 100 mil anos. [00:40] Qual é a novidade? Não tem nenhuma. O uso generalizado da palavra revolução como novidade auspiciosa não corresponde nem a origem astronômica do termo nem ao seu sentido político. As revoluções podem ser auspiciosas ou podem ser o contrário, dependendo de contra quem é a revolução; e freqüentemente os seus próprios adeptos se dão mal, isto é quase uma constante nas revoluções --- os primeiros líderes de uma revolução são sempre mortos pela própria revolução. Então eu me perguntei de onde saiu esse uso da palavra, como ela se disseminou universalmente sendo baseada numa dupla e falsa analogia. Isso é o que se chama hegemonia. O uso da palavra revolução como novidade repentina e auspiciosa é parte do discurso de propaganda revolucionária. Isso se disseminou de tal modo que as pessoas mais anti-revolucionárias que podem existir também adotam o mesmo vocabulário. Outro dia mesmo saiu um livro de um autor chamado David Bentley Hart, uma apologia da religião cristã, no qual ele diz que o Cristianismo foi uma grande revolução e que tudo que veio depois é um bando de reacionários que são contra a revolução. Isso está errado; como você pode dizer que o Cristianismo foi uma novidade auspiciosa se ele já estava anunciado há muito tempo? Isso é para mostrar-lhes o poder de impregnação que o vocabulário de uma determinada corrente política pode ter na sociedade em geral, independentemente das crenças políticas pessoais de cada um. Isto se chama hegemonia: quando o seu adversário começa a pensar e a usar as palavras no sentido que você quer --- então você ganhou. Basta ver o uso generalizado da palavra revolução no sentido de novidade auspiciosa para entender porque o movimento revolucionário ainda progride e conserva sua autoridade moral perante tanta gente, mesmo depois de conhecidos e arquiprovados seus crimes e horrores que transcendem todos os demais males já acontecidos --- uma vez eu fiz uma tabela levando em conta todos os terremotos, pestes, furacões, epidemias etc., e os somei, e ainda assim as revoluções haviam matado mais. Como pode? Ora, veja o uso da palavra revolução e você compreenderá porque que isso acontece, isso é hegemonia e também é um exemplo de como funciona uma das três formas de poder que existe.

Existem três poderes apenas: (a) o poder intelectual ou espiritual, (b) o poder político-militar e (c) o poder econômico. A natureza do poder intelectual é demarcar as possibilidades de concepção e percepção das pessoas. Ele funciona a longo prazo e nunca é um poder pessoal, porque raramente quem o exerce tem a oportunidade de em sua vida vê-lo funcionando, uma vez que para desencadear o seus efeitos leva 200 ou 300 anos, mas a longo prazo é o mais eficaz dos poderes. Inclusive tudo aquilo que o poder político-militar ou o poder econômico pode fazer está já demarcado de antemão pelo poder intelectual, que por natureza é um poder póstumo. E por isso mesmo não parece um poder. Quantas vezes você está agindo dentro do campo de possibilidades que foi demarcado há 200 ou 300 anos por um sujeito que não tinha poder nenhum e podia até ser um João-ninguém? Por exemplo, o que era Sócrates socialmente? Ele era um pequeno empresário, um empreiteiro, um soldado aposentado que quando acabou a guerra montou um pequeno negócio de construção --- ele não era nenhum Odebrecht; socialmente ele era aquilo apenas. No entanto, nós ainda repetimos os esquemas de pensamento criados por Sócrates. Toda vez que numa discussão o sujeito diz uma palavra e você retruca para ele "o que você quer dizer com isso?", você está agindo socraticamente. Isso é uma possibilidade de ação humana que Sócrates inventou --- realmente não existia antes --- e que desde então é imitado por todos; ele demarcou um novo campo de possibilidade. Quando eu falo em hegemonia não me refiro só ao sentido gramsciano, mais imediato e material, mas no sentido de longuíssimo prazo e que pode abranger civilizações inteiras, assim como o uso da palavra revolução abrange a civilização ocidental inteira. Eu mesmo, que estudei o negócio e vi o quanto isso é inapropriado, me pego freqüentemente usando termos como esse. Pois eu não escrevi que a obra do René Girard era uma revolução? Eu mesmo usei a palavra nesse sentido; isso mostra o poder de impregnação dessas coisas. Junto com as palavras está automaticamente moldado o imaginário e suas reações de base --- reações quase inconscientes.

Quando há uma situação de guerra cultural, qual é o fator decisivo? Quem ganha e quem perde? Eu estou dizendo isso porque vocês estão entrando numa situação de guerra cultural e, queiram ou não, isto aqui é uma preparação de um exército para uma guerra cultural. Temos diante de nós um problema temível que vai provavelmente decidir toda a sua vida. Tudo o que estamos fazendo é para reconstruir um país em que a cultura superior foi totalmente destruída, não sobrou nada. Basta você ler os nossos escritores dos anos cinqüenta e os de agora para ver que o que aconteceu foi uma catástrofe sem precedente. Isso nunca aconteceu em nenhum país do mundo, nem mesmo na Alemanha nazista. Na Alemanha nazista os melhores escritores e pensadores todos foram embora --- foram embora mas não morreram. Existe uma cultura alemã no exílio, como existe também uma cultura russa no exílio. Pode-se dizer que a filosofia morreu na União Soviética, sim, mas fora de lá Leon Chestov, Berdiaev e muitos outros russos estavam criando uma cultura russa majestosa. No Brasil, porém, não há nada disso. Não pensem que os melhores escritores foram todos para o exterior. Não, quem veio para o exterior fui eu, um apenas --- isso é nada, é zero. O que houve no Brasil foi uma devastação da cultura superior, da linguagem e das possibilidades de percepção e de julgamento moral. O embotamento moral do país chegou a tal ponto que ouvimos declarações como as do Lula nessa última semana. Ele estava se gabando de ter cometido um estupro, que talvez nem tenha cometido, mas que acharia lindo cometer. E depois o Reinaldo Azevedo contou que o Lula tem saudade do tempo que os meninos só tinham relações sexuais com cabritas e jumentas. Meu Deus! Essa é uma coisa tão grotesca que em qualquer país do mundo isso é inimaginável, só poderia acontecer num país onde desaparecendo a cultura superior, desapareceu a capacidade que as pessoas têm de julgar as coisas e de [00:50] avaliar o peso respectivo.

A tarefa que se apresenta a nós é ter de reconstruir tudo. Isso evidentemente é guerra cultural, claro. O que decide a guerra cultural? Qual é o lado que vence e qual o lado que perde? Vamos voltar uns séculos atrás e ver o que aconteceu logo no advento da modernidade. Eu vou ler três linhas de um livro majestoso, Radical Enlightenment, de Jonathan Israel, o primeiro volume de uma série, cada um com mil páginas, que em matéria de coleção de fatos dificilmente se encontrará algo melhor --- embora nem sempre possamos concordar com as avaliações dele. Ele diz o seguinte:

"Após 1650, um processo geral de racionalização e secularização instalou-se, o qual rapidamente derrubou a velha hegemonia da teologia no mundo dos estudos e lentamente, mas com segurança, erradicou a magia e a crença no sobrenatural da cultura intelectual européia".

Isso é um entendimento geral do que houve no período geralmente chamado O Iluminismo. Quer dizer, a crença na magia foi afastada, junto com a hegemonia da teologia, e se instalou um processo de racionalização e secularização. Como isso se deu em termos de guerra cultural? Havia representantes de uma cultura tradicional que se incorporava na Igreja e nas universidades, e surge aí uma nova classe de autores e pensadores que rapidamente se sobrepõe aos anteriores e conquistam a hegemonia. Conquistam a hegemonia a tal ponto que hoje a interpretação corrente que se dá ao que aconteceu naquela época é precisamente a que os próprios novos autores e filósofos davam de si mesmos. Ou seja, a auto-imagem que eles transmitiam foi a que se impregnou nas gerações seguintes. Nós averiguamos até que ponto essa auto-imagem pode ser falsa quando baixamos dessas grandes generalizações históricas para a análise dos fatos concretos, uma espécie de micro história, e descobrimos, por exemplo, que a apologia da liberdade civil e política veio junto com uma nova concepção do homem que o explicava como uma máquina, sujeita a determinismos que tornava a sua liberdade praticamente inexistente. Não é uma coisa estranha? Provam que o homem é um bichinho, ou pior ainda, uma máquina, que toda a conduta dele está pré-determinada por leis mecânicas, e em seguida reivindicam para esta criatura, assim descrita, liberdade civil e política. Você pode reivindicar a liberdade para a sua bicicleta, por exemplo? Para o seu computador? "O meu computador tem liberdade civil e política, direito de ter opinião e dizê-la, de tomar decisões, de casar e de exercer profissão, tudo conforme bem entenda." Não faz sentido! Se você demonstrou que o homem é uma máquina inteiramente determinada por leis mecânicas, a idéia da liberdade civil e política não faz o menor sentido.

Ao escavar um pouco mais nós descobrimos que alguns dos filósofos dessa época tinham perfeita consciência disso e diziam, como Voltaire: "é preciso mentir como um diabo e não só em momentos particulares, mas sistematicamente e sempre". Ora, não houve autor que influenciasse mais esse período do iluminismo do que Voltaire. Ele é como Maquiavel, que disse: "eu nunca escrevo a verdade e quando descubro alguma eu trato de escondê-la o melhor que posso" --- claro que ele não disse isso em público, mas em sua correspondência privada. Declarações do mesmo teor são muito freqüentes entre autores do mesmo período, como Diderot, d'Holbach e outros. Foi essa gente que removeu a cultura antiga "baseada na crença na magia etc." e inaugurou a nova era baseada na racionalidade. Tudo isso está muito esquisito. Nós podemos nos perguntar: se esses camaradas eram assim, como Voltaire e outros, como foi que eles levaram vantagem tão facilmente na disputa com os seus adversários?

Nós sabemos, por exemplo, que existe uma imagem pública da ordem jesuítica que foi consagrada por praticamente todos os historiadores até os anos 50. Tal imagem dizia que a ordem jesuítica foi um fator de atraso no progresso da ciência, porque enquanto já se tinham as idéias de ciência experimental, racionalidade etc., eles estavam com a velha teologia, oprimindo todo mundo e não deixando ninguém pesquisar coisíssima nenhuma. Foi somente nos últimos trinta anos que alguém se lembrou de perguntar se tinha sido assim mesmo. Quando você vai ver, descobre que as contribuições dos jesuítas no desenvolvimento das ciências durante os séculos XVII e XVIII foram maiores de que a de qualquer outro, e não consta um único caso em que alguma pesquisa científica tenha sido inibida pela ordem jesuítica. Ou seja, uma mentira histórica se impregnou, se tornou de domínio público e agora todos acreditam nela piamente. Isso é repetido por historiadores profissionais, autores de livros didáticos que vão parar na escola, jornalistas; isso vai parar até no cinema. A imagem do jesuíta empedrado nas suas crenças obscurantistas e impedindo o progresso da ciência é uma coisa de domínio público. Isso significa que um dos lados se tornou hegemônico na disputa. Mas o que aconteceu? Se havia tantos homens de ciências e filósofos na Igreja, sobretudo na ordem jesuítica, como é que os outros acabaram por se sobrepor? Sobretudo uma coisa que me chama a atenção é que quando estudamos os escolásticos (S. Tomás de Aquino, Duns Scott e outros) e depois os comparamos com os primeiros filósofos da modernidade (como Descartes, Bacon etc.), estes últimos se mostram de uma inabilidade filosófica verdadeiramente pueril. Schelling observou que a entrada da modernidade reduziu a filosofia a um nível pueril. Como é possível que pessoas tão filosoficamente desarmadas acabassem por sobrepujar pessoas que tinham uma formação muito mais aprimorada que a deles? E que, ademais, dominavam as mesmas ciências que a eles dominavam. Observando aquele período nós vemos que o combate que os representantes da ordem antiga moveram aos novos filósofos consistiu em duas coisas: **[01:00] (**a) primeiro consistiu denunciá-los como ateístas ou pró-ateístas --- às vezes o sujeito não era formalmente ateu, como Descartes não era, mas a sua filosofia favorecia o ateísmo a longo prazo; então, descobrir as raízes do ateísmo nas obras desses camaradas e denunciá-los por isso foi uma das principais ocupações dos polemistas antiiluministas e antimodernistas entre os séculos XVII e XVIII. O segundo modo de combatê-los foi (b) discutir certos pontos específicos das suas doutrinas. Quando você compra um exemplar das Meditações de Filosofia Primeira de Descartes, geralmente vêm as meditações e depois as objeções e respostas (um monte de objeções). Essas raízes do ateísmo foram logo denunciadas na filosofia de Galileu, Newton, Descartes, Francis Bacon e, sobretudo, Spinoza. A mesma reação que os cristãos tiveram diante de Descartes os judeus tiveram diante de Spinoza --- eles olharam e viram que aquilo poderia desmoraliazar a sua religião.

Pergunto o seguinte: Qual é o princípio de credibilidade em que se baseavam esses respectivos campos? O campo tradicional se baseava naquela síntese de fé tradicional e autoridade intelectual. Esta mistura é característica da Idade Média: eles tinham ao mesmo tempo o legado da tradição e o exercício da análise racional. Os novos filósofos, ao contrário, tentavam personificar a autoridade intelectual em estado puro, sem compromisso com uma tradição. Ora, a acusação de ateísmo valia somente no quadro antigo. Ela significava algo dentro daquela síntese de tradição e autoridade intelectual. Mas para a autoridade intelectual considerada em estado puro, isso não significava nada. Mais ainda: acusar os camaradas de ateus ou pró-ateístas os ajudava a se caracterizar em público como um novo tipo de autoridade intelectual independente da religião. Quando os representantes da ordem tradicional acusavam os novos filósofos de ateístas ou pró-ateístas, falavam na sua própria linguagem e apelavam a um princípio de credibilidade que valia para eles próprios, mas que não valia necessariamente para o outro. O outro lado tentava se afirmar como uma autoridade intelectual independente da tradição. Quando eram acusados de ateístas, isso dava ainda mais nitidez à figura que eles tentavam representar; isso os ajudava, na verdade. Quando os representantes da ordem tradicional, em vez de acusar de ateístas ou, independente de o ter feito, se apegavam a pontos específicos da doutrina, armavam com eles debates filosóficos, o que implicava necessariamente em reconhecer a identidade deles como filósofos dignos de atenção profissional. Os representantes da ordem antiga estavam tão identificados com ela que não conseguiam conceber uma situação diferente, ao passo que os representantes da nova ordem já tinham inventado uma situação diferente, já tinham apostado tudo nela, ou seja, no advento de um novo tipo de autoridade intelectual, desligado da tradição (não necessariamente hostil à tradição, mas desligado e independente dela). E cada vez que eles discutiam, afirmavam essa autoridade e mostravam que ela já existia. O lado tradicional, quando os atacava, seja como ateístas, seja como autores de filosofias erradas ou inverídicas, os reconhecia como filósofos. Então estava aí formada a nova autoridade intelectual.

Depois de dois séculos de polêmica, quem hoje lê as objeções antiiluministas dos autores católicos da época? Ninguém. É um material imenso que sumiu. Eram totalmente destituídas de valor? Não. Eram incapazes de fazer face à nova situação histórica que estava sendo criada. Em toda situação de guerra cultural existe esse equívoco embutido e aquele que for capaz de lhe tirar proveito impõe uma nova autoridade, ainda que seja vencido nas discussões particulares, como todos eles foram. Tomemos como exemplo a discussão entre Galileu e São Roberto Belarmino. Este foi o inquisidor encarregado de examinar as obras de Galileu. Você pensa que a Inquisição ia pegando as pessoas e as jogando na fogueira? Não é bem assim. A Inquisição era um doce de coco; mandavam o inquisidor, ele ia lá, batia na sua porta e falava: "Viemos examinar suas obras. Queríamos discutir com o senhor para ver exatamente o que o senhor pensa." Ficavam anos em discussão. Os regimes modernos não dão essa chance para ninguém. Você é capaz de imaginar o pessoal KGB pegando o Aleksandr Solzhenitsyn e dizendo-lhe "Enviamos um pensador para discutir com o senhor as suas obras, para entender exatamente o que está pensando." Você é capaz de imaginar uma coisa dessas? Essas delicadezas de alma são coisas de outra época.

Na discussão entre São Roberto Belarmino e Galileu, o primeiro estava léguas acima do segundo. Ele entendeu Galileu muito melhor do que Galileu entendeu a si mesmo. Galileu afirmava que o sol era o centro do universo, enquanto São Roberto Belarmino usava argumentos einsteinianos para explicar isso: "No universo, tudo depende das posições. Não se pode demarcar um centro. É impossível demarcar um centro absoluto." Mas quem hoje lê as objeções de São Roberto Belarmino? Só historiadores profissionais e um ou outro estudioso como eu. Eu o li e percebi que o homem estava montado na razão. A idéia einsteiniana da relatividade das posições já estava dada ali; era uma realização científica fora do comum, muito maior do que a de Galileu. Por que Galileu entrou para a História como o pioneiro e até como vítima e mártir, quando não foi nem uma coisa nem a outra? O processo de Galileu, como diríamos hoje, acabou em pizza, pois ele era afilhado do papa e ninguém lhe faria mal algum. Disseram-lhe: "Faça uma declaração pró-forma, depois pode voltar para a universidade e ensinar a mesma coisa sem aperreio." Foi exatamente o que aconteceu. A opressão de Galileu foi menor do que a do Lula, que ficou trinta dias na cadeia (muito bem tratado, jamais apanhou...). Galileu não ficou nem um dia; foi tudo combinado. "Seu tio mandou fazer isso aqui para apagar o vexame. Depois você pode continuar a ensinar a mesma coisa." De fato ele continuou.

Esses novos filósofos não tinham a mais mínima [1:10] condição de entrar num debate filosófico técnico com os escolásticos; eles não dominavam a técnica filosófica. A sua maneira de colocar os problemas, comparada com a finura da técnica escolástica, era realmente pueril; Schelling tinha razão. Por exemplo, n'As Meditações sobre Filosofia Primeira, de Descartes --- que eu já examinei num texto que se chama "René Descartes e a Psicologia da Dúvida" ---, tudo aquilo que ele apresenta como sendo um experimento intelectual efetivamente realizado é impossível de se realizar. Aquilo é uma ficção, uma obra de ficção. Só que dela ele tira conclusões que pretende que sejam adequadas à descrição da realidade.

Há quem diga que Bacon "criou um novo método para a Ciência." O Novum Organum se divide em duas partes: (a) a parte em que ele copia o método de Aristóteles e (b) a parte em que cria tantos novos preceitos e complica tanto a guerra que o método se torna inaplicável. Ninguém jamais usou o método de Bacon, nem o próprio Bacon; não dá. E o que era o seu novo método científico? Confrontação experimental de hipótese: isso é a Dialética de Aristóteles. Não há diferença nenhuma. O que inventaram de novo? Nada. O único ponto que introduziram foi a observação matematizada, que, no tempo de Aristóteles, não fazia sentido, pois a matemática não estava suficientemente desenvolvida para tal. Já quando entram em cena Newton, Galileu etc. já havia novos instrumentos matemáticos que permitiam matematizar uma parte das ciências naturais. As filosofias de todos esses filósofos que apareceram (Newton, Descartes, Spinoza etc.), como conjuntos, são desastres totais. Tornaram-se importantes na História por certas contribuições específicas à Filosofia ou à Ciência; mas são monstrengos dos quais se aproveita uma parte. No caso de Descartes, por exemplo, se aproveitam a Geometria Analítica e mais algumas coisinhas.

Sabemos hoje que a totalidade do estudo feito pelo autor da obra mais majestosa da época, a Física de Newton, sobre a gravitação universal, era um capítulo de um imenso sistema metafísico que ele estava construindo, um sistema metafísico e teológico que visava instaurar uma espécie de monoteísmo absoluto de tipo islâmico, em que se abolia a Santíssima Trindade. O conceito que ele tem de Deus é exatamente o islâmico: Allah, a unidade absoluta. Isso quer dizer que toda aquela parte dos estudos teológicos e alquímicos de Newton não são coisas separadas a que ele se dedicou por extravagância. Não. Isso ocupou a maior parte da sua vida. Está muito claro que sua gravitação era apenas uma peça do sistema. Quando tentamos ver o sistema em sua totalidade, percebemos que não faz o menor sentido. E o que é exatamente a Física de Newton? É a descrição de um conjunto de aparências matematicamente medido de tal modo que uma repetição, uma regularidade, uma constância de um certo fenômeno da natureza é captada. O que é aquilo tudo? A descrição de um conjunto de fenômenos (isto é, aparências) feita de tal modo a captar a regularidade dos fenômenos e sua repetitividade. É isso que se chama de lei física. Porém, na hora em que se descobriu que a matéria atrai matéria na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias, descobriu-se apenas um fato da ordem física. Qual é a inteligibilidade disso? O que significa?

Dentro da tradição anterior, uma coisa era tida como conhecida quando suas implicações filosóficas também eram conhecidas; ou seja, o mero conhecimento do fato não significava nada, as implicações filosóficas e teológicas tinham de ser consideradas. Aquilo tinha de ser encaixado dentro de uma cosmovisão inteira, senão não havia o entendimento. Tudo que é isolado e fragmentado não faz sentido. A ciência antiga buscava a inteligibilidade e o sentido de tudo; claro que errava em muitas coisas, mas o esquema geral de inteligibilidade permanecia. Newton descobriu apenas um fenômeno --- de importância extraordinária, é claro ---, mas se perguntarmos: o que ele significa? Quais suas conseqüências filosóficas e teológicas? Não se pode deduzir nada daquilo. Nada. A lei da gravitação universal é compatível com qualquer conseqüência filosófica que se queira tirar dela; é apenas um fato. Na verdade, Newton tentou integrá-la dentro de um conjunto inteligível, que é o seu sistema metafísico. Mas esse sistema estava totalmente errado e era maluco, misturado com tantas crendices inaceitáveis de tal modo que toda a metafísica newtoniana foi jogada no lixo, sobrando apenas aquele pedaço. O que aconteceu em seguida? Tentou-se fazer com que aquele pedaço (que era um mero fato) se tornasse um fundamento filosófico, e daí surgem todas as filosofias mecanicistas. É claro que isso não faz o menor sentido.

A Mecânica de Newton é tanto um fundamento de nada que ele teve de criar toda uma metafísica para fundamentá-la. No entanto, pessoas que não eram capazes de entender a complexidade do pensamento de Newton apegaram-se à lei da gravitação e fizeram dela um novo fundamento. Criaram a filosofia mecanicista, à qual provavelmente o próprio Newton jamais teria aderido. Isso foi chamado --- por um autor cujo nome esqueci --- de o casamento espúrio de Newton com John Locke. É claro que a filosofia mecanicista é cem por cento falsa e o próprio Newton sabia disso. Reduzir-se tudo a uma máquina é uma mera figura de linguagem. Reduzir certos conjuntos de fenômenos a uma relação mecanicista é um expediente usado para se fazerem certas medições. É um expediente a tal ponto que, para construir sua gravitação, Newton teve de postular duas premissas absurdas: (a) o que chamava de espaço absoluto e (b) o tempo absoluto. [1:20] O que é o espaço absoluto? O espaço sem nada dentro. Ora, mas o que é o espaço? A possibilidade da compresença das coisas. Essa possibilidade considerada em si mesmo e sem as coisas é apenas um conceito teórico e não uma coisa existente. Do mesmo modo, o que é o tempo? A ordem da sucessão do que acontece; se nada acontece, não há sentido falar em tempo. Newton teve de postular esses dois conceitos inteiramente absurdos porque queria criar um instrumento de medição para descrever o comportamento dos corpos macroscópicos no espaço. Isso é perfeitamente legítimo. Instrumentos de medição são inventados arbitrariamente, como fizeram na Inglaterra, onde usaram o braço, o pé e o polegar do rei. O polegar do homem era o dobro do nosso; o seu pé era enorme. Poderia ter sido um cara baixinho; se o rei fosse baixinho, as medidas seriam outras. Quando inventaram o metro, foi a mesma coisa; supuseram o diâmetro da Terra e dividiram por não sei quanto. Por que por não sei quanto? Porque quiseram. Toda unidade de medida é arbitrária. Medir é comparar uma coisa com outra.

Newton, ao postular o espaço e o tempo absolutos, estava fisicamente certo, porque criava um instrumento de medição de que precisava para fazer o que queria fazer. Mas havia o seguinte: ele acreditava naquilo. Por isso, a física newtoniana é um pedacinho racional de um imenso conjunto irracional. Esse pedacinho, por sua vez, não tinha por si mesmo significado filosófico algum; era apenas uma descrição. "Nós medimos as coisas e vemos que se passam assim e se passam sempre assim." É claro que aquilo abriu a possibilidade de se fazerem milhões de outras medições e se descreverem milhões de outros fatos, mas a coisa não tem significado filosófico em si; é apenas um dado empírico, muito bem medido, muito bem escrito e constante até certo ponto. Se Newton fora um filósofo de segunda categoria, embora fosse um grande matemático, os seus sucessores foram de terceira, quarta e quinta categoria; transformaram a mecânica de Newton na base de uma nova filosofia, onde tudo tem de funcionar mecanicamente. É uma coisa tão estúpida que o próprio Newton jamais pensou nela. A analogia mecânica é a analogia com a máquina, criada pelo ser humano; você inventa um negócio e depois o usa para explicar tudo que existia antes. Isso é uma figura de linguagem. Por que as máquinas? Por que não se fez uma analogia com, por exemplo, o mercado, as leis da economia? Por que não se fez uma analogia com as línguas, como mais tarde se fez? Por que não se fez uma analogia com o vestuário? Poder-se-ia fazer uma analogia com qualquer coisa, mas eles gostaram das maquininhas, sobretudo dos relógios, que eram uma novidade. Quando pararam de usar relógio de areia e começaram a construir relógio mecânico eles pensaram: "Que maravilha! Então o universo deve ser assim." É a mesma coisa que se faz hoje em dia com os computadores. Inventamos o computador e dissemos: "Ah, e se o universo funcionar assim?" É claro que ele funciona assim, porque qualquer analogia sempre funciona de algum modo. Se uma analogia for cem por cento falsa, não é uma analogia e se for cem por cento verdadeira, não é uma analogia e sim uma identidade.

O cérebro humano se parece com um computador porque foi o primeiro que inventou o segundo. O cérebro humano não pode criar uma coisa e lhe ser totalmente heterogênea. Pretender que o computador explique o cérebro... Pode-se fazer uma analogia, mas o perigo dessa analogia é você entrar dentro dela e tudo que no cérebro não funcionar como o computador você vai deixar de ver. Por quê? Uma analogia de base dá origem a milhões de outras analogias e isso não termina nunca. Enquanto você continuar nessa linha de investigação, achará analogias e mais analogias e nunca terminará. Isso foi o que criou toda a filosofia de língua anglo-saxônica --- a Escola Analítica. Para mim, a Escola Analítica é a arte de fazer perguntas cretinas e depois gastar todo o manancial da lógica para tentar respondê-las e nunca chegar a uma resposta, porque todas as discussões nunca acabam. Por exemplo: As máquinas podem pensar? Eu tenho a resposta imediatamente: se você a construiu para pensar, ela pensará. É a mesma coisa que você perguntar: os carros podem andar, podem mover-se? A pergunta é a mesma. Se a máquina foi feita para se mover, ela se moverá. No entanto, nos debates --- ontem mesmo eu estava lendo um texto do Alan Turing, um dos inventores do computador --- eles discutem as coisas num alto nível... Para que tudo isso? Uma coisa óbvia que uma criança tem de perceber imediatamente: se a máquina foi feita para determinada coisa e ela funciona, então é exatamente isso que ela fará. A máquina pode tomar decisões? Se foi construída para tomar decisões, ela as tomará. A máquina pode ter emoções? Se foi construída para ter emoções, ela as terá. Mas eu garanto a você que a máquina não o construirá. Isso ela não fará. "A máquina inventou seu inventor." Para tal, ela precisaria ter surgido antes: "Está aqui o computador; aos trinta e poucos anos de idade, ele inventou o Alan Turing." Isso não vai acontecer.

São perguntas bobas, pueris. Para você estruturá-la logicamente e proceder à resposta, dá um trabalho miserável, só que isso, evidentemente, vai se afastando cada vez mais da experiência humana até o ponto em que não serve para mais nada. Curiosamente, nos EUA e na Inglaterra, eles dão um valor extraordinário a essas coisas. Enfim, isso tudo surgiu do mecanicismo, essa estupidez filosófica que se prolonga há três séculos e da qual está muito difícil de sair. Por exemplo, as questões levantadas pelo Peter Singer: "Por que os frangos não têm direitos humanos? Que direito você tem de comer um frango?" Pergunto eu: Que direito você tem de comer um tomate? É uma crueldade para com o tomate, não? Quando nós falamos da noção de direitos humanos, ela nos parece óbvia simplesmente pelo nosso longo hábito, mas quando examinamos as circunstâncias em que surgem esses direitos e nós vemos o que havia de paradoxal e de incongruente na base, entendemos por que o Peter Singer pode perguntar sobre os direitos humanos dos frangos: porque o homem da Declaração dos Direitos Humanos é menos que um frango, ele é uma máquina. Se o homem definido como uma máquina inteiramente determinada por leis mecânicas pode ter direitos, por que não há de tê-los um frango, que é um bicho muito mais complexo? O absurdo não é perguntar pelos direitos humanos do frango; o absurdo é tomar a noção de direitos humanos como se fosse uma coisa simples, improblemática e óbvia, à luz da qual tudo pode ser julgado. Quando se cria um conceito cretino, a aplicação dessa cretinice gerará outras cretinices mais tarde. A expressão "direitos humanos" significa os direitos de toda a humanidade, ou seja, a humanidade é portadora desses direitos e não um indivíduo que o é. É a humanidade como um todo, é a espécie humana.

[1:30] Como dizia Simone Weil, ter um direito significa que alguém tem uma obrigação para com você. Se eu tenho, por exemplo, o direito de receber o dinheiro do objeto que eu vendi, é porque o outro tem a obrigação de me pagar. Se ele não tiver obrigação nenhuma, eu também não tenho direito. Se a humanidade inteira é portadora do direito, quem é o titular da obrigação correspondente? Os tatus-bolas, os chimpanzés, os planetas, os macacos, ou Deus? Nenhuma dessas respostas faz o mínimo sentido. Isso significa que a noção de direitos humanos não faz o menor sentido. Só pode haver direitos de uma pessoa em relação à outra; a espécie humana não tem direitos. Os indivíduos dentro da espécie podem ter direitos uns em relação aos outros. Qualquer principiante escolástico de primeiro ano perceberia isso imediatamente. Se a espécie humana tem esse direito, quem vai atender aos nossos direitos? Se uns tem de atender os outros, então não são direitos da espécie humana e, sobretudo, não são direitos universais.

Veja até que ponto desceu a capacidade analítica dos filósofos, embora eles tenham criado um negócio chamado Escola Analítica. Escola que não é capaz de analisar o que ela mesmo está fazendo. Por exemplo, quando inventaram um projeto de uma linguagem totalmente sem ambigüidades. Ora, o que é linguagem? Linguagem é quando você usa um som ou um grafismo para representar outra coisa. A relação entre signo e coisa já é ambígua. Linguagem sem ambigüidades desmente o próprio conceito de linguagem, e eles ficaram procurando isso anos a fio! Jorge Luis Borges dizia que metafísica é sujeito vestido de preto, num quarto escuro, procurando um gato preto que não está lá. Exatamente o que esse pessoal faz.

Isso passou a existir por causa da expansão das universidades. Criou-se uma multidão de empregos e, então, foi preciso preenchê-los. E como elas têm que fazer alguma coisa, dedicam-se a esse esporte absurdo de fazer perguntas cujas respostas deveriam ser percebidas imediatamente por uma mente humana sã e normal, mesmo sem treino filosófico. Sinceramente, não é que sou tão mais inteligente assim que Bertrand Russell ou Wittgenstein, mas no momento que eles disseram "linguagem sem ambigüidades", percebi que isso era contraditório. A linguagem sem ambigüidades é como se fosse uma roda sem circularidade ou um triângulo sem triangularidade, porque a linguagem é ambigüidade. A relação entre signo e significado é necessariamente ambígua, porque senão seria uma relação unívoca: o signo não é o signo, é a própria coisa, e cada vez que você falasse laranja apareceria uma laranja.

Quando Schelling diz que a filosofia moderna baixou para o nível pueril ele tinha toda razão. Agora, se você está dentro desse processo filosófico moderno, como é que você faz para sair dessa puerilidade? Foi uma coisa que Schelling tentou a vida inteira e, mais ou menos, só conseguiu na velhice. Quando nós voltamos para a guerra cultural dos séculos XVII e XVIII, os representantes da ordem antiga perceberam que havia uma raiz de ateísmo nos camaradas --- e havia de fato ---, e perceberam que vários pontos de sua doutrina estavam errados. Só não perceberam que aqueles caras não filósofos de maneira nenhuma.

Como é que Newton consegue fazer uma coisa tão bem feita como esta Lei da Gravitação Universal e escrever tanta besteira por outro lado? É simples; porque a forma de inteligência dele é como um desses mongolóides que são calculadores prodígios --- o sujeito erra em tudo, exceto numa coisa. Descartes também era assim; ele era filosoficamente ridículo, não sabia distinguir entre ficção e realidade. Ele escreveu uma ficção e acreditou nela. Isso aí é "lalda 1". (Contei para vocês a estória do meu cunhado que estava testando foquinhas lá na Folha, principiantes no jornalismo, e uma mulher chegou, botou papel na máquina de escrever e escreveu "lalda 1". Ele disse: "acabou o teste".) Então, a proposta filosófica de Descartes é "lalda um". Isso aí não dá para fazer, é uma besteira sem mais tamanho; mas com base nisso você vai escrever uma obra de ficção, as pessoas ficarão intoxicadas com essa obra e ficarão se movendo dentro do seu imaginário como rato na toca fechada. E vai levar a filosofia de Kant à mesma coisa. E todos aqueles que tentam saltar para fora disso não conseguem. Hegel tenta, Karl Marx tenta, mas não podem porque estão todos presos dentro do mito da modernidade. E qual é o mito? O mito é, primeiro, acreditar que esses caras são filósofos. Então não era preciso discutir o conteúdo da filosofia deles, porque essa filosofia não existe. Ao começar a discutir esta ou aquela tese, você está conferindo significação filosófica a uma coisa que não tem significação filosófica alguma. E você está ajudando esses novos filósofos a impor precisamente a identidade que eles querem impor.

Ora, vejamos o livro de Mordechai Feingold, intitulado Jesuit Science and the Republic of Letters. É uma coletânea de estudos sobre a contribuição jesuítica à ciência. E você chega a conclusão de que, de todas as pessoas que ele está falando, ninguém ajudou tanto o progresso da ciência quanto os jesuítas. Por outro lado, essas descobertas científicas feitas por Newtow, por Galileu, pelo próprio Descartes, não estão vinculadas à nova filosofia mecanicista. Elas podem se encaixar em qualquer filosofia. Por isso, a ilusão de que a nova filosofia fomentou o progresso da ciência contra a anterior é absolutamente falsa. O que aconteceu foi simplesmente que o lado que estava montado na razão não compreendeu exatamente do que se tratava, não pegou o truque; sobretudo porque acreditou nos novos filósofos nos termos que eles colocaram à discussão, quando era preciso ver algo que estava por atrás do que eles diziam.

Por exemplo, vejamos o que diz Jonathan Israel: "Quando se eliminou a noção do crime de feitiçaria --- a bruxaria deixou de ser crime, isto foi comemorado na Holanda em 1690 --- cunharam-se moedas comemorativas da derrota de satanás." Veja que coisa: porque pararam de perseguir as bruxas satanás foi derrotado. Isso é operação mágica. Os caras que fizeram isso eram cristãos. A partir da hora que dizem que a bruxaria não funciona mais, a bruxaria nunca funcionou, que não acreditam em bruxaria, na mesma hora acreditam que satanás foi derrotado. Em outras palavras: "agora que legalizamos a bruxaria, satanás não age mais sobre nós". Isso é o raciocínio mágico mais louco que já vi na minha vida. [1:40] E, no entanto, na época isso pareceu perfeitamente racional.

Nós sabemos hoje que os fundadores da Royal Society, que é o templo da ciência moderna, eram todos alquimistas, astrólogos e macumbeiros de modo geral, sabemos que há um submundo da ciência moderna que não se conta. O que é o mecanicismo senão uma operação mágica, pela qual se impregna na mente das pessoas uma imagem de que elas funcionam mecanicamente e, instantaneamente, elas cessam de perceber tudo aquilo que nelas não possa ser explicado mecanicamente. Isso é pura magia. Isso quer dizer que a modernidade foi uma vasta operação de magia que enganou até os seus opositores mais radicais. Uma tremenda ilusão sustentada por algumas descobertas científicas que eram absolutamente independentes desta filosofia e que se arrogando a autoridade destas descobertas, faz delas o pseudofundamento de uma nova filosofia, que justamente abdica da investigação do sentido. No mundo mecanicista não faz mais sentido perguntar o sentido do que quer seja.

Na fase anterior, qualquer fato científico descoberto só era considerado compreendido quando se conseguia captar o seu sentido dentro de uma cosmovisão inteira. Agora não há mais isso, há apenas investigação mecanicista, a qual se substitui à investigação do sentido. Você agora não procura mais o sentido, mas o "como funciona". A ciência virou "manual do usuário". Essa porcaria é chamada de ciência até hoje, quando isso evidentemente não é a ciência, é um pedaço da ciência.

Hoje em dia, começamos a sair desse pesadelo. Gradativamente os historiadores vão descobrindo toda a mistificação que ficou escondida. O coeficiente de irracionalidade nesse "iluminismo" começa a aparecer, tal como o coeficiente de mentira, de ocultação proposital, de propaganda, de guerra cultural. Mas é claro que junto com isso nós percebemos a limitação da cultura tradicional antiga. Todos esses defensores da ordem tradicional cristã não entenderam o que estava acontecendo. O que significa que, em termos históricos, os inimigos deles --- os novos filósofos ---, tinham uma visão histórica muito mais ampla. Isto é o que eu chamo domínio do espaço aéreo: você entender o conjunto do processo e o que está realmente em jogo. O meu objetivo, a minha ambição pedagógica é formar pessoas que sejam capazes disso. Isso dá muito trabalho, principalmente porque esta aquisição do panorama --- a tal ponto que lhe permita fazer previsões históricas acertadas, e saber para onde as coisas estão indo e, portanto, o que você tem de fazer --- passa por toda uma vida, por toda uma caminhada de sínteses parciais erradas que você vai fazer. Mas se todas as sínteses que faço dão errado, tudo o que penso está relativamente falso, está tudo afetado por uma espécie de pecado original, a que vou me apegar, no que vou acreditar, ao final das contas? Você só vai acreditar numa coisa: no poder do Espírito de o conduzir por entre as confusões, até que lenta e gradativamente, comece a se fazer claridade; não antes da sua idade madura. É para você acreditar só nisto; e isso é Deus, é o Espírito Santo. Não importa qual seja a sua religião ou a sua falta de religião, é só nisso que você tem de acreditar. O conteúdo das suas crenças, das suas idéias, vai ter de ser abandonado uma vez, duas vezes, três vezes, dez mil vezes. Até chegar uma hora em que o que está lhe mostrando a realidade, o que está formando a sua síntese, já não é mais você, é o Espírito mesmo. Nesse ponto você verá as coisas como elas realmente são. Digo isso porque é quase incontornável a tendência de, ao conquistar um conjunto de idéias mais complexas, se apegar àquilo; porque suas idéias anteriores eram pobres, eram ruins, eram cegas. E você diz "agora vi a luz". Você não viu luz nenhuma; viu apenas meia dúzia de fatos que não conhecia antes. Isso quer dizer que a caminhada de uma vida de estudos termina no infinito. Até o dia que você acaba se acostumando com o infinito, e vendo que ele é mais confortável que o finito --- embora não pareça, porque o infinito dá medo.

Você entenderá um dia que o mundo da verdade é um mundo infinito, infinitamente luminoso e inteligível, enormemente inteligível, um mundo feito de inteligibilidade, que não termina, e que você não o domina. Você só pode transitar nele se não quiser dominá-lo, se você consentir que ele lhe inspire. Então você não tem mais idéias suas, não quer mais idéias e opiniões suas, você quer a verdade na sua totalidade até o limite onde possa absorvê-la, onde ela possa adquirir a sua forma. A verdade que você pode conhecer é comproporcionada à forma de sua personalidade. Você tem de amoldar sua personalidade para que ela possa absorver cada vez mais. "Mas, se minha personalidade tem que se amoldar a doses infinitas de verdade, eu vou ficar sem personalidade nenhuma, ela vai se dissolver" --- ora, ótimo! Exatamente!

Quando você não tem mais uma forma permanente identificável, vira --- como diria o Raul Seixas --- uma metamorfose ambulante. (O Lula jamais vai entender que era isso que o Raul Seixas quis dizer. O Raul Seixas tinha alguma inspiração; era um maluco, mas um "maluco beleza". Era disso que ele estava querendo falar; ele não tinha entendido nada, mas estava indicando a direção certa). Nesse ponto você chega ao nível de despreocupação, no qual você não precisa mais se conhecer porque Deus o conhece, e o que você precisa saber a seu respeito Ele lhe mostra. Você não se interessa mais por si mesmo e, então, você começa a repousar na verdade. Claro que é um repouso móvel, repouso ativo, mas é esse o objetivo no qual tem de chegar. E acaba se transformando numa superfície transparente por onde a verdade pode passar. Claro que, ao passar por você, ela adquirirá a sua forma e a sua forma vai falsificar um pouquinho --- é o nosso pecado original. Mas, chega um ponto onde você sacrifica a sua forma à forma da verdade; sacrifica cada vez mais e mais. Esse é o objetivo deste ensino, chegar nesse ponto. Não se conforme com menos. Quando eu exigi que as pessoas ficassem pelo menos cinco anos no curso, é porque eu sei que isso dá trabalho. E são pessoas capazes disso que estão habilitadas a criar a cultura de um país. Abaixo disso não é possível. [1:50]

Mesmo essas figuras da modernidade que eu me referi, embora imperfeitamente, tinham isso --- Newton e Descartes tinham isso, mas não em nível suficiente. A verdade passa através deles de certo modo, mas a personalidade deles a deforma demais. Deformar um pouco é inevitável, porque somos humanos, temos nossos limites. Esta mistura da verdade com a deformação humana é o que na Bíblia Deus chama freqüentemente de adultério. Você está misturando uma coisa com outra que não pode. Uma delas é a verdade divina, realidade que está nos fatos, que está nas coisas, a qual tem um discurso, tem uma verdade embutida. Você deve permitir que ela fale. Você não deve deformá-la com a sua criação mental, isso é a coisa mais feia que você pode fazer. Ser traficante, bandido, ladrão, viado é menos grave do que isso. Esse é o pecado espiritual, o qual é realmente grave. Claro que estamos sujeitos a cometê-lo a qualquer momento. Mas você tem que voltar e voltar, e dissolver de novo e de novo e de novo essas formas inadequadas ou impróprias nas quais você reveste a verdade. Ao criar a vestimenta à verdade você tem de mostrar que ela é provisória, e que tem outra melhor e melhor e melhor...

Abrir as pessoas para essa perspectiva de infinitude é o objetivo de tudo o que nós estamos fazendo. Por isso que digo: qualquer conteúdo que você aprenda neste curso é menos importante do que perseverar no trajeto. Seria como aprender a voar: você vai fazer várias tentativas, vai cair, vai cair novamente, mas chega uma hora que você estará planando. Deu para entender? Tem perguntas aí?

[intervalo da aula]

Um aluno informa que a rede Habib's usa a palavra "revolução". A introdução da comida árabe foi então uma revolução cultural no Brasil (um negócio fantástico!).

Aluno: Então Voltaire tinha consciência do que estava fazendo, isto é, introduzindo a mentira como norma sistemática, logo, uma nova forma de domínio e enganação para controlar, atingir e manter o poder?

Olavo: Exatamente. Ele estava perfeitamente consciente do que estava fazendo.

É difícil encontrar algum autor que minta tão sistematicamente quanto Voltaire --- nem o próprio Maquiavel, que também confessava ser um mentiroso, chega aos pés de Voltaire. Esta apologia que ele faz em público de direitos da humanidade, dignidade humana etc., na correspondência pessoal ele mostra que fez exatamente o contrário: total desprezo pela humanidade, considerando todos um bando de animais. O próprio estilo de Voltaire é uma coisa totalmente artificial, uma conversa de salão, não é um ser humano de verdade. Ele está sempre representando um papel o tempo todo. Isso aí já é uma etapa depois da Paralaxe Cognitiva, quando a paralaxe se consolida em falsificação estrutural. Eu já lhes contei a história de Diderot, da monja que ele inventou pedaço por pedaço. Ele conseguiu convencer a Europa inteira de que isto estava acontecendo: a monja estava presa no convento e queria abandoná-lo, mas os superiores não a deixavam. Era exatamente o contrário! Os superiores estavam sempre convidando as pessoas a ir embora. Essa monja tanto não poderia estar presa no convento porque ela era porteira do lugar, ela que tinha as chaves. Se ela quisesse ir embora, a coisa mais fácil era abrir a porta e se mandar. E ainda ela permaneceu no convento. Ela foi uma das vítimas da Revolução Francesa, enfrentou bravamente os seus executores e foi para guilhotina. Diderot estava mentindo o tempo todo, sabia disso, e falava daquilo às gargalhadas. Todo pessoal do Iluminismo francês é vigarista, do primeiro ao último. São pessoas que não deveriam merecer atenção, exceto como fenômenos de psicopatologia social.

Se você voltar um pouco antes, os pensadores do Renascimento não eram assim, mas eram sérias vítimas de Paralaxe Cognitiva. Galileu dizia que não inventava hipóteses, mas não parava de inventá-las uma atrás da outra. Ele inventou um plano inclinado sem atrito. Onde ele viu um plano inclinado sem atrito? Foi ele que inventou, então era uma suposição, uma hipótese. Ali ainda é paralaxe cognitiva. Mas quando chega no século XVIII com o Iluminismo, não é mais paralaxe cognitiva; já é a falsificação estrutural. Mais tarde, tem a mentira industrializada, com o movimento comunista e marxista. Aí é a mentira em grande escala, planejada como um bom produto industrial.

Aluno: No livro A ética na Riqueza das Nações, de Eduardo Giannetti, encontrei a seguinte assertiva: "a moralidade pessoal sem a moralidade cívica é cega, o resultado é a fogueira hobbesiana. Mas a moralidade cívica sem a moralidade pessoal é vazia. O resultado é o iceberg totalitário". Pergunto: qual seria a diferença entre a moralidade do cidadão e a moralidade pessoal? A moralidade cívica --- se existe --- não seria a somatória das moralidades pessoais? Como sustentar a prevalência dos valores individuais sobre o os valores do Estado sem cair na anarquia?

Olavo: essa segunda pergunta vou deixar para depois.

Quanto à primeira pergunta, é o seguinte: o ser humano enquanto indivíduo, membro de uma família, raça, classe social, cidadão de um determinado país, não são pessoas diferentes; são vários status, vários níveis da mesma pessoa, de maneira que essa divisão é uma distinção formal, não uma distinção real. Se é uma distinção formal, como que nós podemos resolver grandes questões de moralidade baseados apenas numa distinção formal, que não tem um fundamento substantivo em si mesma? Onde termina a moralidade pessoal e começa a moralidade pública? Não existe esse limite; isso é uma questão de por onde você está olhando. Por exemplo: se um amigo vem confessar para você que cometeu um crime, você pode analisar aquilo no sentido de até querer ajudá-lo. O que ele fazer da vida dele agora? Vai confessar o crime, vai se esconder etc.? Você não vai olhar para aquilo do ponto de vista jurídico apenas, a não ser que você seja o advogado dele --- não estou falando nisso. Se ele disser para a sua mulher que matou fulano e disser o mesmo para o seu advogado, os dois vão encarar isso em níveis diferentes. Um do ponto de vista das relações pessoais, do destino pessoal daquela pessoa e talvez do destino eterno, da salvação da alma, etc. E o outro vai encarar do ponto de vista jurídico. É uma diferença de ponto de vista, não é uma coisa substantiva. É característica do mundo burguês tratar essa distinção do público e do privado como se fosse uma coisa substantiva. Tem gente que desenvolve toda uma filosofia política baseada nisso, o que realmente não faz sentido. O sujeito que matou o outro é o mesmo que está falando para a mulher dele, o mesmo que está falando para o advogado e é o mesmo que vai falar para o juiz. Temos de articular essas dimensões para compreender uma coisa, e não tratá-las como coisas distintas. O Giannetti está falando como se elas tivessem de ser integradas na sociedade. Mas elas não têm de ser integradas na sociedade, elas têm de ser articuladas [2:00] na própria visão que você tem da coisa. Uma vez que você as admitiu como dimensões separadas, como uma distinção real, como vai querer que a sociedade articule aquilo que você mesmo não consegue articular intelectualmente?

Existe uma tensão entre esses vários pontos de vista, mas você nunca pode esquecer que essa distinção não está na pessoa. Por exemplo, você tem um sobrenome que o designa como membro de uma família, enquanto seu nome o designa como indivíduo distinto dentro dessa família. Isso quer dizer que você --- enquanto indivíduo distinto --- deixa de pertencer à família? Ou que, como membro da família, deixa de ser um indivíduo distinto? É claro que não. São distinções nominais. Você pode se referir à mesma pessoa como um indivíduo e como um membro da família, mas ela é inseparavelmente as duas coisas ao mesmo tempo, de modo que entre esses dois aspectos existe uma tensão cognitiva, uma dificuldade permanente e estrutural de articulá-los. Por quê? Justamente pela distinção não ser real e sim formal. Você precisa dela para raciocinar a respeito do indivíduo ou coisa estudada. É muito difícil construir uma série de silogismos sobre um ser tomado na totalidade dos seus aspectos, isso exige outro tipo de pensamento; se você quer discutir a coisa publicamente, terá de isolar um aspecto. O fato de uma coisa contribuir para o seu raciocínio não implica na sua realidade. É como o espaço e tempo absolutos de Isaac Newton, os quais ele precisava para poder fazer medidas, embora tais conceitos não existissem em si mesmos. O Giannetti, como todo pensador liberal, participa desse dualismo burguês e não consegue sair disso. Tomar distinções formais como realidades é a essência do pensamento burguês liberal. Às vezes, o outro lado --- o marxista --- consiste em confundir tudo.

Aluno: O senhor tem insistido para que atentemos sempre, em todo nosso processo de conhecimento, para a dimensão de eternidade, no entanto tenho dúvidas se nós compreendemos plenamente o sentido daquilo a que o senhor está se referindo. Possivelmente deve haver diversos graus de compreensão sobre o que significa exatamente a dimensão da eternidade conforme o nível da apreensão filosófica que cada um já tenha adquirido até aqui. Os graus seriam os seguintes: (a) a compreensão moral da dimensão da eternidade pela qual o entendimento de uma vida após a morte física baseará nossa conduta, dando valor a nossos atos (...)

Olavo: A sua vida após a morte não é a eternidade, é apenas o seu ingresso na eternidade; mas, de certo modo, pode-se considerá-la como um símbolo. Hoje em dia, existem tantas evidências da vida após a morte que negá-la seria coisa de gente burra, que não estudou o assunto (na próxima aula eu trago uma lista de livros sobre isso para vocês). A morte não é o final; você continua pensando, sabendo, percebendo e tendo imenso senso de responsabilidade --- isso já é alguma coisa. Esquecer isso falseará toda a sua perspectiva.

Aluno: (...) (b) em segundo grau, haveria uma compreensão além da moral, também espiritual e pela qual o entendimento da ausência de um término dos tempos fundamentaria ainda a nossa fé e, conseqüentemente, a nossa relação com o mundo, os homens e Deus; (c) em terceiro grau, haveria uma compreensão existencial da dimensão da eternidade pela qual haveria entendimento de que essa é o fundamento real não apenas da nossa conduta moral e religiosa, mas também de nossos pensamentos, consciência e o próprio ser. (...)

Olavo: É exatamente isso!

Aluno: (...) Até aqui, eu me encontrava nesse último grau de compreensão. No entanto, lendo São Boaventura, esse autor me pareceu dizer algo um pouco mais profundo, que seria --- segunda essa minha divisão --- um quarto grau de compreensão. A dimensão da eternidade seria um fundamento filosófico-científico mesmo, o qual englobaria tudo, inclusive o conhecimento.(...)

Olavo: Sem sombra de dúvida! A eternidade e o infinito são os conceitos básicos (possibilidade universal, onipotência). O que é fazer um raciocínio lógico? A lógica é um conjunto de esquemas formais que não se refere a nenhum fato concreto, refere-se apenas a relações possíveis. Fazer um raciocínio lógico sobre um fato real é enquadrá-lo na dimensão da possibilidade. Você sabe como uma coisa aconteceu, mas se pergunta: "Como foi possível?" É exatamente isso que está fazendo. Por isso, sem a dimensão da possibilidade universal não se entende nada.

Numa aula anterior, eu creio ter-lhes explicado que qualquer ente real só o pode ser perante a dimensão da eternidade; o tempo e o espaço não são suficientes para isso. Podemos voltar mais tarde àquela análise com um pouco mais de detalhamento. Basta lembrar que se tudo é reduzido à dimensão do tempo e do espaço, tudo só tem existência fragmentária. Você não consegue compor um único ser inteiro. Só há um fluxo de impressões e até essas se decompõem em aspectos. Você pode ser ateu o quanto queira, mas continua raciocinando em termos de eternidade e infinidade; não pode escapar disso. Não é um problema religioso, porque, afinal de contas, a nossa religião --- o cristianismo --- surgiu numa determinada data. Antes havia outra coisa, mas o problema era o mesmo. Fosse no Egito ou na China, cinco mil anos atrás, a dimensão da eternidade era necessária para se poder existir e conceber as coisas como existentes. Por tal razão, a noção da eternidade é, sem dúvida, o fundamento de todas as ciências.

Aluno: (...) Quando o senhor nos ensina sobre a dimensão da eternidade, já se refere a esse nível último?

Olavo: Eu me refiro a todos os níveis ao mesmo tempo. É importante distinguir entre o conceito de eternidade e a própria eternidade. Uma coisa é você apreender essa noção e outra coisa é estar realmente e conscientemente aberto a essa dimensão de eternidade de modo mais ou menos permanente, que o que a Bíblia chama "caminhar diante de Deus". O que é caminhar diante de Deus? É saber o tempo todo que você está colocado diante da dimensão da eternidade, perante o Observador onissapiente, e está vivendo num campo de absoluta inteligibilidade, onde tudo se sabe e não há mistério, exceto o da luz. O ser humano não agüenta estar permanentemente nisso porque somos bichinhos, precisamos dormir, descansar, fantasiar e precisamos de um pouco de loucura. Eu me lembro de um personagem do Chico Anísio que balançava a cabeça para misturar as idéias. Precisamos disso. Querer ser totalmente são e equilibrado é o que realmente leva à loucura, como em O Alienista, de Machado de Assis. Nossos coeficientes de loucura, de burrice, de esquecimento etc. fazem parte da nossa natureza e, por isso mesmo, não devemos jamais compreender a subida à dimensão da eternidade como uma conquista da onissapiência. Há momentos em que você [2:10] percebe um monte de coisas e tudo isso se abre diante de você, depois esquece tudo e vai dormir. Isso é que é o maravilhoso do ser humano. Eu não preciso saber tal coisa, porque Deus a sabe e se Ele quiser ma informar de novo, ele ma informa. A melhor prática de memória é o esquecimento, não ter a obsessão de precisar lembrar, porque a memória é feminina --- você não pode forçar, tem de ir com jeitinho, seduzir, jogar conversa... Se forçar, vira estupro e dá tudo errado.

A memória vem quando quer e você não deve forçá-la. Eu acho que disciplinas muito rígidas de estudo são ruins, pois deformam a pessoa, abolem a função do esquecimento, que lhe devolve a inocência infantil --- o homem que está dormindo é tão indefeso quanto uma criança. Não se esqueça do que Jesus Cristo disse: "Se você não se tornar como os pequeninos, não entrará no reino do céu." Nesse momento de total inocência você está na mão de Deus: "Não preciso me preocupar com nada, saber de nada. Deus sabe tudo e eu não sei nada. Vou dormir." Ao mesmo tempo, em outros momentos, você pode estar aberto a milhões de descobertas, realmente percebendo a dimensão de inteligibilidade. Esses dois momentos fazem parte do ser humano. Os anjos não dormem, não têm isso. Há um poema do Charles Péguy em que ele fala de uma criança que, ao rezar, mistura Pai Nosso com Ave Maria, faz uma confusão danada e finalmente adormece. Nós temos o privilégio do repouso que os anjos não têm; isto é, quando você dorme, Deus cuida de você e, naquele momento da mais profunda inconsciência e ignorância, Ele lhe ensina algo.

Aluno: Estou fazendo os exercícios do curso e outras coisas, mas, lendo um texto do Mário Ferreira dos Santos e, posteriormente, uma parte de A Presença Total*, deparei-me com a diferença entre o todo qualitativo e o todo quantitativo. O quantitativo refere-se à mera soma contínua de unidades cujos resultados seriam todos sempre possíveis de ser aumentados, enquanto o qualitativo refere-se ao todo no sentido de que cada unidade participaria do mesmo; a unidade apresenta-se em cada novo elemento segundo certas propriedades específicas deste último e essas, por sua vez, acabam apresentando-se para nós quando aproximamos um dos elementos dos outros. Assim, há diferença entre o todo que é mera soma e o outro que é participação. (...)*

Olavo: Sem sombra de dúvida. Essa diferença é análoga àquela entre o infinito quantitativo e o infinito em sentido substantivo. Quando se fala em infinito, geralmente se lembra a série dos números. Ora, a série dos números não é a das batatas, das minhocas, dos elefantes; ela é só uma coisa, mas não pode ser infinita. É apenas ilimitada. Há um número, depois outro número, depois outro número e aquilo não acaba mais. Confundir isso com infinito é muito grave. O próprio Descartes faz a distinção entre o infinito e o ilimitado.

Aluno: (...) Quando o senhor diz que devemos primeiro estudar filosofia segundo o aspecto da construção da sinceridade, deixando de lado a leitura de livros simplesmente como mero acúmulo de informações, no fundo não estaria estabelecendo uma tensão entre o estudo quantitativo (mera acumulação de informações com fim abstrato e indefinido) e o qualitativo (percepção de si mesmo numa realidade concreta para uma vida filosófica digna)?(...)

Olavo: Sem dúvida. Essa tensão existe e é insolúvel. Por um lado, nós temos de buscar conhecimentos e desses, poucos são os que se integram facilmente dentro de um todo inteligível. Uma boa parte de nossos conhecimentos consiste de enigmas e mistérios que nós não entendemos, consiste de perguntas. Lembrei-me de um livro de Aristóteles que se chama Perguntas (Questões), que é uma coleção de perguntas que ele jamais teve tempo de responder. Tudo isso é o quê? É conhecimento, isto é, o repertório da nossa ignorância faz parte do nosso conhecimento. "Quais são as coisas que não sei, que não estou entendendo?" Essa tensão é insolúvel e o acompanhará até o último dia.

Aluno: (...) Pergunto isso porque muitas vezes vejo uma loucura nos ditos 'filósofos' em acumular informações sem a posição e ética que o senhor propõe, criando verdadeiros Frankensteins universitários: cabeças bem cheias, porém muito malfeitas.

Olavo: Isso é incrível. Os sujeitos lêem muito, mas são analfabetos funcionais, não entendem a coisa na profundidade. O que você pensa que é ler Aristóteles ou Platão? Ler um camarada desses é conversar com um sujeito atento a cada coisinha que diz. Para cada coisa que estava dizendo, havia quinhentas outras atrás, cuja relação com aquela ele estava percebendo. No instante em que você lê algo, pega apenas o que está naquela frase e, portanto, pode apenas discutir o que está lá. Se você começa a discutir naquele mesmo momento, então parou de discutir com Platão e passou a conversar consigo mesmo. Por isso, seria melhor esperar mais um pouco e deixar que o autor inunde a sua alma com todas essas percepções que estão por trás do que ele escreveu. Daí se inaugura um diálogo entre pessoas reais. Platão e Aristóteles são pessoas reais. No instante em que os lê, você tenta captar algo do conteúdo e da forma de suas almas. Se você não tem o contato, tudo que Aristóteles escreveu se transforma num objeto --- o conteúdo de uma ciência --- que você acha que poderá aprender. O problema é que essa ciência não existe em si mesma. O que foi tudo o que Aristóteles escreveu senão apenas um sujeito percebendo a realidade? Outro poderia ter percebido outra coisa. A "ciência" considerada como um objeto independente das consciências que a construíram não existe, é um fetiche. A ação intelectual humana está sempre presente, o personagem humano está sempre presente, apesar das pessoas gostarem de esconder isso por trás de identidades sociais. (Por exemplo, a característica dos trabalhos científicos e a sua impessoalidade. Dá impressão que foram escritos por Deus.) Já há então um certo coeficiente de falsidade --- você não sabe quem está falando.

Outro dia eu estava assistindo a um discurso do Obama em que ele disse que "Se nós víssemos Abraão sacrificando seu filho, chamaríamos a polícia, por não sabermos o que Abraão sabe e não enxergarmos o que ele enxerga. Nós, numa sociedade democrática, temos de nos basear naquilo que todos enxergamos." E o serviço secreto? Não existe? Ele enxerga coisas que eu não enxergo. Todo esse universo de instituições científicas e de pesquisa tecnológica sabem coisas que eu jamais saberei. Se nos ativermos àquilo que nós todos sabemos ao mesmo tempo, não sobra quase nada. Isso é a mentira constitutiva da sociedade democrática, de que existe um núcleo inteligível que todos enxergam ao mesmo tempo e em que agem baseados. Assim, você projeta na sociedade humana uma capacidade que só Deus tem. Quando se fala de "o que todos sabem ao mesmo tempo", fala-se de uma espécie de mínimo múltiplo comum --- é reduzido até não sobrar quase nada. O ponto de interseção de todas as consciências não existe (é preciso supor que todos prestam atenção nas mesmas coisas ao mesmo tempo). Uma prova de que as coisas não são assim: no dia em que o homem pousou na lua, meu irmão estava em Nova Iorque vendo televisão, então chega um velho americano e lhe pergunta "O que é isso aí?" e ele responde "Os caras estão descendo na lua." O sujeito lhe perguntou, em seguida: "Você acredita nisso?" Onde estava a cabeça do velho? A uma distância imensurável. Qual o ponto de interseção? Apenas que os dois estavam olhando a mesma televisão, embora o que cada um enxergasse fosse completamente diferente. [2:20] Essa interseção é uma criação mental, um artifício que inventamos.

Aluno: Achei bastante esclarecedora a explicação sobre a diferença entre poder e autoridade, que são conceitos bastante distintos, porém lembrei a definição legal de autoridade (servidor ou agente público dotado de decisão; lei 9.784 de 1999) e de várias outras definições --- inclusive de dicionários --- que identificavam um conceito com o outro.

Olavo: Você pode usar as palavras no sentido indistinto, mas não pode esquecer que existe o uso filosoficamente válido. Num texto legal pode-se usar o sentido meramente convencional, mas em filosofia tem-se de saber do que se fala e, portanto, é necessário que os termos que você usa correspondam a conceitos explícitos e esses correspondam a grupos identificáveis de fatos distintos. Nesse sentido, você pode retornar à origem etimológica das palavras, onde encontrará que autoridade vem de autor e que poder é ao mesmo tempo um substantivo e um verbo --- poder é poder alguma coisa, subentende-se que a ação do indivíduo seja de sua autoria. No caso do "agente público dotado de poder de decisão", essa decisão não é tomada por ele mesmo, ela vem prescrita pela lei. Aí, o uso da palavra autoridade é uma figura de linguagem, não é um uso estrito. É uma pena eles usarem tantas figuras de linguagem nas leis, porque elas não admitem interpretação analógica --- a interpretação tem de ter uma tipicidade, ao contrário de algo analógico. Você acaba sendo forçado a pensar analogicamente pelo fato do texto da lei ser, na verdade, um texto literário, ambíguo. A aplicação daquilo dependerá do juiz, que, no fim das contas, fará o que quiser.

Aluno: Existe alguma relação entre os tipos de temperamento e os vários aspectos que se podem observar no universo? O tipo fleumático, por exemplo, estaria conectado a um aspecto estável ou cômodo, de alguma forma?

Olavo: Sem dúvida. Pelo nosso temperamento inato, tendemos a observar mais certas coisas do que outras, prestar mais atenção a certos aspectos da realidade do que outros. Porém, essa preferência por certos aspectos não apaga os aspectos diferenciados --- eles se distinguem como figura e fundo. Quando alguém presta atenção a certos aspectos, sabe que os outros continuam no fundo; ele apenas --- como disse o Mário Ferreira dos Santos --- atualiza umas coisas e virtualiza outras. Umas coisas, para você, são atuais (estão em ato, estão acontecendo) e outras você vê como potenciais (umas são puxadas para frente e outras, para o fundo). Fazemos isso o tempo todo. Eu não creio que o temperamento em si determine o conteúdo completo da sua cosmovisão, porque senão essa seria inteiramente subjetiva --- seria apenas uma projeção do formato do seu corpo. Isso os animais podem fazer, mas nenhum de nós é tão pré-determinado pelo seu temperamento de forma que ele decida, de antemão, todo o conteúdo das suas idéias. Isso é impossível. Por quê? Porque o temperamento permanece o mesmo, ao contrário das informações que chegam a você. Elas não lhe chegam conforme o seu temperamento. "Se você é fleumático, só receberá informações fleumáticas" --- isso é impossível. O sujeito pode ser fleumático, mas se alguém lhe der uma porrada, verificará que isso nada tem de fleumático.

Por isso, o conteúdo da nossa cosmovisão não é determinado inteiramente por nós. Não esqueça a definição do Ortega y Gasset: "La vida es lo que hacemos y lo que nos pasa." É o que nós fazemos e o que nos acontece, então determinamos apenas uma parte; há um monte de coisas que nos acontecem que não fizemos e não poderíamos fazer. Isso se incorpora a nós. Existem vários estudos de psicologia da vida intelectual e psicologia da filosofia em que, por exemplo, Nietzsche acreditava. Ele acreditava que vários temperamentos produzem filosofia como o corpo produz secreções (bile etc.); é como se o sujeito já nascesse com a sua filosofia pronta e depois só tratasse de arrumar argumentos para justificá-la. É claro que não é assim e é claro que Nietzsche sabia que não era assim; ele era um embrulhão, um fingido --- ele mesmo dizia que era um palhaço e tinha toda razão. Ele estava posando, na realidade. Há muito que ele dizia e em que ele mesmo não acreditava; ele o falava para nos provocar e para ver o que iria acontecer. Aonde queria chegar com isso? Ninguém jamais soube e nem saberá, porque ele também não sabia.

Aluno: Você disse que amizade é amar as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas, e que ser amigo é acompanhar os objetivos da outra pessoa etc. Como fica isso na questão amorosa? A pessoa deve exigir isso mais ainda do parceiro? E quando a pessoa entra no caminho do estudo sério e o parceiro não tem interesse profundo de acompanhá-la?

Olavo: A resposta é a seguinte: dê-lhe umas porradas! Se você pretende passar o resto da vida com aquela pessoa, construir uma vida com ela, sendo que você quer ir para um lado e ela para o outro, eu digo que o mais forte vencerá. Se o mais forte for o mais burro, o que é superior em um será sacrificado em detrimento do que é superior no outro, resultando na corrupção de ambos, o que só pode acabar em tragédia. Quando acontece da mulher ser a parte mais inteligente e o marido é um burro que não quer saber de nada, há um problema grave. Os homens são orgulhosos e não se deixam levar facilmente pelas mulheres. O cara burrão vai querer insistir e humilhar sua mulher --- é um problema. Enfim, chegue para o cara e lhe diga: "Ou você me acompanha, trata de estudar, ou eu largo você. Vou viver com o Joãzinho." Faça-lhe uma ameaça séria. Eu estou brincando. Primeiro, tente convencê-lo numa boa (chame-o de "Benzinho" etc.). Se não funcionar, pegue o pau de macarrão. Não há outro jeito. Nós temos o dever de amar todas as pessoas --- não só as que são nossas amigas ---, então temos de ser bondosos e generosos com elas (até as que são nossas inimigas). Isso não quer dizer que você deva fraquejar perante o inimigo ou alisar sua cabeça. Se a pessoa está muito distante de você, muito oposta e muito antagônica, o que você pode fazer para o bem dela? Apenas rezar. Não dá para fazer mais nada; se você chega perto, ela vai querer lhe bater, mas você pode rezar por ela --- isso é, na verdade, a sua obrigação. Se ela está mais próxima de você, você pode fazer mais coisas. Por exemplo, se a pessoa está doente, você pode ir lá e ajudá-la, ficar à sua cabeceira, contar-lhe umas histórias para animá-la, aplicar-lhe medicamentos, animá-la em caso de depressão etc. Construir uma vida junto só se faz com quem deseja o mesmo e, evidentemente, o objetivo dessa vida não é nem você nem ela --- é algo que transcende os dois.

O sentido de uma coisa está sempre para além da coisa e, de fato, ela acaba se abrindo para o infinito. Se você está imerso na vida de estudos e seu cônjuge não o quer acompanhar, haverá problema mais cedo ou mais tarde. Prestem atenção: na sociedade brasileira, considera-se que a preguiça intelectual é um direito e que o interesse no conhecimento é uma coisa ilegítima e depende de autorização do outro. "Se eu quero não estudar, exerço meu direito, mas se o quero, preciso da sua autorização." Isso é uma inversão completa das coisas. Ninguém tem direito à preguiça intelectual. A recusa do conhecimento é o famoso pecado contra o Espírito Santo e não é perdoada nem nesta vida nem na outra. Se você tenta obter o conhecimento e não consegue (porque é burro), então tudo bem, isso é normal (eu também sou burro!). Há coisas que eu quero entender, mas não entendo. A nossa burrice é aprimorada, evidentemente; hoje em dia, eu tenho uma burrice de elevadíssimo nível. As questões que eu não compreendo são de uma elegância formidável. [2:30] Mas, por exemplo, me lembro que da primeira vez que fui à escola não entendia o que era para se fazer; agora já sei, e sei também de que nunca deveria ter estado lá. Eu concordo com o Mark Twain: "Jamais permita que a escola interfira na sua educação".

O direito à indolência intelectual não existe, ele não pode ser respeitado por um único minuto que seja. Se você respeitar, se ceder a isto, estará perdido. Agora, tem de ver a limitação da pessoa. Se a limitação é natural --- a pessoa aprende pouco, ela vai devagar ---, você tem de ser paciente, bondoso etc. Mas admitir que a pessoa não queira aprender e que ela, de certo modo, seja superior a você por isso --- e que ela possa lhe julgar por isto --- nunca! Na sociedade brasileira, essa é uma das causas permanentes da sua desgraça. O desprezo brasileiro pelo conhecimento é uma coisa que não se vê em lugar nenhum. Como pode um país de 200 milhões de habitantes --- do tamanho de um continente, riquíssimo, caminhando para ser a quinta economia do mundo ---, ter pessoas com essa idéia absolutamente tacanha, estúpida, de que somente aquilo que é vulgar e estúpido tem direitos? O cara que quer estudar, é um sujeito anormal? As pessoas só admitem estudar se for para arrumar emprego, um cargo, uma função, então, quer dizer que tudo na vida se resume a um problema econômico. Brasileiro é um povo inteiramente dinheirista, só acredita no que acha que vai lhe dar dinheiro, e por isso mesmo vive sem. Você acha que um milionário acredita em dinheiro? Ora, como é que surgiu o sistema bancário? Surgiu na quando um sujeito descobriu que se alguém depositava dez dólares no banco dele, ele podia emprestar cem dólares para as pessoas e receber duzentos. Significa que ele desrespeita totalmente o dinheiro, ele o usa. O banqueiro é o sujeito que entende a irrealidade do dinheiro, e por isso mesmo ele é capaz de "fazer" dinheiro. Agora, se você acredita mesmo que o dinheiro move o mundo, eu lhe digo que não; o dinheiro não move o mundo, a cabeça do sujeito é que move o mundo.

Aluno: Podemos dizer que o que acontece com a palavra revolução também ocorre com a palavra moderno*?*

Olavo: Sem sombra de dúvida. O que é a modernidade? Alguns dizem que a modernidade é a liberdade, a democracia etc. Sim, mas a modernidade também é o comunismo, o nazismo, duas guerras mundiais, bomba atômica, AIDS, vírus Ebola, gripe aviária --- tudo isso é modernidade. Quando vemos tudo junto percebemos que é uma mistura do bem e do mal, que a ideologia oficial se recusa a enxergar. Saber que no mundo existem luzes e trevas é uma coisa que todas as civilizações participaram. Apenas a ideologia da modernidade acha que tudo é lindo; é uma ideologia de idiotas mesmo.

Quando falamos essas coisas, as pessoas dizem: "Ah, então ele é favorável à cosmovisão medieval". Eu estou acabando lhes dizer que a cosmovisão medieval não foi capaz de abarcar o processo histórico do que estava acontecendo --- eles caíram do burro! ---, ainda que nos pontos específicos eles tivessem razão. Um dos grandes males da idade moderna foi quando a Igreja perdeu a hegemonia intelectual. O que quer dizer perder a hegemonia? (Perdeu o controle, deixou de mandar nas pessoas? Não.) Ela deixou de compreender o que estava acontecendo. A Igreja é mãe e mestra. Na sua casa você arruma um montão de problema que a sua mãe não está entendendo absolutamente, e ela continua lhe dando ordem; as coisas que ela está falando são certas, mas não se aplicam ao caso que você está vivendo, então, não lhe ajudam em nada e só atrapalham. Foi o que aconteceu com a Igreja no mundo moderno: continuou ensinando a doutrina de sempre, mas aquilo ficou deslocado da situação porque ela mudou demais, e os porta-vozes da Igreja não entendiam o que estava acontecendo. Não adianta estar com a doutrina certa, pois esta é somente um pedaço --- doutrina, afinal de contas, é o conjunto de verdades imutáveis. Qualquer teoria, ela está livre no céu das idéias puras, mas conhecimento da realidade é outro; não basta só doutrina, você tem de saber o que está acontecendo. Quando você perde a compreensão do que está acontecendo, você afundou. Os acontecimentos se precipitam como uma onda e você naufraga.

Quanto tempo levou para que alguém fizesse um estudo como este que o Mordechai Feingold (que era judeu) fez? "Espera ai, deixe-me ver as conquistas científicas dos jesuítas e ver se aquela idéia de que eles estavam contra a ciência justifica-se". Não justifica-se de maneira alguma. Foi um mito, uma propaganda criada. No entanto, como é que estes camaradas que são "apóstolos da ciência e do conhecimento" vivem de mentiras e lendas? Não tem ciência nenhuma. E você pode me perguntar: "eles vivem de mentiras e lendas na sua visão da história, mas será que a ciência que eles fazem --- a ciência física e tal --- não continua valendo?" Continua valendo apenas parcialmente, porque se ela está encaixada dentro de um sistema metafísico que é falso, e este sistema metafísico falso compromete aquela verdade e a limita de algum modo. As objeções que Leibniz fez à teoria de Newton --- que não a invalida totalmente, evidentemente, mas a limita ---, foram todas confirmadas depois, quando veio a relatividade geral e mecânica quântica. Quem tinha razão, Newton ou Leibniz? Leibniz. Eu acredito que, à luz do que se sabe sobre a mecânica quântica hoje, se alguém for fazer uma revisão do conflito Newton vs. Goethe, contra a teoria das cores, verá que Goethe tinha mais razão do que parecia.

Aluno: O senhor disse que levou quarenta anos para saber o que sabe e que nós alunos podemos apressar este estágio em dez ou doze anos. Imagino que esteja se referindo ao que de melhor pode entender com Aristóteles, Platão, Santo Agostinho, Leibniz etc. Porém, em compensação, nós alunos não teremos a rica experiência de vida do senhor, que passou pelo esoterismo islâmico, pelo estudo das obras de Gurdjieff, Giordano Bruno, astrologia, alquimia etc. Minha pergunta é: Será que não sentiremos falta de conhecer assuntos, digamos ir mais baixo, e que em geral despertam muito a nossa curiosidade, mas que pode nos ajudar a compreender a situação em que chegamos. Acha que ainda cabe a leitura, por exemplo: Contos de Belzebu a seu Neto*, do Gurdjieff, mesmo que saibamos que ele foi um picareta metafísico?*

Olavo: Mas há uma grande diferença em ler o Gurdjieff sabendo que ele foi um picareta metafísico, e lê-lo na inocência. Por isso digo que irão gastar muito menos tempo. Devemos ler essas coisas ou não? Claro que sim, mas não muito. Como é graduar isso? Eu sempre me lembro do Eric Voegelin, que disse que quando tinha dezenove anos leu O Capital, de Karl Marx, e foi marxista por três meses, porque no semestre seguinte ele fez um curso de economia política e viu que aquilo tudo era absurdo. O Voegelin levou nove meses no total para se livrar do marxismo, e eu levei mais de quinze anos. Se alguém tivesse me avisado, se tivesse me dito: "Olha, meu filho, além disso que você está lendo aí existe um negócio que se chama economia política; estude as duas coisas juntas e você vai entender". Lembro de que quando estava lendo O Capital poderia também ter lido o livro do Von Mises, A Ação Humana; eu não me lembrei de fazer isso, fui ler Mises vinte anos depois. Então, [2:40] quando eu já não estava concordando com o marxismo, estava me debatendo para não afogar, outro sujeito já tinha resolvido tudo aquilo --- eu estava indo com a farinha e ele já tinha voltado com o bolo fazia trinta anos antes. Se alguém me avisasse, como estou avisando vocês, pouparia meu tempo. Agora, o que sugiro é que vocês devem graduar mais ou menos essas leituras de modo que o grupo todo acompanhe a coisa, porque senão você cria um problema terrível pra mim, não dá tempo para eu tirar dúvidas individuais, uma por uma --- um sujeito leu o Gurdjieff, o outro leu Freud, o outro Aleister Crowley, o outro Melanie Klein, o outro Wilhelm Reich, e cada um querendo tirar suas dúvidas. Vocês querem me matar? Não vai dar! Quando é pra ler besteira, por favor, leiam juntos a mesma besteira, assim facilita a coisa para mim --- é só por isso, só por motivo funcional.

Tanto dizer-lhes para ler e fazer o que quiserem, quanto controlar e policiar as suas leituras, está errado. Existe uma tensão e ela tem de ser mais ou menos respeitada. Eu procuro reduzir o elemento de dirigismo ao mínimo, mas sei que ele é indispensável. Procuro reduzir ao mínimo porque não tenho nenhuma vocação de mestre de obras, gosto de ser o arquiteto, pois é este quem faz o plano da casa e o entrega ao construtor; quem fica lá o dia inteiro enchendo o saco dos pedreiros é o mestre de obras --- eu não tenho paciência para isso. Aquele negócio de treinamento eu sei fazer, mas odeio. Um professor de ginástica, por exemplo, todo dia vai ter de ensinar ao sujeito os mesmos movimentosde novo, mil vezes; acho horrível isso. Porém há quem goste disso; eu não. Gosto de dar um esquema geral e lhes dizer para se virarem. Mas também não posso deixar tudo solto, tem de haver algum controle da coisa, que é dado sutilmente pelo andamento dessas aulas. Ainda, tudo que é dado aqui vai ser preciso reforçar; isto é, entender a coisa na hora em que eu disse não a torna propriedade sua, você terá de remoer aquilo, problematizar, repensar etc. Nós temos alguns recursos que podemos usar para consolidar. O curso de inglês da Margarita é para isso, porque você vai pegar certos textos aos quais me referi, que contenham elementos fundamentais do nosso curso, e vai examiná-los em profundidade, linha por linha, palavra por palavra, não importa o tempo que leve --- não tenha pressa; se for levar o resto da vida para ler este livro não tem importância. Afinal de contas, o importante não é o número de livros que você leu, é o que ficou e se incorporou em você, e que depois se transformou no seu modo natural de ver, ainda que você deva isso a outro sujeito: "eu li aquele livro, o autor me chamou atenção para um determinado ponto, e agora percebo isso sozinho". Vocês não queiram saber o quanto de besteira eu li. Vocês são capazes de imaginar quanta besteira tive de ler para trabalhar na revista Planeta, por exemplo? Era um negócio do outro mundo. Teve um sujeito que escreveu um livro chamado A Imortalidade Física, no qual ele dava umas receitas, o negócio era, por incrível que pareça, muito baseado em clisteres (injeções anais de substâncias). Era um negócio muito pretensioso e grotesco, mas eu tive de ler aquela porcaria inteira para escrever a respeito. O chefe era o Luis Peregrini, que era um sujeito sádico pois me fazia ler essas coisas, assistir de sessão de macumba e curas miraculosas charlatanistas, ver aqueles quadros horríveis do Gasparetto (que foram pintados pelo Jean Renoir), etc. --- era um sofrimento, vocês não sabem o quanto! Além do besteirol marxista ainda tem todo o besteirol esotérico. Teve uma hora em que não agüentei mais, juntei um monte de livros esotéricos que tinha, fui e vendi tudo na USP. Eu os estendia no chão e falava: "Compra ai... veneno pra todo mundo e tal". Em dois dias acabou a biblioteca. Hoje me arrependo porque preciso daquilo como documentação e não tenho mais.

Aluno: Pela a explicação da aula de hoje, podemos entender o senso da eternidade como a decorrência natural da confissão. Seria um desdobramento do método do conhecimento por confissão?

Olavo: Sem sombra de dúvida. É o método de Santo Agostinho: você se apresenta diante do observador onisciente e ele te revela para você; de repente você vê que aquela dimensão desde a qual ele está falando é a sua verdadeira realidade. A história que você está contando já está contada desde a eternidade. Caímos, então, na questão do determinismo e do livre arbítrio. Quando perguntam isso, eu respondo: Você acha que Deus é burro de só ser capaz de fazer uma pessoa que faz o que está no programa? Quando Cristo disse "Vós sois Deuses" (salmos 82:6), ele quis dizer que uma parte do que você faz é ação divina e é livre porque é ação divina. Porém, tem pessoas que, por não ter essa meditação do senso da eternidade, só conseguem entender Deus como se fosse outro ente separado, um ente enorme (um "então"). O Richard Dawkins faz perguntas do tipo "como é que Deus faz para saber o que todo mundo está pensando?" Como se ele, Dawkins, tivesse começado a pensar há muito tempo e depois chegou Deus de repente: "Opa, agora tenho que saber o que esse cara está pensando". O Dawkins está invertendo a ordem da pergunta, meu Deus do céu! A nossa pergunta seria: "Como nós poderíamos pensar se não existisse o Logos?"

O método da confissão vai lhe revelando quem você é realmente, quem é você perante a eternidade, perante Deus. Mas isso é muito devagarzinho e não é você quem vai descobrir, Deus vai lhe mostrar quando quiser --- quando não quiser Ele fecha a torneira e você fica que nem barata tonta, sem entender nada. Se você pensa, por exemplo, em confessar os seus pecados. Está bem, tem umas coisas erradas que você fez, mas tem outras coisas erradas que você é. Como é que você vai mostrar isso para Deus? Você não vai mostrar, Ele é que vai mostrar a você. De certo modo, Ele que está confessando, Ele que está mostrando a você. Às vezes isso acontece fisicamente, como no caso do Padre Pio que, quando o sujeito começava a se confessar, ele o mandava parar e começava a falar quais eram os pecados que o sujeito havia cometido --- ele fazia o serviço pela pessoa. É Deus que está fazendo isso e, ao mesmo tempo, Deus está dizendo: "Meu filho, quem sabe dos seus pecados sou Eu, não é você; você pensa que sabe, mais sabe apenas um ou dois". Posso estar enganado, mas acho que a melhor confissão é chegar falando: "Deus eu não presto, absolutamente, não sei como você me agüenta. Então, por favor, me agüenta mais um pouco". Isso é uma coisa que vai lhe mostrando, primeiro, a sua total insignificância, sua ausência de razão de ser. Essa é a coisa mais estranha: Por que eu existo? Dê-me um só motivo para eu existir? Não tem, não tem! É um ato de gratuidade divina. Outro dia, Pe. Paulo Ricardo me falou disso: "se você entende que existe porque Deus quer, não pode dizer que Deus teve uma idéia errada; então, você tem de admitir que você foi uma boa idéia". Por pior que você seja, a sua existência é uma boa idéia.

Acho que por hoje acabou. Nas próximas semanas, vou mostrar-lhes um plano mais detalhado do curso de leitura de alto nível em inglês. Estamos planejando as aulas com a Margarita Noyes e ainda não sabemos qual dia vai ser, mas espero que sejam às quintas-feiras. Logo teremos um programa para seguir. Eu recomendo muito que vocês façam o curso. Até a semana que vem.

Transcrição: Cleyton Moreira, Lucas Lacerda, Leonardo Brayner, Ramezi Khabbaz Filho, Renato Gonçalves Borges

Revisão: Mariana Belmonte